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Comentários do prof. José Ignacio Botelho de Mesquita aos mandamentos do advogado de Eduardo Couture

A advocacia exige estudo contínuo, pensamento crítico, trabalho leal e luta incansável pela justiça, com paciência, fé e respeito à liberdade.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Atualizado em 8 de agosto de 2025 14:15

1º Estuda - O Direito está em constante transformação. Se não o acompanhas, serás cada dia menos advogado.

Daqui podemos tirar dois conceitos. O primeiro é que é necessário o estudo. E o segundo é que é necessária a atualização.

Eu não saberia dizer se o aluno sai da faculdade atualizado. Pelo menos desta faculdade, eu acredito que sim. Quanto ao estudo do processo, ele começa muito cedo, no segundo ano. Assim, as alterações acabam sendo passadas, vocês acabam tendo conhecimento. Isto aconteceu aqui no nosso curso. Mas esta alteração é momentânea. Aqui vocês saem com uma visão diferente da dos advogados formados há 5 ou 10 anos. Vocês são mais atualizados que eles. Muitos alunos procuram voltar à escola para cursos de pós-graduação, seja pós-graduação lato sensu ou stricto sensu, para fazer cursos aqui ou em outras escolas. Eu digo que acho que este não é o caminho do estudo do advogado. Ele não terá tempo para o estudo sistemático. Isto entra em confronto com o tempo, com os casos, com o tempo para se manifestar nos processos. Eu digo isto, mas não em relação àqueles que seguirão o magistério superior, estes deverão arrumar tempo. Em cada caso, deve haver um estímulo para o estudo, aproveite aquele caso para estudar um pouco. É a soma destes estudos que possibilitarão ao advogado uma formação mais ampla.

2º Pensa - O Direito se aprende estudando; porém, se pratica pensando.

Baseado naquela frase latina cuja tradução é "do fato nasce o direito", o fato é um facho de luz iluminando as questões jurídicas. Nós sabemos que estamos no caminho certo quando, numa determinada hora do nosso relógio, conseguimos encontrar um fato que vai nos iluminar. O fato é um farol, iluminando o direito permanentemente. É sempre assim, é como se os senhores passassem grande parte do dia contemplando a natureza, o Sol vai nos mostrar, a cada momento, um detalhe diferente da natureza. O fato é assim, iluminando o direito. Vale uma reflexão: os senhores sabem que sabem pouco do direito e terão medo dos seus adversários. Vocês terão medo da falta de conhecimento jurídico, mas não subestimem a sua consciência de que não sabem. Os fatos, os senhores podem e devem conhecer, devem investigar seus detalhes, seus desdobramentos, sentir os fatos, conhecendo-os, e isto terá um extraordinário peso no processo, porque a sentença (que tem o mesmo radical latino de "sentir", de "sentimento") ela será ditada pelo conhecimento dos fatos. O juiz, de certo modo, age como o advogado, ele chegará a uma conclusão e explicará esta conclusão.

A questão de direito tem um peso muito grande, mas não basta a ciência, é preciso sensibilidade no sentido da justiça dos fatos.

3º Trabalha - A advocacia é uma fatigante e árdua atividade posta a serviço da justiça.

É árdua porque é cheia de imprevistos. Há aqui também uma velha frase latina cuja tradução é "cada lide tem a sua estrela, quando a sorte nos sorri, ela nos entusiasma". Mas o fato essencial é este: "cada lide tem sua estrela", porque o litígio tem vida própria, ele pulsa. E realmente é assim. Tem outros aspectos que este mandamento me evoca. Um deles é que lutamos para encontrar a justiça. E para encontrar a justiça é preciso ser leal. É preciso acreditar na justiça, é preciso acreditar que ela será feita e ela se mostrará para vocês. Vocês vão encontrar advogados mais fortes que vocês, as chamadas "estrelas do fórum", não tenham medo nunca! Acreditem na sua capacidade de encontrar o caminho da justiça. Não se impressionem com a eloquência dos velhos advogados, nem dos advogados poderosos, sejam simples. A sua profissão de advogado é de convencer. Observem como, na vida prática, quando estão com amigos, com colaboradores, em negócios, com pessoas do seu cotidiano, como vocês querem convencê-los, quando vocês querem convencer alguém de algo.

