Sentenças arbitrais homologatórias de acordo: Ferramenta de segurança jurídica e de pacificação de conflitos
A sentença arbitral homologatória de acordo reforça a segurança jurídica e a eficácia da arbitragem ao formalizar consensos com força executiva e valor internacional.
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado às 13:17
1. Introdução
A arbitragem tem se consolidado como um dos principais mecanismos de resolução de disputas no Brasil e no cenário internacional, especialmente em conflitos de natureza contratual e empresarial. No contexto da judicialização dos conflitos, a possibilidade de autocomposição entre as partes representa não somente relevante instrumento de eficiência e economia processual, mas também ferramenta importante para a segurança jurídica para as partes envolvidas. Quando essa autocomposição é formalizada por meio de uma sentença arbitral, tem-se a chamada sentença arbitral homologatória de acordo, instituto que suscita relevantes discussões quanto à sua natureza jurídica, seus efeitos e sua compatibilidade com os princípios fundamentais do processo.
Tradicionalmente, parte da doutrina brasileira sustentava que a sentença homologatória de acordo teria natureza meramente administrativa, por se tratar de jurisdição voluntária e não envolver, em tese, um litígio propriamente dito. Essa visão, contudo, tem sido superada à luz da evolução legislativa e jurisprudencial, especialmente com a entrada em vigor do CPC de 2015, que prevê expressamente a homologação judicial de autocomposição extrajudicial (art. 725, VIII1), o reconhecimento da sentença homologatória de autocomposição como título executivo judicia, mesmo quando tenham objeto e sujeitos estranhos ao litígio (art. 515, III e § 2º)2 e a produção de coisa julgada material nas hipóteses de extinção do processo por acordo (art. 487, III, b3).
Assim, a compatibilidade dessa espécie de procedimento de jurisdição voluntária é evidente, pois a moderna doutrina defendida especialmente por Fredie Didier, ensina que hoje várias portas podem oferecer idênticos ou similares instrumentos de solução de problemas jurídicos, que por adequação e eficiência, são escolhidos pelas partes, desde que não haja vedação legal: "A redundância está presente no sistema brasileiro de justiça multiportas, o que não é uma distorção, mas uma vantagem. A concorrência de portas que oferecem modos similares de solução de problemas jurídicos amplia aos interessados as vias de acesso à justiça e permite a escolha daquela que se revele mais apropriada às circunstâncias específicas do caso"4.
No plano internacional, a sentença arbitral homologatória de acordo é amplamente reconhecida como uma sentença arbitral válida e eficaz, inclusive para fins de execução nos termos da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, também conhecida como Convenção de Nova Iorque de 1958. Decisões recentes nos Estados Unidos reforçam a tese de que a sentença arbitral homologatória de acordo possui a mesma força executiva de uma sentença arbitral proferida após instrução completa5.
No Brasil, a doutrina majoritária6 e a jurisprudência têm reconhecido a natureza jurisdicional da sentença arbitral homologatória de acordo, com todos os seus efeitos, inclusive a formação de coisa julgada material. Afinal, a sentença arbitral, mesmo quando fundada em acordo, deve observar os princípios do devido processo legal, da imparcialidade e da autonomia da vontade, o que legitima sua equiparação à sentença judicial para todos os fins legais7.
Para as partes envolvidas, a homologação de um acordo por meio da arbitragem oferece maior segurança jurídica, certeza e formalidade, atributos cruciais em disputas complexas e de alto valor. Este artigo se propõe a analisar a natureza jurídica, os efeitos e os desafios práticos da sentença arbitral homologatória de acordo.
2. A natureza jurídica da sentença arbitral homologatória de acordo
A arbitragem é uma expressão da autonomia privada, onde as partes escolhem o procedimento, os julgadores e o direito aplicável. Essa liberdade tem como limites a ordem pública e princípios como o contraditório e a imparcialidade. A sentença homologatória sintetiza essa autonomia com a função jurisdicional do árbitro, que não apenas formaliza o acordo, mas também assegura sua validade, exequibilidade e compatibilidade com a lei e a convenção de arbitragem.
