Da possibilidade de impugnação de crédito retardatária na recuperação judicial
STJ muda entendimento quanto a possibilidade de se apresentar impugnações retardatárias.
sexta-feira, 1 de agosto de 2025
Atualizado às 10:55
Em duas recentes decisões proferidas pela 4ª turma do STJ, ambas sob relatoria do ministro Raul Araújo, ficou decidido que as impugnações de crédito feitas após o prazo de dez dias, à relação de credores apresentada pelo AJ - Administrador Judicial, devem ser recebidas como impugnação retardatária, enquanto o quadro geral de credores não for homologado. Desse modo, tais impugnações sujeitam-se às mesmas consequências jurídicas aplicáveis às habilitações retardatárias.
Ou seja, há uma mudança na jurisprudência do STJ, pois antes considerava-se que o prazo para apresentar impugnações ao edital de credores elaborado pelo AJ era decadencial. Essa mudança se deu em virtude da interpretação dada aos arts. 7°, 8° e 10° da LRE - Lei de Recuperação de Empresas, após a reforma promovida pela lei 14.112/20.
Para melhor abordar o tema, dividiremos este artigo em quatro capítulos, a fim de contextualizar a importância dos referidos julgados. Primeiro, iremos passar brevemente pelas questões básicas envolvendo homologação e impugnação de crédito; em seguida, trataremos de como a questão da impugnação de crédito era tratada na jurisprudência do STJ, especificamente; depois, iremos analisar brevemente o contexto das decisões ora em comento; e, por fim, faremos breves comentários com uma perspectiva dos possíveis impactos dessas duas últimas decisões.
A análise deste artigo será limitada aos casos de recuperação judicial, ainda que o mecanismo tenha repercussões relevantes também em processos de falência. Além disso, o foco será na impugnação judicial apresentada fora do prazo legal.
I. Habilitação e impugnação de crédito na recuperação judicial
A habilitação e a impugnação de crédito são dois procedimentos com objetivos diferentes e que fazem parte do momento em que há a verificação de crédito na RJ (e de igual modo na falência).
A habilitação de crédito diz respeito ao pedido para que um determinado crédito, de natureza concursal (trabalhista; garantido por garantia real; e/ou quirografário), que não consta do primeiro edital de credores (elaborado pela recuperanda), passe a constar no quadro geral de credores. A impugnação, por sua vez, diz respeito a contestação da legitimidade, importância, classificação e natureza do crédito.
Segundo o §1° do art. 7° a LRE, após a publicação do primeiro edital de credores, baseado no quadro de credores apresentado unilateralmente pela recuperanda (art. 52, §1º da LRE), os credores terão quinze dias para apresentarem seus respectivos pedidos de habilitação e/ou divergência de créditos ao AJ. Esse prazo, como os demais na LRE, são contados em dias corridos.
Essa fase, conhecida muitas das vezes como administrativa, não tem o condão processual. Isto é, trata-se de um momento que os pedidos e alegações são feitos diretamente ao administrador judicial, sem a necessidade de apresentar petição nos autos. Por isso é feito por meio de uma simples petição com os documentos probantes, por quem tem, ou não, poderes postulatórios, inclusive, podendo ser enviado por e-mail, como ensina Marcelo Sacramone.1
Encerrado o prazo de quinze dias para que os credores apresentem suas divergências aos créditos apresentados no primeiro edital (o que podemos também de chamar de "edital da Recuperanda") iniciará a contagem de quarenta e cinco dias para que o AJ analise todos os pedidos de habilitação de crédito e impugnações que os credores apresentaram.
Nesses quarenta e cinco dias, como bem aponta Sacramone, o AJ não deve se limitar a revisar os pedidos dos credores, mas, sobretudo, todos os créditos arrolados pela recuperanda no primeiro edital. Essa análise deve partir do confronto com os livros contábeis e demais documentos da recuperanda.2
Essa análise é de suma importância pois, na prática, não é raro os devedores arrolarem equivocadamente o crédito extraconcursal como concursal. É comum que se faça isso para que, até que o AJ publique a segunda lista de credores - que virá a ser o segundo edital de credores - a recuperanda consiga manter seus créditos extraconcursais impedidos de serem executados, pois, em tese, os créditos extraconcursais não sofrem os efeitos da RJ.
