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A invocação incidental da inconstitucionalidade de lei reconhecida pelo STF após sentença condenatória (CPC, art. 525, § 15 e art. 535, § 8º)

STF firma tese vinculante sobre impugnação à execução com base em lei inconstitucional, garantindo segurança jurídica e coerência com a Constituição.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Atualizado em 8 de agosto de 2025 10:24

Introdução

Finalmente o STF definiu em tese vinculante de maneira útil e satisfatória, como interpretar, em conformidade com a CF/88, as disposições do CPC relativas à impugnação à execução de sentença fundada em lei declarada inconstitucional pela Suprema Corte. Isto se deu no curso da AR 2.876/DF, em caráter incidental (questão de ordem), e é sobre esse importante julgado que faremos breve análise a seguir. 

1. Inconstitucionalidade do título executivo judicial

Dispõe o § 1º do art. 525 do CPC que, na impugnação ao cumprimento de sentença relativa à prestação de quantia certa líquida, pode o executado arguir a inexigibilidade da obrigação; e o § 12 do mesmo artigo acrescenta que, para igual objetivo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

Igual disposição consta do inciso III e do § 5º, do art. 535, quanto à sentença que condena a Fazenda Pública a cumprir obrigação de quantia certa. 

A razão de ser de tais normas se justifica pela consequência do vício de inconstitucionalidade que resulta em nulidade plena da lei que afronta a Constituição. A mácula é tão grave que nem mesmo a coisa julgada a supera. Daí a permissão a que seja arguida como matéria de defesa em impugnação ao cumprimento de sentença transitada em julgado, a título de inexigibilidade da obrigação exequenda (CPC, arts. 525, § 12 e 535, § 5º).

O requisito legal para que essa matéria seja tratada em campo de impugnação ao cumprimento de sentença, é que a inconstitucionalidade tenha sido objeto de declaração por parte do STF, em controle concentrado ou difuso (CPC, arts. 525, § 12 e 535, § 5º).

2. O problema da inconstitucionalidade declarada pelo STF após o trânsito em julgado da sentença condenatória exequenda

O sistema originário do CPC fazia a seguinte distinção no sistema de defesa contra a condenação fundada em lei inconstitucional: (i) só permitia a arguição de inexigibilidade da obrigação, através de impugnação incidental à própria execução, quando a declaração de inconstitucionalidade da lei pelo STF constasse de julgamento anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda (CPC, arts. 525, § 14, e 535, § 7º); (ii) se a declaração de inconstitucionalidade do STF fosse posterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda, o caso teria de ser resolvido por meio de ação rescisória (CPC, art. 525, § 15). Tal ação, entretanto, teria seu prazo decadencial de propositura contado a partir do trânsito em julgado da decisão de inconstitucionalidade pronunciada pelo STF (CPC, arts. 525, § 15 e 535, § 8º).

Esse excessivo rigor no tratamento da arguição incidental da inexigibilidade da obrigação fundada em norma inconstitucional, praticamente reduzia a quase nada a utilidade da impugnação ao cumprimento de sentença, autorizada pelos arts. 525, § 12 e 535, § 5º, do CPC. Isto porque seria raríssima a situação em que uma sentença condenatória transitasse em julgado com base em lei anteriormente declarada inconstitucional. Por sua vez, a remessa da hipótese à solução em ação rescisória seria inconveniente e incompatível com o princípio da economia processual e com a garantia fundamental de eficiência do processo justo. 

Foi assim que o STF enfrentou a questão, enquadrando-a no plano da inconstitucionalidade (AR 2.876 QO/DF).

3. A inconstitucionalidade do art. 525, § 14 e do art. 535, § 7, do CPC

Os dispositivos do CPC que só admitiam a arguição de inexigibilidade da obrigação por meio de impugnação ao cumprimento de sentença, quando a declaração de inconstitucionalidade pelo STF fosse anterior à decisão exequenda, foram incidentalmente qualificados como inconstitucionais, conforme recente julgamento do STJ de Questão de Ordem levantada na AR 2.875/DF. Restou, assim, fixada a tese:

"O § 15 do art. 525e o § 8º do art. 5352 do Código de Processo Civil devem ser interpretados conforme à Constituição, com efeitos ex nunc, no seguinte sentido, com a declaração incidental de inconstitucionalidade do § 14 do art. 5253 e do § 7º do art. 5354: 1... 2.... 3. O interessado poderá apresentar a arguição de inexigibilidade do título executivo judicial amparado em norma jurídica ou interpretação jurisdicional considerada inconstitucional pelo STF, seja a decisão do STF anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, salvo preclusão (Código de Processo Civil, arts. 525, caput, e 535, caput)"5 (g.n.).

Desaparece, de tal sorte, a restrição que limitava a impugnação incidental apenas à hipótese de declaração de inconstitucionalidade do STJ anterior à sentença exequenda.

