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Perda de uma chance nos contratos de atletas de esportes de combate

Erros de arbitragem e falhas das promotoras podem tirar dos atletas chances reais de vitória e prêmio. O artigo aplica a teoria da perda de uma chance aos contratos nas lutas.

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Atualizado às 08:37

Introdução

Nos esportes de combate profissional, é recorrente a existência de modelos remuneratórios binários: um valor fixo ("show money", que seria a bolsa para bater o peso e se "apresentar" no dia da luta, daí o "show") e um valor condicionado ao resultado ("win bonus") ou a metas competitivas específicas (ex.: prêmios de performance, avanço de fase em formato de temporada, jackpots como o prêmio de US$ 1 milhão da PFL ou o "GP do Milhão" do Jungle Fight). Em algumas arquiteturas contratuais, "o restante do valor do contrato" - seja entendido como bônus, como parcela contingente ou mesmo como incremento escalonado - só é pago se o atleta vencer.

Esse arranjo cria uma tensão jurídica quando um erro regulatório, de arbitragem/juiz, de pontuação, de designação de adversário, de corte de peso ou de cumprimento de obrigações promocionais pelo próprio organizador frustra (ou reduz sensivelmente) a probabilidade séria de o atleta acessar a remuneração variável. É aqui que ingressa a teoria da perda de uma chance, consolidada no direito brasileiro pela jurisprudência do STJ, segundo a qual não se indeniza o resultado final não alcançado, mas a probabilidade real e concreta de alcançá-lo, suprimida por ato ilícito.

A teoria da perda de uma chance no direito brasileiro

A reparação do dano decorrente da perda de chance é instituto que, a despeito de não regrado na codificação civil, obteve paulatino desenvolvimento, sendo difundido por intermédio de doutrina e jurisprudência, primitivamente na França. A noção de chance contém elemento condicional inexorável, entre outras acepções, ligada à suscetibilidade de que algo ocorra ou seja executado. E a possiblidade de obtenção futura de resultado, esperado ou não, voluntário ou não; a expectativa, também ligada à probabilidade, de que se alcance algo favorável.1

Eis a percepção matriz na matéria, que encontra abrigo em situações jurídicas obrigacionais, assim como em episódios nos quais inexista prévia convenção entre as partes.

A doutrina e a jurisprudência brasileiras, inspiradas sobretudo no direito francês (perte d'une chance)2, admitem a reparação quando: (i) existe conduta ilícita (culposa ou, em certos casos, objetiva) do agente; (ii) há relação de causalidade entre essa conduta e a supressão de uma probabilidade séria de obtenção de vantagem ou de evitar um prejuízo; (iii) a chance perdida é real, séria e mensurável, e não um mero devaneio; (iv) e a indenização deve recair sobre o valor da chance (probabilidade) e não sobre o valor integral do resultado final.

No Brasil, a teoria da perda de uma chance encontra ampla aceitação pelos tribunais do país, especialmente no STJ, destacando-se o julgado paradigmático do Tribunal da Cidadania citado por quase todos os estudiosos do tema, datado de 2005, que ficou conhecido como o caso do "Show do Milhão, e de fato constitui um marco jurisprudencial. O caso envolveu uma participante do programa de televisão homônimo que desistiu de responder à pergunta final que lhe garantiria o prêmio máximo de um milhão de reais. Na sequência, verificou-se que não havia uma resposta certa para a pergunta formulada e, com isso, teria ocorrido a perda da chance de ganhar o prêmio total. O pleito indenizatório foi acolhido nas instâncias locais, que concederam à postulante indenização correspondente ao valor faltante para completar o prêmio de um milhão de reais. O acórdão da 4ª turma do STJ3, figurando como relator o ministro Fernando Gonçalves, à unanimidade, afastou os alegados lucros cessantes. Porém reconheceu que o fato, ou seja, a falta de resposta correta à pergunta, causou dano, à medida que impôs concretamente a "perda de uma oportunidade", ou seja, de uma chance, com inegável expressão econômica. Concluiu-se então em favor da redução dos danos arbitrados em 500 mil reais, que equivaleriam ao acerto da pergunta, para 125 mil reais, correspondentes à probabilidade de acertar uma das quatro respostas (25% de chance).

