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Biometria no Estado Digital: Proteção de dados como eixo estratégico

Decretos federais 12.561 e 12.564 de 2025: Inovação, regulação e proteção de dados como eixos estratégicos.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Atualizado às 09:39

O avanço do Estado Digital no Brasil deu um salto significativo com os decretos federais 12.561 e 12.564, de julho de 2025. Mais do que digitalizar processos, essas normas colocam a biometria, classificada como dado pessoal sensível pelo art. 5º, II, da LGPD, no centro de uma estratégia regulatória que busca equilibrar eficiência tecnológica, segurança jurídica e proteção de direitos fundamentais. 

Ao mesmo tempo em que aceleram a transformação digital em áreas críticas como benefícios previdenciários e crédito consignado, os decretos erguem barreiras robustas contra riscos de fraude, vazamento de dados e discriminação algorítmica, sempre sob a supervisão da ANPD.

Estruturação técnica e bases transitórias

O decreto 12.561/25 instituiu a verificação biométrica obrigatória para a concessão de benefícios previdenciários, priorizando a CIN - Carteira de Identidade Nacional como base primária de identificação. Diferentemente de uma digitalização apressada, a norma criou uma arquitetura de interoperabilidade regulada, coordenada pela Secretaria de Governo Digital, que assegura padronização, integridade e rastreabilidade no tratamento de dados sensíveis. Para garantir que nenhum cidadão seja excluído do acesso a benefícios, o decreto prevê o uso de bases transitórias como CNH, registros da Polícia Federal e do TSE. 

Essa solução transitória demonstra sensibilidade social, pois permite implantação gradual e evita gargalos operacionais, ao mesmo tempo em que cada órgão gestor pode definir fluxos próprios para inclusão da biometria em seus atendimentos.

O decreto 12.564/25, por sua vez, regula a formalização digital do crédito consignado, exigindo prova de vida biométrica e consentimento explícito do trabalhador. Esse consentimento deve ser registrado de forma eletrônica, auditável e vinculada à operação, garantindo que o titular mantenha controle efetivo sobre seus dados. 

Ressalte-se que, embora a base do consentimento seja central para esse processo, também poderiam ser avaliadas a menção às bases legais previstas no art. 11, II, a ou g da LGPD, que tratam da dispensa do consentimento, em se tratando de dados pessoais sensíveis, nas hipóteses em que for indispensável para, respectivamente, o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador ou a garantia de prevenção à fraude e à segurança do titular nos processos de identificação e autenticação em sistemas eletrônicos, sempre resguardados os direitos previstos no art. 9º da lei e exceto nos casos em que prevaleçam direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam maior proteção. 

A norma ainda reforça a necessidade de produção de evidências técnicas capazes de comprovar autoria e integridade do ato, como vídeos em tempo real com movimentos específicos para comprovação de vida, recurso que já encontra paralelo no sistema Gov.br. Com isso, a biometria não apenas previne fraudes, como fortalece a confiança na digitalização de serviços financeiros voltados principalmente a trabalhadores de baixa renda, frequentemente alvos de golpes históricos.

ANPD como guardiã da inovação responsável

A atuação da ANPD emerge como eixo central dessa política pública. Em seu Radar Tecnológico sobre Biometria e Reconhecimento Facial, publicado em 2024, a autoridade destaca riscos relevantes, como a irrevogabilidade dos dados, a possibilidade de viés algorítmico e o desvio de finalidade em coletas não informadas, especialmente em ambientes comerciais e escolares. 

A submissão desses novos sistemas à supervisão regulatória da ANPD, amparada pelos arts. 4º, §3º, 38 e 55-J, XIII da LGPD, garante governança preventiva, à medida que a Autoridade pode solicitar relatórios de impacto à proteção de dados, emitir recomendações técnicas e intervir em casos de uso indevido ou vazamento, fortalecendo a responsabilização e prestação de contas estatais e a segurança jurídica. 

Esse modelo de interoperabilidade centralizada, auditável e tecnicamente regulada alinha o Brasil às melhores práticas internacionais de proteção de dados, evitando a proliferação de bases isoladas e vulneráveis.

Inclusão digital e mitigação de riscos sociais

O uso da biometria em serviços públicos e financeiros oferece benefícios inegáveis, mas não ignora desafios sociais. Idosos, pessoas em áreas rurais e cidadãos com limitações de acesso digital poderiam ser afetados por um modelo excludente. 

Por isso, a regulamentação incorporou mecanismos inclusivos, permitindo o uso de bases alternativas e processos híbridos, até que a CIN seja universalizada. Esse cuidado mostra que a transformação digital só se torna legítima quando acompanha a realidade social, garantindo que tecnologia e cidadania avancem juntas. Além disso, a prova de vida biométrica com consentimento documentado protege os usuários e reduz assimetrias, permitindo que o cidadão deixe de ser mero objeto de controle e passe a ser agente ativo do processo, com evidências inequívocas de sua participação.

Segurança, rastreabilidade e confiança pública

A confiança no Estado Digital não decorre apenas da inovação tecnológica, mas da segurança da informação e da transparência na execução. Os decretos incorporam mecanismos essenciais, como rastreabilidade, autenticidade e integridade, exigindo a geração de logs e evidências técnicas que tornam cada operação auditável. 

A exigência de autenticação múltipla e confirmação humana para decisões sensíveis também reduz o risco de falsos positivos, como o episódio ocorrido no Rio de Janeiro em 2019, quando uma mulher foi detida indevidamente por erro de um sistema de reconhecimento facial, caso citado no Radar Tecnológico da ANPD. Ao aprender com incidentes passados, o Brasil adota uma regulamentação que prioriza prevenção, rastreabilidade e controle social.

Conclusão

Os decretos 12.561 e 12.564/25 representam um marco de responsabilidade institucional, ao demonstrarem que é possível modernizar serviços públicos e operações financeiras sem abrir mão da privacidade e da proteção de dados pessoais, fortalecendo a percepção de um Estado Digital confiável, auditável e orientado pelo cidadão. 

Persistem, não obstante, desafios, como ampliar a inclusão digital, reforçar a cibersegurança e manter a transparência das operações. No entanto, o país agora dispõe de um caminho regulatório sólido e tecnicamente estruturado, capaz de transformar biometria e identidade digital em instrumentos de cidadania e não em vetores de risco.

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BADEN-POWELL, Igor. Disponível em: https://www.linkedin.com/posts/igorbadenpowell_proteaexaetodedados-craezditoconsignado-lgpd-activity-7354500626753454080-ko6P?utm_source=share&utm_medium=member_desktop&rcm=ACoAAAuwHq4B7WmcD5KB1Nd4x0bL-BXgQsQCZNo. Acesso em 31 jul. 2025. 

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GODINHO, Gustavo. Senta & Atenta dos últimos 7 dias. Disponível em: https://www.linkedin.com/posts/gustavogodinho_sentaeatenta-activity-7356617183159844864-rqYX?utm_source=share&utm_medium=member_desktop&rcm=ACoAAAuwHq4B7WmcD5KB1Nd4x0bL-BXgQsQCZNo. Acesso em 31 jul. 2025.

Silvio Maciel e Silva Junior

VIP Silvio Maciel e Silva Junior

Advogado Certificação EXIN PDPELGPD e CERTIPROOF. Encarregado de Dados Geral Suplente da PCRJ. LL.M em Proteção de Dados Pessoais e Direito Digital (FMP/RS e Univ Lisboa). http://tiny.cc/SilvioJr

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