4. O remédio processual adequado para arguição da defesa prevista nos arts. 525, § 12 e 535, § 5º, do CPC

De acordo com a interpretação do STF, a via normal para se defender contra o cumprimento de sentença fundada em norma inconstitucional é a impugnação prevista nos arts. 525, § 12 e 535, § 5º, do CPC, salvo preclusão.

A ressalva da tese relacionada à preclusão se justifica com a remissão ao caput dos referidos dispositivos, cujos enunciados estipulam prazos preclusivos para que o devedor produza no processo a competente impugnação ao pedido de execução da sentença6.

O regime executivo em análise, após a tese fixada pelo STF na AR 2.876 QO/DF, pode ser assim esquematizado, no tocante a defesa do executado: 

a) a impugnação nos próprios autos, autorizada pelos arts. 525, § 12 e 535, § 5º, do CPC, deve fundar-se em declaração de inconstitucionalidade pronunciada pelo STF, seja esta anterior ou posterior à sentença exequenda; desde, porém que a manifestação defensiva ocorra dentro do prazo preclusivo estabelecido para o devedor impugnar a execução de sentença (15 ou 30 dias, conforme se enquadres nos arts. 525, caput, ou 535, caput, isto é, devedor comum ou Fazenda Pública, respectivamente);

b) não sendo possível a impugnação incidental - por ter sido a declaração de inconstitucionalidade do STF posterior não só ao trânsito em julgado da sentença, mas também à extinção do prazo preclusivo de impugnação nos próprios autos -, remanescerá cabível o acesso à ação rescisória, até dois anos após o trânsito em julgado da decisão do STF (prazo decadencial)7. Destaque-se: esse prazo deverá ser contado, segundo a tese do STF, a partir da decisão declaratória de inconstitucionalidade e não do trânsito em julgado da decisão rescindenda. Estabeleceu-se, portanto, uma regra especial, diferente da regra geral do art. 975, do CPC8 e que, de outra certa, se aproxima daquela estabelecida para a rescisória fundada em prova nova, obtida posteriormente ao trânsito em julgado da sentença rescindenda (CPC, art. 966, VII)9

5. Modulação dos efeitos do julgamento do STF

A propósito da tese de inconstitucionalidade firmada na AR 2.876 QO/DF, o STF nela inseriu duas disposições pertinentes à possível modulação de efeitos da declaração de que o § 15 do art. 525 e o § 8º, do art. 535 do CPC devem ser interpretados conforme a Constituição com efeitos ex nunc, em regra, mas com os seguintes destaques:

"1. Em cada caso, o Supremo Tribunal Federal poderá definir os efeitos temporais de seus precedentes vinculantes e sua repercussão sobre a coisa julgada, estabelecendo inclusive a extensão da retroação para fins da ação rescisória ou mesmo o seu não cabimento diante do grave risco de lesão à segurança jurídica ou ao interesse social

2. Na ausência de manifestação expressa, os efeitos retroativos de eventual rescisão não excederão cinco anos da data do ajuizamento da ação rescisória, a qual deverá ser proposta no prazo decadencial de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão do STF" (g.n.).

6. Conclusões

Extrai-se da AR 2.876 QO/DF o seguinte resumo relativo à ação rescisória nela cogitada:

  1. Com base no poder de modulação eficacial, os efeitos temporais das decisões do STF e o prazo para o ajuizamento de ação rescisória, na espécie, podem ser definidos caso a caso pela Suprema Corte e, em hipóteses de grave risco de lesão à segurança jurídica ou ao interesse social, é possível até mesmo estabelecer o não cabimento da ação;
  2. Essas prerrogativas objetivam equilibrar a necessidade de corrigir decisões baseadas em fundamentos que o próprio Tribunal declarou inconstitucionais com o princípio da segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas já consolidadas pela coisa julgada;
  3. Ademais, quando a Suprema Corte não definir, de forma expressa, a partir de quando seus precedentes vinculantes devem valer no tempo, a eficácia retroativa para fins de propositura de ação rescisória fica limitada ao período de até cinco anos anteriores à data de seu ajuizamento, observando-se, em todo caso, o prazo decadencial de dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão do STF que fundamenta o pedido rescisório;
  4. dois, portanto, são os prazos explicitados: (i) dois anos para propor a rescisória, após o trânsito em julgado da declaração de inconstitucionalidade pelo STF; e (ii) cinco anos a contar do ajuizamento da rescisória, para definir o alcance retroativo dos efeitos da rescisão.

_______________________

1 "Art. 525, § 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal".

2 "Art. 535, § 8º. Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal".

3 "Art. 525, § 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda".

4 "Art. 535, § 7º. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5º deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda".

5 STF, Pleno, AR 2.876 QO/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, ac. 23.04.2025.

6 CPC: "Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação". "Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução..."

7 STF, Tese, item 2, firmada na AR 2.876/DF cit.

8 CPC: "Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo".

9 CPC: "Art. 975. § 2º: Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo".

Humberto Theodoro Júnior

Humberto Theodoro Júnior

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro (Uberaba/MG). Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

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