Caso o AJ não cumpra com a apresentação da lista atualizada de credores, com as respectivas justificativas para a manutenção/modificação dos créditos ali arrolados no prazo legal (quarenta e cinco dias - art. 7°, §2º da LRE)3, entendemos ser possível a sua substituição, com fundamento no §2º, art. 30 da LRE, que estabelece que o "devedor, qualquer credor ou o Ministério Público poderá requerer ao juiz a substituição do administrador judicial ou dos membros do Comitê nomeados em desobediência aos preceitos desta Lei".4
Se ainda houver inconsistências entre o que alegam os credores e esse último quadro de credores apresentado, os descontentes poderão apresentar impugnação, no prazo de até dez dias, a contar da publicação desse último quadro, mas esta será por meio judicial. Será criado um incidente processual aos autos da recuperação judicial em que irá se discutir sobre a habilitação/impugnação do crédito5-6. O comitê de credores, os credores, a recuperanda ou seus sócios, ou ainda o Ministério Público, têm legitimidade para ingressar com essa impugnação, conforme o art. 8° da LRF.7
II. A visão [passada] do STJ quanto a impugnação de crédito feita após os 10 dias
Como mencionamos acima, o credor descontente com o resultado lista de credores apresentada pelo AJ, após a fase administrativa, pode recorrer a impugnação/habilitação judicial para que conste do quadro de credores o valor que entende realmente lhe ser devido, desde que consiga levar a juízo a prova da constituição desse crédito.
O caput do art. 8° da LRE prevê um prazo diferente daquele da fase administrativa. Agora, ao invés de quinze dias, o credor terá apenas dez dias, o que, sublinha-se, novamente, são contados em dias corridos.
O art. 10 da LRE prevê que é possível que ocorra habilitações de crédito após o prazo de dez dias, mas, neste caso, será considerado um crédito retardatário. Isso significa que, apesar de o credor ter o direito de receber o valor dentro do processo recuperatório (ou falimentar), a qualidade de "crédito retardatário" implica em um crédito que perde o direito de votar na AGC.8
Até antes da lei 14.112/20, que passou a prever um regramento específico sobre as impugnações retardatárias, o STJ entendia que a falta de tratamento para a impugnação fora do prazo implicava a ela preclusão.
O julgado paradigmático que ensejou esse entendimento no tribunal foi o REsp 1.704.201/RS (julgado em 7/5/19), de relatoria do saudoso ministro Paulo de Tarso Sanseverino (3ª turma).
Nesse acórdão, a ministra Nancy Andrighi, cujo voto foi vencedor, entendeu que o prazo estabelecido no art. 8° da LRE é uma norma cogente. Isto é, o prazo para eventuais impugnações à lista atualizada de credores, com os valores dos seus respectivos créditos, é limitada a dez dias, apenas. Além disso, a habilitação retardatária é possível pois, em tese o credor não teria condições de saber sobre a RJ, situação que difere daquele que foi arrolado no quadro de credores com valor do crédito supostamente errado, mas, por alguma razão deixou de se manifestar.
Segundo a ministra:
O dispositivo, assim, é ele próprio o resultado da ponderação, levada a cabo pelo legislador, entre quaisquer princípios potencialmente colidentes (isonomia versus celeridade processual, p.ex.), não havendo espaço, nessa medida, a se proceder a interpretações que lhe tirem por completo seus efeitos, sob pena de se fazer letra morta da escolha parlamentar.
[...]
Não se pode esquecer, outrossim, que todos os credores constantes da relação nominal que acompanha a petição inicial do processo de soerguimento, devem, obrigatoriamente, ser comunicados, por meio de correspondência enviada pelo administrador judicial, acerca da natureza, do valor e da classificação dada ao crédito (art. 22, I, "a", da LFRE).
E aqui reside a diferença substancial que justifica a existência de prazos diferenciados a serem respeitados por aqueles que, em razão da omissão de seu nome na lista inicial, buscam a inclusão de seu crédito no plano de soerguimento (mediante habilitação retardatária), e por aqueles que, tendo sido contemplados na relação de credores, objetivam modificar a classificação ou o valor do crédito (mediante apresentação de impugnação). (Destacamos)
Ou seja, a habilitação podia ser retardatária pois, estaria se protegendo o direito do credor que não foi, sequer, comunicado sobre o status de insolvência do seu devedor.