Procurem ser simples. Procurem um argumento válido, é com isto que vocês irão enfrentar os velhos advogados. O juiz, na sentença, procurará a via de menor resistência. Ele não vai se impressionar com argumentos rebuscados, ainda que cientificamente pomposos. O juiz tenderá à via mais sensata, mais razoável. Não impressionem o juiz, não agradem o juiz, a experiência comprova isto: se o juiz tece algum elogio a um advogado numa sentença, é, para, logo em seguida, dizer que este advogado não tem razão. Ele não elogia o advogado que ganha o caso, ele simplesmente dá razão a ele. Sejam simples.

4º Luta - Teu dever é lutar pelo direito; porém, quando encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça.

A primeira parte é "lutar pelo direito" e não esmorecer nunca, não só não temer os efeitos e aguentar enquanto o direito permitir, lutem. Não esmoreçam. Se houver um recurso que possam usar, usem. Lutem até o fim.

A segunda parte pode acontecer em algumas circunstâncias. A primeira é vocês verem o país atravessar uma situação ditatorial, quando as leis não exprimam a vontade do povo, mas de um tirano. Este direito não tem força porque ele não reflete o povo. Nele, não se reconhece o povo. Lutem pela justiça contra este direito.

Ou, então, pode haver o caso de vocês viverem num país democrata, mas, nele, o direito está contra a justiça. Se vocês estiverem lutando pela justiça, tenho certeza de que estarão lutando pelo direito.

5º Sê leal - Leal para com teu cliente, a quem não deves abandonar a não ser que perceba que é indigno de teu patrocínio. Leal para com o adversário, ainda quando ele seja desleal contigo. Leal para com o juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que tu lhe dizes; e que, mesmo quanto ao direito, às vezes tem de confiar no que tu lhe invocas.

Primeiro, o cliente. Curiosa é a escolha do advogado pelo cliente. É comum o advogado ser escolhido pela sua fama de brigador, capaz de usar qualquer recurso pelo cliente, os que se pode usar e os que não se pode. É comum procurar-se no advogado uma pessoa desonesta, o sagaz, o ágil, o esperto, o mais vivo. Não estranhem se o cliente os procurar assim. É comum, devido à fama que os advogados possuem.

É importante que os senhores sejam independentes em relação ao cliente. Sabendo que o advogado não é instrumento para vingança, não é instrumento para castigo. Que o processo não é lugar para se dar lições a ninguém. O advogado deve ser um instrumento para a realização do direito. Ele tem que saber o que fazer em cada caso, ele não tem que fazer a vontade do cliente. Ele tem que usar o seu conhecimento e a sua sensibilidade para defender o cliente do modo que ele ache melhor.

Quanto a isso, os piores clientes são um velho advogado ou um juiz aposentado, que vêm procurar um advogado e dizem: "olha, eu tenho um caso, mas eu já estudei o caso e acho que, na minha opinião, você deve agir assim." Nunca se impressionem com isto. O advogado deve pensar com a sua cabeça, escrever o que acha que deve escrever, nada para agradar o cliente. Ele é um técnico, um artista, ele serve o cliente não da maneira que o cliente quer, mas da maneira que ele acha que o cliente deve ser servido. Ser leal com o cliente é isto.

E o adversário? O processo, senhores, é uma luta. Mas não é um duelo pessoal. Podem surgir atritos entre os advogados, mas entre o que se está discutindo no processo. Pode haver censura ao que ele disse; se ele mente, se ele deturpa um texto jurisprudencial ou doutrinário. Mas o processo não é um duelo em que vamos buscar um defeito pessoal do outro colega e fazer que, com isto, ele caia perante o juiz. Daí a necessidade de ser leal com o colega, ainda que ele não seja leal conosco. E, para isto, se deve ter um cuidado, sobretudo na audiência. Na audiência, a tensão é extrema. Posso dizer aos senhores que, mesmo com muitos anos de experiência, eu nunca vou para uma audiência ou para uma sustentação oral tranquilo. Eu sempre vou tenso e concentrado. E isto é importante e, por isto, o autocontrole é fundamental.

Não há nada mais que degrade o advogado e a causa perante o juiz do que a briga pessoal entre os dois advogados. Isto faz com que o juiz tenha uma péssima visão da causa que o advogado está defendendo e uma péssima visão de todos os advogados também.