A sentença arbitral que homologa um acordo é uma figura cada vez mais comum no Brasil e é consolidada no direito internacional. Embora seja fruto de um consenso entre as partes, essa decisão é, para todos os efeitos, uma sentença arbitral. Isso significa que ela possui todos os efeitos legais, como a executividade e a coisa julgada material. A validade dessas sentenças é reconhecida internacionalmente, e a jurisprudência, como a dos Estados Unidos, as considera válidas sob a Convenção de Nova Iorque de 1958.
No caso Transocean Offshore Gulf of Guinea VII Ltd. v. Erin Energy Corp., por exemplo, o tribunal distrital texano rejeitou a alegação de que a sentença arbitral por acordo não seria passível de execução sob a Convenção, afirmando que não há exigência de que a decisão reflita conclusões autônomas do tribunal arbitral, sendo suficiente que derive de um acordo válido entre as partes e seja formalmente emitida pelo tribunal8.
A mesma lógica foi adotada no precedente Albtelecom SH.A v. UNIFI Communications, Inc., em que o tribunal entendeu que a sentença arbitral proferida com base em acordo celebrado no curso do procedimento é indistinguível, para fins legais, de qualquer outra sentença arbitral. Ambas as decisões reforçam a ideia de que a autocomposição no âmbito da arbitragem não compromete a natureza jurisdicional da decisão arbitral, tampouco sua executividade internacional.9
A doutrina internacional também reconhece que a sentença homologatória deve observar os requisitos formais de uma sentença arbitral, como a manifestação expressa do tribunal, a forma escrita e a assinatura dos árbitros. Como destaca Laura Kaster, a adoção de procedimentos adequados é essencial para evitar questionamentos futuros quanto à validade da decisão10.
A doutrina brasileira reconhece que a arbitragem, embora de origem contratual, está inserida no campo da jurisdição. Afinal, por força dos arts. 1711, 1812, 20, §2º13 e 3114 da lei de arbitragem, o procedimento arbitral deve observar os princípios do devido processo legal, aplicando-se lhe os conceitos e garantias da teoria geral do processo. Assim, mesmo quando fundada em acordo, a sentença arbitral deve ser compreendida como manifestação jurisdicional plena, apta a produzir coisa julgada material e a vincular as partes.
No Brasil, a lei de arbitragem (lei 9.307/1996) trata de forma expressa da sentença arbitral homologatória de acordo apenas em seu art. 28, de forma limitada a acordos alcançados pelas partes "no decurso da arbitragem". No entanto, a sentença arbitral homologatória de acordo é considerada uma decisão de mérito, nos termos do art. 487, III, b, do CPC, e produz coisa julgada material.
Nesse sentido, podem as partes, buscando a segurança jurídica de um título executivo judicial, pleitear seja proferida uma sentença arbitral que homologue o acordo por elas alcançado. Nesse cenário, caso não seja cumprida espontaneamente, a sentença arbitral homologatória de acordo pode ser objeto de cumprimento de sentença judicial, nos termos dos arts. 513 e seguintes do CPC. Também nesse cenário, estarão limitadas as matérias passíveis de serem arguidas como defesa pela parte executada, conforme art. 525 do CPC.
A homologação de acordos no âmbito da arbitragem, portanto, não apenas é compatível com a lógica do processo arbitral, como também reforça sua vocação para a solução eficiente e consensual de litígios. A sentença homologatória representa, nesse sentido, uma síntese entre a autonomia privada e a função jurisdicional, conferindo segurança jurídica e executividade ao acordo celebrado.
3. Questões práticas relacionadas à sentença arbitral homologatória de acordo
Quando duas (ou mais) partes se propõem a negociar um acordo para encerrar disputas que, geralmente, são submetidas a arbitragem, a situação exige sempre muita atenção dos envolvidos, dispêndio de tempo, uso de recursos financeiros e humanos. Trata-se, enfim, da possibilidade de colocar fim a disputas que, com alto grau de frequência, envolvem relevante valor econômico e, por vezes, questões comercialmente sensíveis e do business das empresas.
Afinal, um acordo tende a permitir que as partes mantenham um controle maior sobre o resultado da disputa, o que, não raramente, assegura (ou facilita) a preservação das relações comerciais e evita o desgaste de um julgamento adversarial. Além disso, uma negociação de acordo para encerrar uma disputa permite às partes se valer de soluções mais criativas ou técnicas, adaptadas à realidade do negócio das partes, o que, por vezes, poderia ser negligenciado em uma sentença arbitral.