Nesse julgado, apesar de ter tido o voto vencido, o ministro Sanseverino havia entendido que, embora a lei não tratasse especificamente da impugnação retardatária, ela ainda seria possível, tal qual ocorre para a habilitação retardatária porque o grande ponto a ser observado era que, apesar do esgotamento do prazo do art. 8° (dez dias para apresentar a impugnação), o quadro de credores ainda estaria em formação. Tendo em vista que o "procedimento de verificação de créditos apenas se encerra com a homologação do quadro geral consolidado" seria "Tolerável, pois, que a impugnação do credor relapso seja ainda analisada desde que apresentada antes desta homologação".
Esse julgado passou a ser seguido em outros casos como principal precedente para que impugnações de crédito feitas fora do prazo de dez dias fossem de pronto rejeitadas, devendo o então credor buscar a "correção" do seu crédito via ação ordinária.
Curioso que, mesmo após a reforma da LRE, por meio da lei 14.122/20, promulgada em dezembro de 2020, o STJ teve algumas oportunidades de analisar a mesma temática de impugnações retardatárias e manteve a mesma posição.
No julgamento do "AgInt nos EDcl no AREsp 2.031.584/MT" (julgado em 13/6/22), sob a relatoria do ministro Raul Araújo (4ª turma), ficou decidido que
segundo entendimento jurisprudencial adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, por veicular norma de aplicação cogente, por força de opção legislativa, não há como acolher a impugnação de créditos apresentada além do prazo peremptório de 10 (dez) dias, previsto no art. 8º da lei 11.101/05.
O mesmo ocorreu no julgamento do "AgInt nos EDcl no AREsp 1.822.364/SP" (julgado em 28/11/22), de relatoria do ministro Ricardo Villas Boas Cueva (3ª turma) que, inclusive, entendeu que tratava-se de matéria já consolidada naquele tribunal, o que incidia a aplicação da súmula 83 do STJ.
No julgado do "AgInt no REsp 1.978.970/PR" (julgado em 21/10/24), de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti (4ª turma), também teve o mesmo entendimento dos acórdãos mencionados anteriormente. Um plus foi que, em decisão monocrática nesse mesmo caso, antes de ser interposto agravo interno, a ministra havia decidido que mesmo com a inclusão do §7º no art. 10 na LRE, por meio da lei 14.122/20 (que diz que "O quadro-geral de credores será formado com o julgamento das impugnações tempestivas e com as habilitações e as impugnações retardatárias decididas até o momento da sua formação"), a lei não previa a possibilidade de se considerar impugnação retardatária. Ela justificou sua interpretação nos seguintes termos
Quanto ao mais, cumpre esclarecer que, diferentemente do afirmado no acórdão recorrido, o art. 10, § 7º, da lei 11.101/05 não previu a hipótese de impugnação retardatária, mas apenas a possibilidade de impugnação, tida como "retardatária", uma vez que vinculadas às habilitações retardatárias definidas no caput do artigo.
Ou seja, podemos dizer que, ainda que de forma pontual, o STJ teve a oportunidade de analisar a questão da impugnação retardatária, mas ainda assim manteve-se firme na posição de que: incidentes processuais de impugnação de crédito protocolados depois dos dez dias corridos da publicação do segundo edital com o quadro de credores, pós análise e retificações pelo AJ, não devem prosperar pois o direito de impugnar o crédito pela via de impugnação decaiu, mesmo após a reforma da LRE, na 3ª e na 4ª turma.
III. A visão [atual] do STJ quanto a impugnação de crédito feita após os 10 dias - Análise a partir do julgamento do REsp 2.175.392/GO e REsp 2.195.862/GO
A mudança ocorreu após o julgamento de dois recursos pela 4ª turma.
Ambos os recursos foram julgados em 10/6/25 e tiveram a relatoria do ministro Raul Araújo. Os acórdãos tiveram, basicamente, a mesma fundamentação e foram provenientes do mesmo processo de recuperação judicial, muito embora por partes diferentes.
No REsp 2.195.862/GO, o caso chegou ao STJ após o Banco Randon S.A. ("Banco Randon"), credor da Distribuidora Tabocão Ltda. ("Recuperanda"), interpor recurso especial contra um acórdão do TJ/GO. O TJ/GO havia mantido a extinção, sem resolução do mérito, de uma impugnação de crédito apresentada pelo Banco Randon fora do prazo legal de 10 dias, conforme o art. 8º da lei 11.101/05 (lei de recuperação judicial e falência). O Banco Randon buscava o reconhecimento da natureza extraconcursal de seu crédito, garantido por alienação fiduciária, que havia sido listado como quirografário na recuperação judicial. Embora o TJ/GO manteve a extinção da impugnação por intempestividade. Daí, o Banco Randon recorreu ao STJ.
