A nova régua da competência jurídica: Entre a técnica, gestão, inovação e o invisível na advocacia
A técnica é essencial no Direito, mas somente ela é suficiente? Gestão jurídica, inovação e Legal Ops são chaves para uma advocacia moderna, eficiente e estratégica.
sexta-feira, 8 de agosto de 2025
Atualizado às 07:38
Como se mede a competência de um advogado? Essa pergunta, que, à primeira vista, pode parecer simples, guarda uma complexidade profunda. A métrica histórica, qual seja, o domínio técnico da lei e da doutrina, já não respondem, sozinhos, às exigências do mercado atual. Desafios jurídicos tornaram-se mais dinâmicos, dados se multiplicaram, orçamentos são constantemente reduzidos e a automação redefine antigas formas de trabalho, ao mesmo tempo que otimiza tempo.
As qualidades técnicas, sem dúvida, sustentam a prática jurídica. Doutrina sólida, jurisprudência atualizada, peças bem estruturadas e argumentos persuasivos continuam inegociáveis. Contudo, à medida que o Direito se torna mais dinâmico e começa a ser integrado a sistemas complexos, além de constantemente desafiado por demandas crescentes de escala e eficiência, surge uma nova dimensão de competência, que, embora menos visível, é igualmente determinante: a competência em gestão jurídica.
Nela, estão presentes os profissionais que constroem os alicerces silenciosos do jurídico. Aqueles que organizam fluxos, redesenham processos, automatizam tarefas repetitivas, estruturam dados, monitoram indicadores e promovem a integração entre sistemas e áreas.
Advogados que atuam com visão estratégica, tornando possível que a técnica aconteça com fluidez, consistência e previsibilidade. Essa atuação não substitui a técnica, ao contrário, ambas são parte de uma mesma engrenagem. Assim como uma tese bem construída precisa de fundamento jurídico, ela também precisa de um ambiente capaz de sustentá-la: informações organizadas, prazos geridos com precisão, acesso rápido a dados e uma operação bem estruturada.
Nesse sentido, é possível dizer que o advogado contemporâneo precisa compreender indicadores estratégicos, gestão de projetos, tecnologia, experiência do cliente e inovação.
A primeira pesquisa de Legal Ops no Brasil, da Fundação Getúlio Vargas, em 2025, ouviu 30 escritórios, 44 departamentos e 17 lawtechs. Ela mostra que 44 organizações já possuem área formal de Legal Ops, enquanto outras 38 mantêm funções equivalentes sem estrutura dedicada, cuja formação se deu, principalmente, buscando a otimização de recursos e eficiência, automação de processos e transformação digital.
Gerir processos jurídicos não é, de forma alguma, apenas uma tarefa administrativa, muito menos destinada exclusivamente a coordenadores e coordenadoras, mas, sim, uma competência essencial que fortalece diretamente a qualidade técnica das entregas jurídicas.
A inovação também é fundamental nesta nova competência. Legal Design, Visual Law e o uso estratégico da tecnologia aumentam a eficiência da comunicação, aprimorando a compreensão de textos jurídicos.
O artigo Visual Persuasion for Lawyers, publicado na revista da Faculdade de Direito de Stanford, descreve a crescente centralidade de fotografias, vídeos, gráficos, animações e interfaces de realidade aumentada na construção de fatos jurídicos, na persuasão em tribunais e na formação de futuros profissionais.
No Brasil, convém destacar que o CNJ estabeleceu a Meta CNJ de Inovação, que incentiva o uso de Visual Law nos tribunais. Algumas práticas já foram mapeadas, especialmente nos eixos de linguagem simples e acessibilidade, com destaque para a recomendação CNJ 144/23, que orienta os tribunais e conselhos a adotarem linguagem simples, clara e acessível, utilizando, sempre que possível, elementos visuais que facilitem a compreensão da informação.
Entretanto, uma dimensão talvez possua uma tendência a ser menos pragmática: àquela relacionada às habilidades interpessoais e adaptativas. Gestão e inovação exigem, de forma inequívoca, comunicação assertiva, liderança de equipes multidisciplinares, flexibilidade diante de cenários complexos e visão estratégica para antecipar demandas futuras. São competências intangíveis, porém, claramente refletidas nos resultados e satisfação das equipes e clientes.
