Medidas cautelares como alternativa à prisão na lei Maria da Penha
A liberdade provisória com cautelares protege a vítima sem violar direitos do acusado, devendo a prisão preventiva ser exceção, aplicada apenas quando insuficientes as medidas legais.
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado às 14:04
Liberdade provisória com aplicação de medidas cautelares diversas da prisão como alternativa à prisão preventiva no contexto da violência doméstica
O tratamento jurídico da violência doméstica e familiar contra a mulher ocupa posição central na tutela dos direitos humanos no Brasil, especialmente após a promulgação da lei 11.340/06 - lei Maria da Penha, que estabeleceu mecanismos específicos para coibir e prevenir este tipo de violência. Nesse cenário, a decretação da prisão preventiva como forma de garantir a segurança da vítima deve ser ponderada à luz das garantias constitucionais, privilegiando-se, sempre que possível, a adoção de medidas cautelares diversas da prisão, conforme disciplinado no art. 319 do CPP.
Cumpre informar ainda que se passou a tratar a violência doméstica e familiar contra a mulher com um olhar específico e protetivo, pautado na dignidade da pessoa humana (CRFB/88, art. 1º, III) e na erradicação da violência de gênero (Convenção de Belém do Pará, instituído sob o decreto 1.973/1996). Neste contexto, a análise da liberdade provisória com medidas cautelares diversas da prisão adquire especial relevância, pois equilibra os princípios constitucionais da presunção de inocência (CFB/88, art. 5º, LVII) e da necessidade de proteção eficaz à vítima.
A análise doravante exige, portanto, uma abordagem técnica e dogmática que respeite os princípios constitucionais da proporcionalidade, presunção de inocência, necessidade e subsidiariedade da prisão cautelar, além da proteção integral da vítima, especialmente em consonância com a Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil.
Sistema cautelar penal brasileiro
O sistema cautelar penal brasileiro, especialmente após a lei 12.403/11, está pautado na graduação e escalonamento das medidas cautelares, reservando a prisão preventiva como ultima ratio. O art. 282 do CPP impõe ao juiz a análise da adequação e suficiência das medidas diversas da prisão antes de se cogitar a privação da liberdade, o que evidencia o caráter progressivo e subsidiário da prisão cautelar.
O sistema cautelar atual rompe com a visão binária anterior (preso ou solto), introduzindo um modelo de pluralidade de medidas que possibilitam a mitigação do risco processual sem violar desnecessariamente a liberdade do acusado.
Ademais, o sistema deve ser interpretado conforme a proporcionalidade, em que a medida restritiva deve ser necessária, adequada e proporcional em sentido estrito, o que exige análise concreta da situação fática e não pode se basear na gravidade abstrata do delito, bem como podem ser revisadas periodicamente, a considerar a gravidade e o risco à incolumidade da vítima.
Além da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, as medidas cautelares deverão observar presunção de inocência (CRFB/88, art. 5º, LVII): ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e isso impõe ao magistrado o dever de: (i) fundamentar concretamente a necessidade da prisão cautelar, sendo a liberdade a regra; o devido processo legal (CRFB/88, art. 5º, LIV): toda e qualquer restrição deve seguir o rito processual legalmente previsto, isto é, devido processo legal; (ii) o grau da restrição deve ser compatível com a necessidade do caso concreto, e; (iii) proteção integral da mulher e combate à violência de gênero (CRFB/88, art. 226, § 8º e Convenção de Belém do Pará): impõem ao Estado o dever de adotar medidas eficazes para proteger a vítima e prevenir a reiteração da violência.
A prisão preventiva possui natureza excepcional e está condicionada aos requisitos legais do art. 312 do CPP, sendo admissível quando necessária para garantir a ordem pública, a ordem econômica, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal.
No contexto específico da violência doméstica, o parágrafo único do art. 20 da lei Maria da Penha expressamente admite a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, ressalvadas as hipóteses legais. Além disso, o art. 22 da referida lei prevê medidas protetivas de urgência que podem ser aplicadas pelo juiz para resguardar a integridade física e psicológica da mulher, como o afastamento do lar, proibição de contato e aproximação, até mesmo prestação de alimentos provisionais ou provisórios, desde que instruídos conforme pede a legislação providencial.
Cumpre observar que o afastamento do agressor do lar é compatível com o sistema cautelar penal e pode ser suficiente para preservar a integridade física e psicológica da vítima, sendo inclusive preferível, em determinadas circunstâncias, à segregação cautelar.
Comentários sobre o monitoramento em sede de violência doméstica
A resolução CNJ 412/21 disciplina o monitoramento eletrônico enquanto conjunto de mecanismos de restrição da liberdade de pessoas sob medida cautelar ou condenadas por decisão transitada em julgado executados por meios técnicos que permitam indicar a sua localização, ou seja, vigilância telemática posicional à distância de pessoas submetidas a medida cautelar.