Para tanto, a sentença arbitral homologatória se apresenta como ferramenta eficaz e adequada para permitir às partes a flexibilidade necessária para o encerramento da disputa, ao mesmo tempo em que lhes garante previsibilidade e segurança jurídica.
Para além de sua força executiva de sentença judicial, nos termos do CPC, e de sua exequibilidade internacional, nos termos da Convenção de Nova Iorque de 1958, estando a sentença arbitral homologatória de acordo sujeita a um conjunto de regras institucionais que prevejam que o procedimento para tanto será confidencial - ou, ainda, se as partes tiverem acordado que o procedimento será confidencial -, tal sentença e, portanto, os termos do acordo estarão sujeitos à confidencialidade, ao contrário do que aconteceria, via de regra, em uma homologação judicial de acordo.
Algumas cautelas, porém, são necessárias e devem ser levadas em consideração pelas partes e pelos árbitros no momento de homologar um acordo.
Como se sabe, a atuação homologatória do árbitro estará restrita aos limites da convenção de arbitragem celebrada entre as partes. Dessa forma, diferentemente do juiz togado, que pode de forma livre conhecer livremente de acordos e homologá-los (desde que dentro de sua competência material e institucional), o árbitro estará vinculado aos limites objetivos e subjetivos da convenção de arbitragem, que assegura a sua jurisdição. Dessa forma, envolvendo o acordo matérias ou mesmo terceiros não sujeitos à convenção de arbitragem, deverá o arbitro determinar o aditamento da convenção de arbitragem ou que o terceiro manifeste sua concordância com o tribunal arbitral constituído.
Outro elemento que merece a atenção das partes e do tribunal arbitral é a apuração de vícios formais ou de existência de irregularidades, ilegalidade ou simulação. No que se refere aos vícios formais, o tribunal arbitral deverá apurar se as partes estão corretamente representadas e se os signatários do acordo têm poderes para transigir. No que se refere ao conteúdo da transação, apurando se o procedimento de homologação de sentença arbitral representa, na verdade, simulação, ou se tem por objetivo perquirir objeto ilícito ou irregular.
Dessa forma, conforme exemplifica Carlos Alberto Carmona: "os árbitros não poderão autenticar, por exemplo, um acordo que determine pagamentos 'in cash' em conta de terceiros para evitar a incidência de tributos (ou para escamotear receitas), muito menos emprestar seu aval a uma avença que claramente objetive concretizar a transferência de patrimônio para prejudicar credores"15.
Essas cautelas, evidentemente, buscam evitar situações excepcionais, dispondo os árbitros dos poderes necessários tanto para perquirir as partes a respeito do conteúdo do acordo que se pretende homologar, quanto para, em última instância, recusar a homologação do acordo, caso constatem alguma irregularidade.
Nesse cenário, ganha relevância a elaboração de regulamentos específicos para procedimentos arbitrais de homologação de acordos, a partir dos quais as instituições de arbitragem poderão detalhar e delinear as regras procedimentais para assegurar a verificação da regularidade formal e material de acordos. Com isso, permite-se harmonizar os benefícios da flexibilidade, previsibilidade e segurança jurídica ao celebrar o acordo com os princípios do devido processo legal, da imparcialidade e da autonomia da vontade e, ainda, a garantia da higidez e da legalidade na atuação arbitral.
Assim, parece ser inafastável a real independência do tribunal arbitral, não apenas com a verificação de eventual conflito, mas, sobretudo, com sua nomeação pela Câmara Arbitral escolhida pelas partes, sendo desaconselhável o uso de arbitragem ad hoc, sob pena de enfraquecer sua higidez. Também se entende aconselhável a realização de uma audiência para apresentação do caso pelas partes, onde o árbitro poderá perquirir, com mais eficiência, a real intenção das partes na transação cuja homologação se pretende.
