Reconhecimento de tempo especial em período de incapacidade
STJ e TNU reconhecem que o período de auxílio-doença conta como tempo especial, desde que o segurado exercesse atividade insalubre antes do afastamento.
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado às 14:15
A legislação previdenciária brasileira reconhece como tempo especial os períodos de trabalho exercidos em condições insalubres ou perigosas, ou seja, expostos a agentes físicos, químicos ou biológicos prejudiciais à saúde, ou ainda a riscos que coloquem em perigo a integridade física do trabalhador.
O reconhecimento desse tempo pode antecipar a aposentadoria e ainda aumentar o valor da RMI - renda mensal inicial do benefício, uma vez que há a possibilidade de conversão do tempo especial em comum, com aplicação de fator multiplicador, conforme as regras vigentes à época do labor.
Essa possibilidade é relevante não apenas para quem ainda está na ativa, mas também para aposentados que buscam revisão da aposentadoria, visando à inclusão de períodos especiais que não foram computados corretamente no momento da concessão.
Dentro desse contexto, surge uma dúvida comum entre segurados que atuam em atividades insalubres ou perigosas: o período em que o trabalhador esteve afastado recebendo benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) pode ser considerado como tempo especial? Esta é uma questão que envolve não apenas aspectos legais, mas também a análise de documentos técnicos, como laudos ou formulários, além da jurisprudência sobre o tema.
Este texto tem como objetivo esclarecer essa dúvida, analisando os fundamentos legais e os entendimentos administrativos e judiciais sobre o tema, de modo a orientar o segurado quanto aos seus direitos previdenciários.
O reconhecimento de tempo especial durante períodos de afastamento por incapacidade temporária tem respaldo tanto na legislação quanto na jurisprudência consolidada.
O art. 57 da lei 8.213/1991 garante o direito à aposentadoria especial ao segurado que tenha laborado, de forma habitual e permanente, em condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Essa modalidade de aposentadoria tem como objetivo proteger o trabalhador que se expôs a agentes nocivos ao longo de sua vida profissional.
Nesse contexto, surgem dúvidas sobre a possibilidade de computar como tempo especial os períodos em que o segurado esteve afastado em razão de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença). A jurisprudência tem avançado no sentido de reconhecer esse direito quando preenchidos certos requisitos.
O STJ, ao julgar o Tema 998, fixou o entendimento de que:
"O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial." (STJ, 1ª seção, REsp 1.759.098/RS, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 26/6/2019)
No mesmo sentido, a TNU - Turma Nacional de Uniformização, ao julgar o Tema 165, reconheceu que:
"O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando o trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento."
Além disso, a súmula 73 da TNU1 determina que o período de gozo de benefício por incapacidade intercalado com atividade laborativa ou contribuições deve ser computado para todos os fins previdenciários.
Portanto, para o reconhecimento da especialidade no período em que o segurado esteve afastado por incapacidade temporária, exige-se, de forma uníssona na jurisprudência, que:
- O trabalhador estivesse exercendo atividade especial antes do afastamento;
- O benefício por incapacidade tenha sido intercalado com atividade laboral ou contribuição previdenciária;
- Não é exigida a comprovação de que a doença tenha relação com a atividade especial.
Apesar de pacificado o entendimento jurisprudencial sobre o tema, na prática, o reconhecimento do tempo especial durante períodos de afastamento por incapacidade ainda encontra resistência na via administrativa. Quando o segurado requer a aposentadoria com base em atividade especial, incluindo o cômputo dos períodos de afastamento por benefício por incapacidade, o INSS frequentemente nega o pedido, exigindo o ajuizamento de ação judicial para o reconhecimento do direito.
Foi exatamente o que ocorreu no processo 5010816-05.2023.4.04.7209. No caso concreto, a autora, atendente e auxiliar de enfermagem, laborou por longos períodos em ambiente hospitalar, atividade que, notoriamente, envolve exposição habitual e permanente a agentes biológicos, o que caracteriza a especialidade do labor.
Durante sua trajetória laboral, a autora esteve afastada do trabalho em diversos períodos, recebendo benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), conforme a seguir: 19/5/1995 a 30/6/1995, 10/8/2003 a 25/10/2003, 28/2/2005 a 31/12/2005, 1/1/2006 a 12/6/2006 e de 13/6/2006 a 31/10/2017.
Em todos os períodos mencionados, restou comprovado que a autora exercia atividade especial imediatamente antes do afastamento, e que permaneceu no mesmo cargo até o fim do vínculo empregatício, conforme consignado na própria sentença.
A sentença proferida em primeira instância reconheceu expressamente a especialidade dos períodos em que a autora esteve afastada por motivo de incapacidade, aplicando corretamente o entendimento firmado no Tema 998 do STJ e no Tema 165 da TNU, segundo os quais não se exige nexo técnico entre a moléstia e a atividade especial, bastando a comprovação da atividade especial anterior ao afastamento.
O INSS interpôs recurso inominado alegando que o PPP não indicava exposição a agentes nocivos nos períodos de afastamento e que, portanto, não poderia haver o reconhecimento da especialidade. Entretanto, essa alegação foi corretamente afastada, pois o reconhecimento da especialidade não depende de exposição contínua durante o afastamento, mas da comprovação da condição especial antes do início do benefício.
Ao analisar o recurso, a 2ª turma recursal de Santa Catarina, em decisão unânime, negou provimento ao apelo do INSS, mantendo integralmente a sentença. A relatora, Juíza Federal Gabriela Pietsch Serafin, ressaltou que a tese do Tema 998 do STJ já consolidou a possibilidade de reconhecimento da especialidade do período de gozo de benefício por incapacidade, mesmo previdenciário, quando o segurado exercia atividade especial anteriormente ao afastamento.
Além disso, a relatora destacou em seu voto que a jurisprudência recente do TRF da 4ª região (AC 5003478-88.2020.4.04.7207) admite plenamente o cômputo do período de benefício por incapacidade intercalado com contribuições, inclusive como tempo especial, independentemente do retorno efetivo à atividade insalubre, desde que comprovada a exposição a agentes nocivos antes do afastamento
O reconhecimento desses períodos como especiais foi determinante para que a autora pudesse se aposentar aos 52 anos de idade, direito esse que provavelmente não existiria sem a consideração dos afastamentos como tempo especial. Além da concessão precoce do benefício, tal reconhecimento também impacta diretamente no valor da RMI - renda mensal inicial.
Logo, é imprescindível uma análise detalhada de cada caso, pois o reconhecimento do tempo especial durante o período em que o segurado esteve afastado recebendo benefício por incapacidade pode ser determinante para a concessão da aposentadoria ou para uma revisão mais vantajosa do benefício.
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1 O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social