A monitoração como medida cautelar penal, especialmente no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher, constitui importante ferramenta de controle e proteção, que permite ao Poder Judiciário garantir a eficácia das decisões de forma menos gravosa do que a prisão preventiva.
Sua adoção deve respeitar os princípios constitucionais da proporcionalidade, necessidade, adequação e, não obstante, ao princípio da reserva legal (princípio da legalidade), inserindo-se no sistema progressivo e escalonado de medidas cautelares inaugurado pela lei 12.403/11. A aplicação dessa medida deve ser precedida de rigorosa análise do caso concreto, não podendo ser utilizada de forma automática ou desprovida de fundamentação individualizada.
Expressamente prevista no art. 319, inciso IX, do CPP, incluída pela lei 12.403/11, essa medida tem natureza de restrição parcial de direitos, que visa acompanhar e fiscalizar os deslocamentos do acusado em tempo real, utilizando-se de dispositivos tecnológicos (geralmente tornozeleiras eletrônicas).
Deve-se atentar ao fato de que o descumprimento das medidas cautelares pode ensejar a decretação da prisão preventiva (CPP, art. 282, § 4º), o que reforça o caráter progressivo e escalonado da tutela cautelar penal.
Cumpre destacar a recente alteração nesta órbita. A lei 15.125, de 24/4/25, promoveu relevante atualização da lei 11.340/06 (lei Maria da Penha) ao introduzir, de forma expressa, a possibilidade de monitoração eletrônica do agressor como instrumento de fiscalização e efetividade das medidas protetivas de urgência.
A referida alteração normativa busca fortalecer os mecanismos de proteção da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ampliando os meios de controle do cumprimento das ordens judiciais, especialmente no que tange à proibição de aproximação e contato com a vítima.
De maneira técnica, a nova redação autoriza a cumulação da monitoração eletrônica com as medidas protetivas previstas no art. 22 da lei Maria da Penha, conferindo ao Poder Judiciário maior efetividade no acompanhamento da conduta do agressor.
Ademais, a legislação inova ao prever a possibilidade de integração tecnológica entre o dispositivo de monitoração do agressor e dispositivos de segurança disponibilizados à vítima, criando uma rede de proteção dinâmica e imediata, com comunicação em tempo real, a fim de potencializar a resposta estatal à violação das medidas protetivas.
Trata-se de uma evolução legislativa que se alinha aos princípios da proteção integral da vítima, da prevenção da violência de gênero e da eficiência na tutela cautelar penal, sem perder de vista o necessário respeito às garantias processuais do agressor, notadamente o contraditório e a fundamentação individualizada da medida, conforme exige o art. 282 do CPP e a jurisprudência consolidada do STJ.
Considerações finais
A liberdade provisória com aplicação de medidas cautelares diversas da prisão é um instrumento que permite compatibilizar a tutela da vítima com a preservação dos direitos fundamentais do acusado.
Nos crimes de violência doméstica, a prisão preventiva pode ser aplicada, desde que preenchidos os requisitos legais e demonstrada a necessidade da medida. Entretanto, a simples gravidade do fato ou a natureza da infração não autorizam a decretação automática da prisão.
O magistrado, ao analisar o caso concreto, deve avaliar criteriosamente se as medidas do art. 319 do CPP são eficazes para proteger a vítima e assegurar o desenvolvimento regular do processo.
A liberdade provisória com medidas cautelares diversas da prisão é um mecanismo legítimo, eficaz e consentâneo com os princípios constitucionais da presunção de inocência, proporcionalidade e intervenção mínima, especialmente no contexto da violência doméstica.
A sua aplicação, entretanto, exige rigorosa análise judicial individualizada, com especial atenção à eficácia das medidas protetivas de urgência e às circunstâncias do caso concreto. A prisão preventiva deve permanecer como medida extrema, apenas quando demonstrada a insuficiência das alternativas legais.
O entendimento consolidado pelo STJ reforça que a decretação da prisão preventiva não pode ser automática e deve ser subsidiária à imposição das medidas cautelares diversas. Assim, o sistema cautelar penal brasileiro preserva o equilíbrio entre a proteção da vítima e os direitos fundamentais do acusado, em conformidade com as diretrizes constitucionais e internacionais de direitos humanos.
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União, Brasília, 8 ago. 2006.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Tema Repetitivo 1249. REsp 1.984.057/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 17/05/2023.
CEDAW - Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, aprovada pelo Decreto nº 4.377/2002.
CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, promulgada pelo Decreto nº 1.973/1996.