Em 2019, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva afirmou que "à luz da teoria da perda de uma chance, o liame causal a ser demonstrado é aquele existente entre a conduta ilícita e a chance perdida, sendo desnecessário que esse nexo se estabeleça diretamente com o dano final, apontando que a reparação da chance perdida tem fundamento nos arts. 186 e 927 do CC de 2002 e é reforçada pelo princípio da reparação integral dos danos consagrada no art. 944 do mesmo diploma legal. Reconheceu a chance perdida no caso de um "reality show", em que um erro de contagem de pontos na rodada semifinal eliminou indevidamente um dos participantes, que perdeu a oportunidade, séria e real, de participar da rodada de desempate (REsp 1.757.936/SP, 3ª turma).

Dessa forma, o STJ4 tem reiterado que a indenização deve ser proporcional à probabilidade de sucesso que o lesado detinha antes do evento danoso, exigindo lastro probatório concreto (estatísticas, precedentes, odds, rankings, histórico de desempenho, etc.) para afastar o puro subjetivismo.

A perda de uma chance no esporte

Nuno Santos Rocha, em sua obra, destaca as oportunidades de vitória em concursos esportivos. Para tanto, exemplifica com o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, que estava em primeiro lugar na maratona olímpica de 2004, quando, a seis quilômetros do final, foi agarrado temporariamente por um homem, que o projetou contra o público, fazendo-o perder preciosos segundos, já que, após o incidente, o brasileiro acabou por ser ultrapassado, terminando a prova em terceiro lugar.

E prossegue5:

"Não se pode tomar por garantido que, não fora o empurrão e consequente tempo perdido, este teria ganho a medalha de ouro, já que os dois atletas que o ultrapassaram vinham poucos segundos atrás e ainda faltava uma distância considerável para o final da corrida. No entanto, podemos certamente afirmar que, por força da atuação ilícita de um terceiro, o maratonista perdeu efectivamente algumas possibilidades de ganhar aquela prova olímpica?

No futebol, nos autos do processo 0000292-04.2024.5.07.00086, o TRT da 7ª região julgou ação trabalhista na qual a atleta atuou no Ceará Sporting Clube na temporada de 2023 (de 9/8/2023 a 15/12/2023), com salário registrado de R$ 2.500,00, complementado por auxílios de R$ 800 (alimentação e gás), tendo, em janeiro de 2024, recebido uma carta-proposta formal do clube para renovação contratual, com início previsto para 19/2/2024 até 30/11/2024, com remuneração total de R$ 3.300,00 mensais (salário + auxílios). Baseada nessa proposta, a atleta recusou outras oportunidades - planejando sua continuidade - mas o clube anunciou o encerramento da equipe feminina antes da formalização e após o fechamento da janela de transferências, inviabilizando sua recolocação profissional imediata. O juízo entendeu então que a proposta do clube criou uma expectativa séria e legítima de contrato, que foi frustrada unilateralmente pela rescisão antecipada, configurando a perda de uma chance real de recolocação.

Na luta, as possibilidades de ocorrerem erros que gerem prejuízos aos atletas são inúmeras. Seja como for, a despeito de não prevista em lei, é fora de dúvida que a indenizabilidade da perda de chance é acolhida no Brasil, sendo passível a sua aplicação na seara esportiva.

Estruturas contratuais típicas em UFC, PFL ONE e Jungle Fight (e sua fricção com a perda de uma chance)

Sem pretender uniformizar o que, na prática, varia caso a caso, é possível identificar padrões remuneratórios quando se analisam os contratos dos principais eventos dos esportes de combate no mundo e confrontá-los com os possíveis risco da atividade prevista no contrato, se não, vejamos:

  • UFC7

a) Tradicionalmente: "show money" + "win bonus" (embora existam bônus discricionários de performance).

b) Risco jurídico: erro de arbitragem (ex.: erro de pontuação, violação de regra ignorada), troca de adversário às vésperas que desbalanceia o matchmaking, descumprimento de deveres de promoção que leva a cancelamento sem culpa do atleta.

c) Consequência: perda (total ou parcial) da chance de receber o win bonus ou bônus de performance.

  • PFL - Professional Fighters League8

a) Formato de temporada e pontos, culminando em playoffs e uma final com prêmio milionário.

b) Risco jurídico: erro de regra que afaste o atleta dos playoffs (ex.: violação de regra ignorada; atribuição equivocada de pontos; não remarcação tempestiva de luta cancelada por culpa da organização).

c) Consequência: perda da chance de disputar as fases decisivas e, com isso, de auferir o grande prêmio final (e/ou as bolsas correspondentes às lutas subsequentes).

