Cashback do IVA: A 'jabuticaba' social da reforma tributária
Cashback na reforma: Bondade social ou pesadelo operacional? Entenda a mecânica, os riscos de fraude e como o novo benefício pode impactar o consumo e a imagem da sua empresa no cenário pós-reforma.
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado às 14:06
Em um país marcado pela desigualdade, a ideia de devolver parte do imposto pago sobre o consumo para as famílias mais pobres soa como música para os ouvidos. Este é o "Cashback do IVA Dual", a grande aposta social da reforma tributária, um mecanismo que visa mitigar a natureza regressiva da tributação, onde os mais pobres comprometem uma fatia maior de sua renda com impostos. Trata-se de uma verdadeira "jabuticaba": uma solução criativa e genuinamente brasileira para um problema crônico.
A premissa é simples: ao exigir o CPF na nota, o sistema identificaria os consumidores de baixa renda (inscritos no Cadastro Único) e devolveria, diretamente em suas contas, uma parcela do IBS e da CBS pagos em suas compras, especialmente em itens essenciais como o gás de cozinha e a energia elétrica. Uma tentativa de transformar o tributo, tradicionalmente visto como um fardo, em um instrumento de redistribuição de renda.
Contudo, como toda jabuticaba, ela também tem caroço. Para as empresas, este mecanismo, embora socialmente louvável, não é neutro. Ele cria uma nova dinâmica de consumo, novos riscos operacionais e, principalmente, um novo campo para a gestão da reputação corporativa. Entender as engrenagens e as implicações do cashback é fundamental para essa nova paisagem social e de mercado que a reforma desenha.
A mecânica da devolução: Como o dinheiro volta?
A operacionalização do cashback será um dos maiores desafios tecnológicos e de gestão da reforma. A lei complementar ainda detalhará o funcionamento, mas o esqueleto do sistema já está delineado:
Identificação: O consumidor informa seu CPF no ato da compra.
Cruzamento de dados: O sistema do Comitê Gestor do IBS e da Receita Federal cruza o CPF com a base do CadÚnico - Cadastro Único para Programas Sociais.
Cálculo da devolução: Com base nas compras registradas, o sistema calcula o montante de IBS e CBS a ser devolvido. A devolução será obrigatória para o gás de cozinha e a energia elétrica e poderá ser estendida a outros produtos.
Pagamento direto: O valor é depositado diretamente na conta do beneficiário, de forma ágil e desburocratizada, similar ao que ocorre com o pix ou outros programas sociais.
O objetivo é nobre, mas será mesmo que não vai acabar em samba?
O "efeito cashback": Implicações diretas para os negócios
Para as empresas, especialmente as do varejo e de bens de consumo, o cashback não é apenas uma notícia de jornal. Ele tem implicações estratégicas diretas:
Incentivo à formalidade (e ao CPF na Nota): A principal consequência será um poderoso incentivo para que o consumidor final exija o documento fiscal com seu CPF. Isso tende a reduzir a evasão fiscal no varejo, o famoso "caixa dois", o que pode ser positivo para o ambiente de negócios como um todo, mas pode exigir uma adaptação cultural e de processos para pequenos e médios varejistas.
Mudança no comportamento de consumo: A percepção de que "parte do dinheiro volta" pode alterar as decisões de compra. Consumidores podem preferir estabelecimentos que garantam a emissão correta e ágil do documento fiscal. A comunicação sobre o cashback pode se tornar um diferencial competitivo.
Pressão sobre a tecnologia de PDV - Ponto de Venda: Os sistemas de frente de caixa precisarão estar perfeitamente integrados e funcionando sem falhas para capturar o CPF e transmitir as informações em tempo real. Qualquer falha pode gerar atrito com o cliente, que se sentirá lesado por não receber seu benefício.
Os riscos ocultos: Fraude, complexidade e reputação
A implementação de um sistema dessa magnitude não está isenta de riscos significativos que podem respingar nas empresas:
Risco de fraude: A criação de CPFs falsos ou o uso indevido de CPFs de terceiros para concentrar benefícios é um risco real. Embora o combate à fraude seja responsabilidade do Estado, as empresas do varejo podem se ver no meio de investigações e ter de implementar controles adicionais para mitigar sua participação, mesmo que involuntária, em esquemas fraudulentos.
Complexidade operacional: Para o varejista, a obrigação de capturar o CPF em todas as vendas adiciona um passo ao processo de checkout, o que pode gerar filas e atritos, especialmente em negócios de alto volume.
Risco reputacional: Imagine a seguinte situação: por uma falha no sistema da loja, o CPF de um cliente não é registrado corretamente e ele perde seu cashback. A frustração do consumidor será direcionada à marca, e não ao governo. Empresas que não garantirem uma operação impecável podem sofrer danos de imagem, sendo vistas como um obstáculo ao recebimento de um benefício social. Por outro lado, empresas que abraçarem a causa, ajudando a educar o consumidor, podem ter ganhos reputacionais.
Conclusão: Um novo fator de mercado
O cashback do IVA Dual (IBS e CBS) é um experimento social e econômico de proporções gigantescas. Ele tem o potencial de injetar bilhões de reais na base da pirâmide de consumo, aumentar a formalidade da economia e reduzir a desigualdade.
Para as empresas, encará-lo apenas como uma política governamental distante é um erro. Ele é um novo e poderoso fator de mercado que irá influenciar o comportamento do consumidor, exigir adaptações tecnológicas e criar novos riscos e oportunidades reputacionais. Preparar-se para a "era do cashback" é entender que a responsabilidade social e a eficiência operacional nunca estiveram tão intimamente ligadas ao sucesso do negócio.