Já no REsp 2.175.392/GO, o caso chegou ao STJ por meio de recurso especial interposto pela recuperanda contra o Banco Volvo S.A. ("Banco Volvo"). A discussão teve início com a impugnação de crédito apresentada pelo Banco Volvo. Embora considerada intempestiva em primeira instância, o TJ/GO, ao analisar o agravo de instrumento interposto pelo Banco Volvo, entendeu que, por conta do §7º do art. 10 da LRE (com redação dada pela lei 14.112/20), que expressamente prevê a possibilidade de julgamento de impugnações e habilitações retardatárias, a decisão merecia ser reformada. Assim, determinou que a impugnação de crédito retornasse à primeira instância para ser devidamente julgada. A recuperanda recorreu dessa decisão ao STJ.
No mérito de ambos os recursos especiais, o ministro Raul Araújo relembrou que, nos termos do §3° do art. 49 da LRE,9 quando se trata de créditos extraconcursais
os credores proprietárias não poderão ser afetados pelos efeitos da recuperação judicial. E, por isso, não estão obrigados a realizar impugnação de créditos relacionados indevidamente na recuperação. Sempre poderão reclamar seus créditos perante o juízo singular competente, ou seja, em sede de execução individual.
Em seguida, o relator apontou que em virtude do acréscimo dos parágrafos 7º, 8º e 9º no art. 10 da LRE, passou a se admitir impugnações ao quadro de credores apresentadas fora do prazo de dez dias como impugnações retardatárias.
Com esses acréscimos a LRE passou a prever dois regimes dentro da verificação de crédito: a habilitação de crédito retardatária (já existia antes da reforma da lei) e a impugnação retardatária (que não tinha previsão legal antes da reforma e por isso a única saída era o reconhecimento de uma espécie de decadência pós prazo de dez dias).
Apesar da diferenciação entre os dois regimes, as mesmas "penalidades" aplicadas ao crédito habilitado de forma retardatária deveriam se estender a impugnação retardatária.
Dessa forma,
a Lei 14.112/2020 faz uma importante revisão da matéria, conferindo, a partir de então, igualdade de tratamento aos credores que pretendem habilitar seus créditos na recuperação judicial e falência e aos que pretendem discutir os créditos já arrolados, o que significa que, assim como no caso das habilitações retardatárias, as consequências do descumprimento do prazo legal para apresentação da impugnação de crédito devem ser aquelas previstas nos §§ 1º e 3º do art. 10 da LRF, como a perda dos direitos ao voto na assembleia-geral de credores e a rateios eventualmente realizados, e não a preclusão. (Destacamos)
Por fim, ficou consignado em ambos os acórdãos que "as impugnações apresentadas após o decêndio legal e antes da homologação do quadro-geral de credores serão recebidas como impugnações retardatárias, aplicando-se a estas as consequências legais aplicáveis às habilitações retardatárias". (Destacamos)
IV. Breves comentários
Conforme vimos anteriormente, até 2024 a discussão sobre impugnação de crédito no STJ, embora não tenha ocorrido com a profundidade necessária, ainda se mantinha firme à tese firmada em 2019, isto é, de que, se a impugnação de crédito não fosse feita dentro do prazo de dez dias, essa ação não deveria sequer prosseguir.
Essa posição, especialmente pós-reforma da LRE, nos parece equivocada, mas foi bem enfrentada no julgamento dos REsp 2.195.862/GO REsp 2.175.392/GO.
Ambos os acórdãos reconheceram que a impugnação retardatária é legal e, sobretudo, que visa preservar a "igualdade de tratamento aos credores que pretendem habilitar seus créditos na recuperação judicial e falência e aos que pretendem discutir os créditos já arrolados".
Essa posição parece estar bastante alinhada com o maior parte da doutrina.