  • ONE Championship9

a) Modelos mais customizados (valor fixo, bônus discricionários, prêmios por performance).

b) Risco jurídico: não cumprimento da regra pelo adversário (ex.: adversário que não cumpre a regra da não desidratação, cancelando a luta), decisões de arbitragem ou sanções administrativas que cortem o caminho para os bônus (aplicações sem motivos de cartões amarelos e vermelhos10, que diminuem a bolsa final e podem encerrar a luta de maneira precoce)

c) Consequência: o atleta pode ser desclassificado do combate, com a perda total da bolsa, dependendo da interpretação do árbitro, por alegação de "falta de combatividade".

  • Jungle Fight - "GP do Milhão"

a) Torneio eliminatório com prêmio expressivo ao vencedor.

b) Risco jurídico: eliminação decorrente de erro procedimental (ex.: erro arbitral grave)

c) Consequência: o atleta não perde apenas a bolsa da luta específica, mas a chance real e mensurável de progredir no chaveamento e disputar o prêmio final - exatamente o "padrão ouro" do dano por perda de chance.

Quando a má aplicação de uma regra transforma um bônus condicional em chance perdida indenizável?

O gatilho jurídico para a incidência da teoria é a má aplicação (ou não aplicação) de uma regra que:

1) retire o atleta da disputa, impedindo-o de concorrer aos bônus ou premiações condicionadas; ou

2) reduza significativamente a probabilidade de vitória (por exemplo, quando o árbitro não pune um golpe ilegal, e o atleta lesionado tem o ferimento causado pela manobra ilícita agravado pelos golpes subsequentes, resultando na derrota deste por nocaute técnico); ou

3) altere o resultado oficial de forma equivocada, privando-o do win bonus, do avanço no torneio ou do acesso a bônus discricionários.

Não obstante, a indenização não deve corresponder ao valor integral do prêmio ou do bônus, mas ao valor da probabilidade concreta de obtê-lo11, perdida por culpa (ou risco) do organizador.

Conclusão

A perda de uma chance é perfeitamente aplicável aos contratos de atletas de esportes de combate quando atos ilícitos ou falhas regulatórias das promoções retiram do atleta uma probabilidade séria e mensurável de acessar remunerações condicionais (win bonus, prêmios milionários, bônus de performance, bolsas de fases seguintes de torneios).  

Cumpre ressaltar que a indenização deve incidir sobre o valor da chance, e não sobre o valor integral do prêmio, exigindo prova técnica robusta da probabilidade ex ante.

PFL, ONE e UFC (com suas distintas arquiteturas remuneratórias) e o Jungle Fight (GP do Milhão) oferecem cenários típicos em que a perda de uma chance pode emergir - especialmente quando o "restante do valor do contrato/bônus" depende estritamente da vitória e erros de regra/gestão reduzem a probabilidade de alcançá-la.

_______

1 NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 338.

2 Atualmente, a doutrina francesa concebe dois conceitos para a teoria da perda de uma chance. O primeiro conceito é o dano clássico, que consiste em um dano autônomo e específico para algumas situações, com o propósito de indenizar as chances perdidas pelo prejudicado. Nesta perspectiva, a compensação visa reparar a perda da oportunidade em si, independentemente do resultado alcançado. O segundo conceito é o da causalidade parcial, que busca indenizar o dano final, especialmente em casos relacionados à área médica. Nesse contexto, se o dano final não estiver inteiramente comprovado como uma consequência direta da conduta do infrator, ou seja, se não for uma condição absolutamente necessária para a ocorrência da perda da vantagem esperada, e possível conceder uma reparação para um dano parcial e relativo. OLIVEIRA, Marcelo Augusto Souto de; PELISSA, Felipe Bardelotto. Perda de uma chance: histórico, doutrina e jurisprudência. In: BELMONTE, Maria Cristina Capanema Thomaz; BELMONTE, Pedro Ivo Leão Ribeiro Agra; LUNDGREN, Pedro Capanema (Org.). Dano extrapatrimonial e outros estudos. 1. ed. Brasília, DF: Editora Venturoli, 2024. p. 397-436.

3 (STJ, 4ª turma, REsp 788.459/BA, Rel. ministro Fernando Gonçalves).