4. Conclusão
A sentença arbitral homologatória de acordo é ferramenta eficaz de pacificação de conflitos, conciliando a autonomia das partes com a função jurisdicional do árbitro. Sua natureza jurídica é indiscutivelmente jurisdicional, seus efeitos são equivalentes aos de qualquer sentença arbitral, e sua validade é amplamente reconhecida tanto no plano interno quanto internacional.
A homologação arbitral de acordos pode representar solução eficiente, econômica e estratégica para as partes envolvidas, sobretudo em litígios de alta complexidade e valor econômico relevante. Ao permitirem maior controle sobre o desfecho da controvérsia, tais acordos favorecem a preservação de relações comerciais e viabilizam soluções mais criativas, adequadas à realidade negocial. Nessa linha, a sentença arbitral homologatória de acordo surge como instrumento eficaz ao conjugar flexibilidade com segurança jurídica, tendo força executiva no Brasil e eficácia internacional nos termos da Convenção de Nova Iorque.
De outro lado, a homologação do acordo pelo tribunal arbitral exige atenção a limites e cautelas. O árbitro está vinculado à convenção de arbitragem, não podendo homologar acordos que envolvam matérias ou partes dela excluídas, salvo aditamento ou consentimento expresso. Deve ainda verificar a regular representação das partes e a licitude do conteúdo do acordo, recusando sua homologação diante de simulações ou práticas ilegais. Para mitigar riscos e reforçar a integridade do procedimento, recomenda-se que instituições arbitrais desenvolvam regulamentos próprios para a homologação de acordos, de modo a equilibrar flexibilidade e segurança com os princípios do devido processo legal e da autonomia da vontade.
A consolidação dessa ferramenta na prática arbitral brasileira reforça a maturidade do sistema e a confiança das partes na arbitragem como meio legítimo, eficiente e seguro de resolução de disputas. Ao permitir que acordos sejam formalizados com força de sentença, a arbitragem reafirma seu papel como instrumento de justiça consensual, célere e eficaz.
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1 Art. 725. Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o pedido de:
(...) VIII - homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor. Parágrafo único. As normas desta Seção aplicam-se, no que couber, aos procedimentos regulados nas seções seguintes.
2 Art. 515. São títulos executivos judiciais...
III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial;
§ 2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.
3 Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) III - homologar: (...) b) a transação.
4 DIDIER Jr, Fredie. Introdução à Justiça Multiportas: Sistema de solução de problemas jurídicos e o perfil do acesso à Justiça no Brasil, São Paulo: Editora Jus Podium, 2024, p 123.
5 KASTER, Laura A. Consent or Agreed Awards and the New York Convention-What Is the Status?, NYSBA New York Dispute Resolution Lawyer, Fall 2018, Vol. 11, No. 2, pp. 48-50.
6 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à lei n. 9.307/96, 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009, pp. 392-393.
7 WLADECK, Felipe Scripes. Meios de Controle Judicial da Sentença Arbitral Nacional, Dissertação de Mestrado, USP, 2013.
8 Transocean Offshore Gulf of Guinea VII Ltd. v. Erin Energy Corp., No. CV H-17-2623, 2018 WL 1251924, at *4 (S.D. Tex. Mar. 12, 2018).
9 Albtelecom Sh.A v. Unifi Communications, Inc., 2017 WL 2364365 (S.D.N.Y. May 30, 2017)-Enforcing Consent Awards Under the New York Convention, NY Dispute Resolution Lawyer (Vol 10 Fall 2017).
10 KASTER, Laura A. Consent or Agreed Awards and the New York Convention-What Is the Status?, NYSBA New York Dispute Resolution Lawyer, Fall 2018, Vol. 11, No. 2, p. 49.
11 Art. 17. Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.
12 Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou à homologação pelo Poder Judiciário.
13 Art. 20, 2º. A sentença arbitral deverá ser proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo será de 6 (seis) meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.
14 Art. 31. A sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
15 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à lei n. 9.307/96, 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009, pp. 394.
Mônica Naomi Murayama
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Mestre (LL.M.) em Direito Empresarial e Econômico Internacional pela Georgetown University. Mestre (LL.M.) em Arbitragem Transnacional e Resolução de Disputas pela Sciences Po. Diploma em Direito Internacional Público e Privado pela Hague Academy of International Law. Sócia de Lefosse Advogados.