Para Marlon Tomazette, por exemplo, mesmo que o art. 8º da LRE estabeleça um prazo de dez dias para a apresentação de impugnação, contado da publicação da relação de credores elaborada pelo AJ, "Tal prazo não parece ter importância, diante da previsão expressa de impugnações retardatárias no art. 10, § 8º, da lei 11.101/05, com expressa determinação de reserva de valores, mas não podemos negar efeitos a um prazo legal".10
Gladson Mamede11 e Sergio Campinho12 também reconhecem a possibilidade de impugnações retardatárias. Além do mais, Campinho também ensina que com as "impugnações retardatárias, como as habilitações retardatárias, acarretam automaticamente a reserva do valor para a satisfação do crédito controvertido."13
Os professores José Marcelo Martins Proença e Eduardo da Silva Mattos são precisos ao ensinar que "com a reforma da LREF, passou a se contrapor 'impugnação tempestiva' com a 'impugnação retardatária' (art. 10, §7°, LREF). Como consequência, pode-se dizer que impugnação retardatária é sinônimo de impugnação intempestiva - i.e., aquela apresentada após o prazo de 10 dias do art. 8º, LREF."14
O professor Fábio Ulhoa Coelho15 aponta que
A lei não previa, em 2005, o direito à "divergência retardatária" ou à "impugnação retardatária". Com a reforma de 2020 mencionou-se a segunda figura, mas em relação à "divergência retardatária", seria uma afronta ao princípio da isonomia constitucional que o credor pudesse apresentar fora do prazo a habilitação (para suprir omissão da relação apresentada pelo devedor), mas não pudesse apresentar a divergência (para corrigir o valor ou classificação).
O professor Marcelo Sacramone, no mesmo sentido dos acórdãos em comento, ensina que as impugnações retardatárias podem ser feitas até que ocorra a homologação do quadro geral de credores. Eventuais impugnações após esse evento deverão desconstituir a homologação. Isso deverá ocorrer, apenas, via ação rescisória por meio de procedimento ordinário.16
Erycka Sentevilles, Laís Mendonça, Luciana Kishino e Mariana Altomani também seguem o mesmo entendimento.17 Ao comentarem o art. 10 da LRE entendem que
Apesar de constar no caput do artigo em comento o termo "habilitações", cabível quando o credor pretende incluir um crédito não constante na relação apresentada pelo devedor, o comando legislativo também parece ser aplicável às impugnações previstas no art. 8° da LREF. [...] Tal interpretação acabou sendo admitida, tendo em vista o legislador reformista ter incluído os §§7° e 8° no art. 10 da LREF, que se referem expressamente às impugnações retardatárias.
Percebe-se que boa parte da doutrina entende que realmente é aplicável o regime de impugnação retardatária desde que não ocorra a homologação do quadro geral de credores.
Ainda assim, ínfima parte da autorizada doutrina mantém o entendimento de que passados os dez dias para apresentar a impugnação de crédito, não é mais cabível impugnar, tendo, deste modo, que se socorrer de uma ação ordinária própria para impugnar o valor que entende devido, e/ou, reclassificar o crédito ou retirar seu crédito do concurso de credores (como é o caso dos créditos extraconcursais).
A esse respeito, é a posição dos professores Paulo Campos Salles de Toledo e Adriana Pugliesi. Em obra concluída em setembro de 2022 (pós-reforma, portanto), defendem que o prazo de dez dias para apresentar impugnação de crédito é preclusiva, podendo, portanto, se insurgir contra o quadro de credores apenas - mesmo que não homologado - por meio de ação ordinária. Veja:18
O ajuizamento da impugnação deve ser feito em 10 dias a contar da publicação da segunda relação de credores, elaborada pelo administrador judicial com base nos elementos das habilitações e divergências que tenha recebido como resultado da primeira publicação da lista dos créditos e seus titulares.
O prazo para oferta da impugnação é preclusivo: se não for apresentada, o interessado perde o direito de fazê-lo, e somente poderá opor-se ao quadro geral de credores por intermédio da ação de rito ordinário, de conteúdo rescisório, como a seguir será exposto.
Nota-se que diversa é a solução prevista na Lei para as habilitações, que podem ser apresentadas retardatáriamente, até a homologação do quadro geral de credores. (Destacamos)
Conquanto trate-se de doutrina bastante respeitável, ao nosso entender, parece ter deixado de considerar as previsões expressas que a reforma da LRE tratou sobre as impugnações de crédito.
Conforme bem pontuado nos acórdãos em comento e na doutrina que reconhece a figura da impugnação retardatária, os §§ 7º, 8º e 9º do art. 10 da LRE não deixam dúvida sobre sua aplicação. Desse modo, a antiga interpretação dada ao referido artigo não se sustenta mais por decisão do próprio legislador.