4 AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.350.713 - MS (2018/0216442-5) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO AGRAVANTE : CATARINA PORFIRIA DA SILVA ADVOGADO : EVELYN PIEREZAN CHARRO E OUTRO (S) - MS010080 AGRAVADO : ROBERTO SOLIGO ADVOGADO : ROBERTO SOLIGO (EM CAUSA PRÓPRIA) - MS002464 AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.DEFICIÊNCIA DAS RAZÕES RECURSAIS. RAZÕES RECURSAIS QUE INFIRMAM A SI MESMAS. DISPOSITIVOS LEGAIS INDICADOS QUE NÃO AMPARAM A TESE RECURSAL. SÚMULA 284/STF. INCIDÊNCIA. PRETENSÃO RECURSAL VINCULADA À APRECIAÇÃO DO SUBSTRATO FÁTICO-PROBATÓRIO PERTINENTE AO CASO. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO CONHECIDO PARA, DESDE LOGO, NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO Vistos etc. Trata-se de agravo interposto por CATARINA PORFIRIA DA SILVA contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul que negou seguimento a seu recurso especial. É o relatório. Passo a decidir. As razões apresentadas no agravo são suficientes para que se analise o recurso especial, motivo pelo qual passo a fazê-lo. Nas razões deste apelo, a agravante alega violação aos artigos 6º, 10, 370 e 1.022, inciso II, do Código de Processo Civil, aos artigos 186, 667 e 927 do Código Civil e ao artigo 32 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Sustenta que apesar da oposição de embargos declaratórios, o Tribunal de origem permaneceu omisso quanto à "tese da cooperação processual, da vedação de decisão surpresa e do poder instrutório do magistrado (arts. 6, 10 e 370 do CPC/15)". Assevera que foi surpreendida com a improcedência de seu pedido, pois "(a) a documentação trazida aos autos pela mesma, (b) o direito de requerer a inversão do ônus da prova para o fim de compelir a empresa Brasil Telecom a apresentar o restante dos documentos referente à sua participação no Plano de Expansão (na ação que demandaria contra referida empresa) e (c) o conhecimento notório do direito de ressarcimento, são elementos suficientes a evidenciar a chance séria e real de êxito do direito outrora vindicado pela recorrente, cujo perecimento em razão da prescrição ocorreu por causa da conduta ilícita do recorrido". Argumenta que "não está a parte recorrente na posse dos contratos celebrados com a empresa de telefonia, sendo que esta é que detém todas as informações acerca da negociação havida". Entende que "se para o d. Julgador era imprescindível ao deslinde da causa referidas provas, caberia então, considerando a hipossuficiência da recorrente no processo, antes de julgar o feito, expedir ofício junto à Brasil Telecom". Afirma que "exigir prova certa de êxito da demanda, como quer o v. acórdão, significa desvirtuar a finalidade do instituto da perda de uma chance, já que o dano que se origina a partir de uma oportunidade perdida está ligado estritamente com uma PROBABILIDADE, ou seja, uma situação que possivelmente aconteceria caso a conduta do agente violador não existisse". Este recurso, todavia, sequer comporta conhecimento. É manifesta a deficiência das razões recursais quanto à alegada violação aos artigos do Código de Processo Civil, encontrando óbice na Súmula 284/STF. Observe-se que a interposição de recurso especial deve demonstrar como, no caso concreto, ocorreu a violação à legislação federal. Assim, invariavelmente o recurso deverá indicar com precisão o dispositivo legal que entende ter sido inobservado e apresentar elementos particulares aos caso concreto que demonstram como, de fato, isto teria ocorrido. Em outras palavras, a estrutura a ser adotada nas razões recursais é sempre a mesma, há uma premissa maior, um comando legal, e uma premissa menor, uma conduta que permite concluir pela inobservância deste. Destarte, cabe a quem recorre, invariavelmente, apresentar estes dois elementos, de modo que a ausência tanto de premissa maior quanto de premissa menor tornarão deficiente a fundamentação recursal, pois impossibilita a verificação de como a legislação federal foi violada. Em que pese a recorrente indique as premissas maiores, os dispositivos legais que entende terem sido violados, as razões recursais não evidenciam como estes teriam sido violados na espécie, ausente, portanto, a indicação das premissas menores. Com efeito, ainda que a recorrente afirme que o acórdão recorrido teria sido omisso quanto à "tese da cooperação processual, da vedação de decisão surpresa e do poder instrutório do magistrado (arts. 6, 10 e 370 do CPC/15)", o próprio trecho transcrito nas razões recursais evidencia que não havia qualquer omissão a ser sanada com a oposição de embargos declaratórios, pois evidencia que a pretensão da agravante com a oposição dos embargos de declaração era claramente a de obter reapreciação do mérito da demanda. Em que pese não ter o Tribunal de origem se manifestado expressamente, sobre cada uma das teses indicadas, ao consignar que a agravante não se desincumbiu de seu ônus probatório, resta claro que rejeitou as teses recursais apresentadas, pois o magistrado não está obrigado a determinar as provas que devem ser produzidas, ônus que incumbe às partes. Se a própria recorrente evidencia a ausência de omissão relevante ao julgamento do caso, é manifesta a deficiência das razões recursais. Assim, não é possível compreender como o artigo 1.022 do Código de Processo Civil teria sido violado, pois as teses apresentadas claramente foram rejeitadas. No que tange aos demais dispositivos legais, estes não amparam a tese recursal de que o magistrado estaria obrigado a, "antes de julgar o feito, expedir ofício junto à Brasil Telecom". Referidos dispositivos legais não afastam a distribuição do ônus probatório, nem imputam ao magistrado a gestão da prova na hipótese de inércia das partes, pressuposto lógico da tese recursal. Com efeito, se a própria agravante entende que não há necessidade de dilação probatória, que a documentação apresentada já seria suficiente a comprovar a existência de seu direito, de que a conduta do recorrido teria resultado na perda de uma chance, não cabe ao magistrado substituir sua