Segundo estudo da Thomson Reuters, de 2024, que reforça a tese de que a competência do advogado contemporâneo vai além da técnica para incluir gestão jurídica e Legal Ops, 75% classificam "usar tecnologia para simplificar fluxos" como prioridade alta, contudo, apenas 66% acompanham gasto total por escritório e somente 26% medem o ciclo de vida do processo.
Essa nova régua jurídica necessária, da qual estamos falando, deve não apenas medir, mas, também, estimular, de forma continuada, a evolução dos advogados. Isso significa adotar indicadores multidimensionais que abrangem desde a capacidade técnica e eficácia operacional até habilidades interpessoais e inovação.
Cabe ainda dizer que a era digital trouxe novos desafios e oportunidades que não podem ser ignorados pelo profissional do Direito. A democratização da IA - Inteligência Artificial têm revolucionado práticas jurídicas tradicionais. Essas ferramentas permitem que os profissionais façam análises jurídicas complexas em uma fração do tempo que costumava ser feita, aumentando drasticamente a eficiência operacional.
Ao mesmo tempo, essa revolução tecnológica padece, também, de uma transformação cultural dentro das organizações jurídicas. Advogados e advogadas precisam estar abertos para aprender continuamente e adaptarem-se rapidamente às novas ferramentas digitais.
Além disso, aspectos éticos relacionados ao uso dessas tecnologias devem ser considerados. A automação e o uso de inteligência artificial exigem uma compreensão aprofundada sobre questões de proteção de dados pessoais. Assim, a nova régua da competência jurídica exige, ainda, profissionais capacitados para lidar com os desafios éticos emergentes, garantindo a utilização responsável e transparente das novas tecnologias.
Em síntese, a advocacia contemporânea é composta por diferentes perfis de profissionais, cada um com suas contribuições essenciais. O advogado de perfil técnico permanece indispensável à excelência jurídica, ao passo que, aqueles voltados à gestão, inovação e tecnologia, ampliam a capacidade de adaptação e resposta às novas demandas do mercado. Assim, a força dos escritórios e departamentos jurídicos reside justamente na soma dessa diversidade de competências, que, juntas, se potencializam mutuamente para responder aos desafios de um cenário cada vez mais complexo e dinâmico.
Não se trata, aqui, de escolher entre técnica e gestão. Trata-se, apenas, de enxergar como ambas se complementam e como a excelência na advocacia passa pela harmonização desses dois pilares.
Talvez a régua que utilizamos hoje ainda não consiga medir plenamente essas competências mais silenciosas. Mas há um fato irrefutável: sua presença é cada vez mais sentida. Escritórios e departamentos jurídicos que as reconhecem ganham não só em eficiência, mas, também, em inteligência, capacidade de adaptação, e, principalmente, em geração de valor, não só para o escritório, mas especialmente para os clientes.
Mais que tendência passageira, trata-se, portanto, de uma mudança estrutural, irreversível e inevitável. A régua da competência jurídica está sendo reformulada para medir com precisão e abrangência qualidades essenciais na advocacia atual. Advogados e advogadas que compreenderem rapidamente essa mudança, estarão aptos a se adaptar ao mercado, e, principalmente, preparados para liderá-lo.
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Referências
FGV DIREITO SP. Panorama do Legal Operations no Brasil: Relatório completo. Coord. Paula Camelo. São Paulo: FGV Direito SP, 2025.
SASSOUBRE, Ticien Marie. Visual persuasion for lawyers. Journal of Legal Education, v.68, n.1, p.?82-91, 2018.
THOMSON REUTERS INSTITUTE. 2024 Legal Department Operations Index-Gaining efficiency & streamlining workflows. Minneapolis: Thomson Reuters, 2024.
Luan Henrique de Melo Vilaça Dornelas
Advogado e Designer Gráfico. Possui experiência consolidada em Gestão Jurídica, com foco em inovação, automação de fluxos e aprimoramento da experiência do usuário por meio de Legal Design e Visual Law. Atua no Contencioso Cível Empresarial e na Equipe de Gestão Jurídica do Escritório Rolim Goulart Cardoso Advogados.