No sentido do que foi decidido nos REsp 2175392/GO e REsp 2195862/GO, uma leitura sistemática da lei já seria suficiente para inferir que a Lei nº 14.112/2020 permitia afastar a ideia de preclusão quanto à impugnação intempestiva. Agora, o limitador para apresentar a impugnação de crédito é saber se há decisão que homologou o quadro-geral de credores ou não.
Enfim, com a correta leitura e aplicação da lei, no que tange à questão dos créditos - e mais especificamente à impugnação retardatária -, os credores que, porventura, perderem o prazo para apresentar suas impugnações deverão atentar se já houve ou não decisão homologando o quadro-geral de credores.
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1 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. - 3. ed. - São Paulo: SaraivaJur. 2022. pp. 123-124.
2 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. op. cit. p. 123.
3 Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas. [...] § 2º O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos na forma do caput e do § 1º deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de credores no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1º deste artigo, devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas indicadas no art. 8º desta Lei terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação.
4 Apesar da lei falar em substituição, nos parece que o mais adequado seria determinar a destituição do AJ, haja vista que a destituição tem um caráter punitivo pelo não cumprimento de determinada obrigação, em especial quando há culpa. Já a substituição não exige esse elemento culposo. No mesmo sentido é a lição de Sergio Campinho que nos ensina que "A destituição [...] tem conotação punitiva, reclamando a desobediência a preceitos legais, descumprimentos de deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou a terceiros (art. 31). Já as hipóteses de substituição seriam aquelas em que não se avalia a conduta desidiosa, culposa ou dolosa do administrador. Decorrem de outros fatores que não uma ação ou omissão do administrador judicial ligado ao exercício de suas funções. São os casos, por exemplo, de sua nomeação em desobediência aos preceitos legais (§2º do art. 30), de sua renúncia, morte, interdição, ou sendo ele pessoa jurídica, a sua dissolução." in CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: Falências e Recuperação de Empresas. - 13. ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2023. p. 58.
5 Sacramone ensina que a "impugnação judicial possui natureza de ação incidental, pois discute direito material entre as partes no âmbito de outro processo, no caso, um processo de recuperação judicial ou de falência. Sua natureza de ação, e não de mera questão incidental, é corroborada pela possibilidade de cognição exauriente do direito de crédito pretendido (art. 15, IV) e pela exigência de se possibilitar regular contraditório (art. 11)." in SACRAMONE, Marcelo Barbosa. op. cit. p. 131.
6 Como disposto na nota de rodapé "5", a impugnação/habilitação de crédito feita de forma judicial tem natureza de processo próprio e não apenas um mero incidente. Sendo assim, se faz necessário que essa ação contenha as condições da ação.
7 Art. 8º No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7º , § 2º , desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado. Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos dos arts. 13 a 15 desta Lei.
8 Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º , § 1º , desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias. §1º Na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários, excetuados os titulares de créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito a voto nas deliberações da assembleia geral de credores. §2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo ao processo de falência, salvo se, na data da realização da assembleia geral, já houver sido homologado o quadro-geral de credores contendo o crédito retardatário.
9 Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
10 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial - volume 3 - falência e recuperação de empresas. 13. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2025. E-book. p. 188.
11 MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro - Falência e Recuperação de Empresas. 13. ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. E-book. p. 105.
12 CAMPINHO, Sérgio. op. cit. p. 114.
13 CAMPINHO, Sérgio. op. cit. p. 115.
14 PROENÇA, José Marcelo Martins. Mattos, Eduardo da Silva. Recuperação de empresas: curso avançado em direito, economia e finanças. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 622
15 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. - 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 87
16 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. op. cit. p. 138.
17 SENTEVILLES, Erycka Patricia Castello; MENDONÇA, Laís Keder Camargo de; KISHINO, Luciana; ALTOMANI, Mariana Gonçalves. Comentários aos Arts. 7° a 20. In: BONTEMPO, Joana Gomes Baptista; SANT'ANA, Maria Fabiana Seoane Dominguez; OSNA, Mayara Roth Isfer (coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falências. Indaiatuba - SP: Editora Foco, 2022. p. 77-131.
18 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; PUGLIESE, Adriana V. Capítulo IV - Disposições Comuns à Recuperação Judicial e à Falência: Verificação e Habilitação de Crédito. In: CARVALHOSA, Modesto (coord.). Recuperação Empresarial e Falências. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. p. 97-115