vontade, sendo absolutamente incompreensível qual seria o fundamento legal para que a agravante exigisse do magistrado conduta diametralmente oposta daquela que pleiteia. Claramente não se está diante de cooperação, que pressupõe atuação diligente de todas as partes. Se a recorrente opta pela inércia, não cuidando da produção da prova de seu direito, não cabe ao magistrado substituí-la, mas sim julgá-la improcedente, punindo a negligência da parte. Concomitantemente, é absolutamente incompreensível a assertiva de que a agravante teria sido surpreendida com a improcedência de seu pedido. Se uma pretensão pode ser julgada procedente ou improcedente, eventual sentença desfavorável constitui um dos resultados possíveis, sendo descabido falar em surpresa. Observe-se que o acolhimento desta tese recursal implicaria na absurda situação de ser impossível jugar qualquer demanda, pois a parte vencida, acreditando na suficiência das provas, sempre poderia alegar estar "surpresa" com o desfecho da ação. Acrescente-se que o dispositivo legal indicado dispõe sobre a necessidade de prévia intimação das partes para que se manifestem sobre questão que não fora suscitada anteriormente, hipótese que claramente não corresponde à dos autos, em que apenas se concluiu pela insuficiência da prova produzida. Cumpre observar que estando a agravante representada por advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, não há que se falar em "hipossuficiência da recorrente no processo". Se havia relação de hipossuficiência, como aponta o Tribunal, esta se daria entre a companhia telefônica e a agravante, não entre o agravado e a agravante, pois apenas aquela relação estaria submetida às disposições do Código de Defesa do Consumidor, e tal hipossuficiência diria respeito tão somente à relação de direito material, não à relação processual, como se observa na espécie. Observe-se que cabe ao advogado analisar a documentação apresentada e julgar se há ou não necessidade de outras diligências para comprovar o direito postulado. A hipossuficiência da parte em nada interfere em sua atuação técnica, sendo incompreensível porque estaria o magistrado obrigado a atuar em seu nome, requerendo a produção de prova que nenhuma das partes julgou ser necessária. Destaque-se que às e-STJ fls. 292, a agravante expressamente postula pelo julgamento antecipado da lide, sendo descabido que, ante a sua inércia, exija do magistrado atuação diligente. Assim, além dos dispositivos legais indicados não ampararem a tese recursal, os fatos narrados não permitem compreender porque o magistrado deveria ter agido de maneira distinta. No que tange aos artigos do Código Civil e ao artigo da Lei 8.906/94, o conhecimento do recurso encontra óbice na Súmula 7/STJ. Aplica-se este enunciado aos casos em que a análise da pretensão recursal demande o revolvimento do quadro fático-probatório dos autos. Destarte, a fundamentação recursal deve adotar como premissa as conclusões a que o Tribunal de origem tenha chegado com a análise das provas e fatos constantes nos autos para que o recurso possa ser conhecido. Ao partir de conclusão diversa da esposada pelo Tribunal de origem para fundamentar a alegação de violação à legislação federal ou de dissídio jurisprudencial, para que se possa verificá-las, torna-se imprescindível o reexame da matéria fática para que se possa averiguar a veracidade da premissa, atribuindo a este Tribunal papel que não lhe cabe. Não se ignora que a discussão sobre prova tem sido admitida por este Tribunal Superior, mas tal hipótese é restrita aos casos em que se pretenda atribuir qualificação jurídica diversa aos fatos narrados no acórdão. Assim, é necessário que seja indicada uma qualificação jurídica que deva ser atribuída a fato ou prova específico, demonstrando-se o equívoco do Tribunal de origem ao atribuir qualificação jurídica diversa ao mesmo fato ou prova. Não é o que se observa na espécie, em que, em síntese, pretende a recorrente que seja apreciada a suficiência ou insuficiência da prova produzida para que o recorrido fosse condenado a lhe indenizar. Com efeito, a agravante parte da premissa de que a documentação apresentada seria suficiente a comprovar que o erro cometido pelo advogado, que perdera o prazo para o ajuizamento da demanda, implicou na perda de uma chance. Tal premissa, todavia, foi expressamente rejeitada pelo Tribunal de origem, que, considerou que sequer haveria um lastro probatório mínimo desta chance, tornando evidente que não há discussão jurídica, mas apenas uma irresignação no que tange à apreciação do substrato fático pertinente ao caso, o que inequivocamente encontra óbice na Súmula 7/STJ. Observe-se que o Tribunal de origem em nenhum momento exigiu "prova certa de êxito da demanda", tendo considerado que sequer haveria um lastro mínimo do direito postulado. Transcrevo o trecho pertinente do acórdão: Analisando os autos, verifica-se que, conforme fundamentado pelo magistrando singular, em se tratando de uma ação a ser proposta contra a Brasil Telecom, demanda que foi proposta em massa, não se apresentam nos autos elementos suficientes a comprovar que a parte autora (apelante), de fato teria alguma chance de êxito no que se refere à conversão de suas ações. Trata-se de direito que exige uma série de provas e circunstâncias a serem analisados, que não dependeriam somente da inversão do ônus da prova, mas de um mínimo de elementos que teriam de ser apresentados pela parte em seu favor, para a verificação do seu direito da conversão de ações na empresa controladora quando da cisão parcial da Telebrás. Desse modo, não se pode acolher o pedido, fazendo com que o advogado arque com valores que sequer pode presumir que a parte teria o direito. (e-STJ fls. 335) Assim, o que se observa é que não há como afastar a aplicação da Súmula 7/STJ. Ante o exposto, conheço do agravo para, desde logo, NÃO CONHECER do recurso especial. Intimem-se. Brasília (DF), 12 de novembro de 2018. (STJ - AREsp: 1350713 MS 2018/0216442-5, Relator.: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Publicação: DJ 16/11/2018) (g. n.)

