Insegurança jurídica ampliada pelas Cortes Superiores
As mesmas Cortes que pretendem ser instâncias uniformizadoras do direito, acabam criando instabilidade ao se recusarem a examinar recursos.
terça-feira, 5 de agosto de 2025
Atualizado às 13:32
O STJ decidiu recentemente, no EAREsp 2.713.290, que não cabem embargos de divergência para discutir revaloração de fatos.
A decisão, divulgada por diversos veículos jurídicos, impõe mais um obstáculo ao já difícil acesso às instâncias superiores e acende um alerta sobre o crescente fechamento dos tribunais às teses defensivas.
Para compreender o alcance da decisão, é necessário relembrar a função dos embargos de divergência no processo penal, o qual se revela como um recurso previsto no CPC, aplicável subsidiariamente no processo penal, destinado a uniformizar o entendimento interno do tribunal, quando suas turmas divergem quanto à interpretação de lei federal.
Ou seja, objetiva assegurar previsibilidade e coerência nas decisões.
No caso julgado, a parte opôs embargos de divergência com base em um acórdão paradigma proferido pela própria Corte Superiores, alegando que, em situação semelhante, houve decisão distinta, o que ensejaria a uniformização ou o esclarecimento dos entendimentos internos do Tribunal.
Entretanto, o STJ afastou a admissibilidade do recurso sob o argumento de que não é cabível para revalorar fatos e provas,
Ocorre que a linha entre revaloração e interpretação jurídica é cada vez mais tênue, e é justamente essa tênue distinção que vem sendo usada para barrar o acesso aos recursos, considerando que decisões como essa revelam uma tendência crescente das Cortes Superiores brasileiras: negar seguimento aos recursos, mesmo quando apontam descumprimento de seus próprios precedentes.
O paradoxo, portanto, é evidente: as mesmas Cortes que pretendem ser instâncias uniformizadoras do direito, acabam criando instabilidade ao se recusarem a examinar recursos sob o pretexto de que envolvem matéria fática.
Desse modo, quando se nega a aplicação de um entendimento jurisprudencial consolidado, resta ao jurisdicionado o manejo do habeas corpus como forma substitutiva de impugnação, por não restar outro instrumento suscetível de ser utilizado para o caso concreto.
Todavia, esse cenário é sintomático, denotando não apenas a dificuldade de se obter tutela efetiva em instâncias superiores, mas também a banalização do habeas corpus, hoje abarrotado por demandas repetitivas que poderiam ser evitadas com a aplicação verticalizada dos precedentes.
Portanto, a crise é de legitimidade.
Além disso, a reação interna nos próprios tribunais já é, há algum tempo, visível, com alguns ministros apontando a ineficácia do sistema recursal atual e o esvaziamento do papel das Cortes Superiores como instâncias de correção de ilegalidades das instâncias ordinárias.
Ademais, a decisão da Corte Cidadã, ao limitar o alcance dos embargos de divergência, reforça o isolamento das instâncias superiores e fragiliza a uniformização da jurisprudência, tendo como efeito prático o aumento da insegurança jurídica e o descrédito na aplicação do direito como instrumento de justiça.
É necessário observar, portanto, que a uniformização e aplicação do entendimento jurisprudencial não pode ser letra morta, demandando o resgate da função institucional dos tribunais superiores, sob pena de aprofundar a crise de confiança no sistema de justiça.