5 ROCHA, Nuno Santos. A "perda de chance" como uma nova espécie de dano. Coimbra: Almedina, 2014, p. 19.

6 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região. Processo nº 0000013-60.2024.5.07.0008. Reclamante: [nome suprimido]. Reclamado: Ceará Sporting Club. 8ª Vara do Trabalho de Fortaleza. Sentença publicada em 28 jun. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2024/6/95AD6704D9E9F5_Documento_6d58f31.pdf. Acesso em: 4 ago. 2025.

7 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Procedimento Comum Cível nº 5023009- 13.2021.8.24.0005. Contrato de atleta do UFC. Documento: Evento 39, CONTR2. Balneário Camboriú, SC: Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Balneário Camboriú, 2022.

8 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Reclamação Trabalhista nº 1001036-50.2023.5.02.0462. Contrato de atleta da Professional Fighters League. Documento: Contrato de Trabalho (Contrato promocional exclusivo de luta em inglês - Manoel Sousa de Araújo) - 9385c86. São Bernardo do Campo, SP: 2ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, 2023, p. 59.

9 BRASIL Tribunal de Justiça do Estado de Manaus. Execução de Título Extrajudicial nº 0750699-31.2021.8.04.0001. Contrato de atleta do ONE Championship. Documento: Contrato. Manaus, AM: 9ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus, 2021.

10 Leia mais sobre os cartões do ONE em: COSTA, Elthon. O temido cartão vermelho do ONE Championship. Lei em Campo, 14 fev. 2023. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/o-temido-cartao-vermelho-do-one-championship/. Acesso em: 4 ago. 2025.

11 DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes. 2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento. 3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional. 4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional. 5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada. (STJ - REsp: 1254141 PR 2011/0078939-4, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 04/12/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/02/2013 RDDP vol. 122 p.161 RSTJ vol. 229 p. 320)

Elthon José Gusmão da Costa

VIP Elthon José Gusmão da Costa

Advogado trabalhista e desportivo. Mestre em Direito Desportivo Internacional. Professor, palestrante e organizador e autor de artigos e livros jurídicos.

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