E a relação com o juiz? Nós conhecemos o princípio de que o juiz deve conhecer o direito (iura novit curia). Não vamos exagerar. O juiz precisa da ajuda dos advogados, não só no campo dos fatos, como no campo do direito mesmo. O juiz precisa de ajuda, não precisa de ensino. Não queiram dar lições ao juiz, ainda que pareça que vocês saibam mais do que ele. O juiz precisa da colaboração, de elementos. Nós precisamos colaborar com ele neste sentido, mas nunca querer ensinar para o juiz.

Pode chegar um momento na sua vida profissional, em que vocês adquiram um conhecimento e uma notoriedade e que advogados venham pedir um parecer de vocês. Muito cuidado na hora de dar pareceres, muito cuidado. É conhecimento comum que os pareceres sempre são dados a favor daqueles que os pagam e que podem os mesmos ser combatidos por esta razão. Sejam claros e concretos, decidam se está certo aquele ponto de vista. Se não estiver certo o ponto de vista a ser defendido no parecer, o recusem e não cobrem nem a consulta. Deixem que procurem outro para dar aquele parecer, se for o caso. Nunca encontrem motivos para comprovar cientificamente algo de que vocês não estejam efetivamente convencidos. A força propulsora da evolução do direito está dentro de um escritório de advocacia e depende de você a evolução desta própria força.

Fala-se, também, da posição de igualdade perante os juízes. Isto é um princípio constitucional com o qual eu não concordo. O juiz está acima, ele dita o direito, ele impõe o direito. Do juiz, nasce o direito e, mais do que isto, nós não somos iguais. Só poderemos ser iguais se imaginarmos um dia em que os juízes e os advogados forem funcionários do Estado, a serviço do Estado, aí nós poderemos nos considerar iguais. Por isto, não os considero iguais, e, quando os vejo sentados em sua mesa, eu os vejo sentados numa mesa mais alta que a minha, e isto é real, isto corresponde à realidade. E esta diferença não deve interferir em nada. A grandeza do advogado é reconhecer qual a sua função e desempenhá-la de maneira igual a que se espera que seja desempenhada por um juiz. Não somos iguais.

6º Tolera - Tolera a verdade alheia, como gostarias que a tua fosse tolerada.

É preciso admitir que a verdade está do outro lado. Jocosamente se diz que, num processo, há dois advogados e um está certo e o outro está errado, assim, 50% dos advogados mentem. E, mais adiante, se um advogado pode defender causas em posições opostas, dentro de uma mesma situação, 100% dos advogados mentem. É lógico que não é assim. Nós temos que conhecer a verdade e temos que ser fiéis a ela. Em alguns momentos, pode ser extremamente difícil, pois, se dissermos a verdade, estaremos agindo contra o nosso cliente. Não é assim, nunca ninguém tem a razão inteira em processo algum. Nós poderemos apenas aspirar parte da razão. Em cada processo, vocês vão defender a razão que têm e não a que não têm, não há a necessidade disto. Nenhuma necessidade para que ganhem do litígio o que tem de errado. Vocês não têm que ganhar tudo, raramente isto vai acontecer, pode acontecer, mas é raro.

Para que a balança funcione, para que a justiça seja feita, é preciso um equilíbrio entre as forças parciais da balança. É preciso que estas forças estejam fortemente em cada lado e quanto mais elas se fizerem presentes em cada lado, mais a justiça estará funcionando. Não só as questões de direito, mas também as questões de fato deverão estar presentes. Quantas vezes neste curso vocês me viram dissentir da totalidade da doutrina? Discordar? Estas discordâncias tocam o processo. É importante que elas ocorram, o advogado deve atuar assim.

7º Tem paciência - O tempo vinga-se das coisas que se fazem sem sua colaboração.

A verdade aflora aos poucos (veritas filia temporis). É curioso, a verdade tem várias faces, os senhores estão me vendo de maneira diferente; os que estão do meu lado direito, diferente daqueles que estão do meu lado esquerdo, diferente dos que estão à minha frente, diferente se houvesse alguém atrás de mim. Mas eu sou um só. A verdade aflora aos poucos, seja a dos fatos, seja a do direito. É preciso ter paciência. É preciso caminhar no processo para que as provas mostrem a verdade, é importante observar nos processos o quanto a discussão se torna mais densa e mais sintetizada sobre o que efetivamente interessa, isto quando o processo passa por instâncias. Numa sustentação oral, você tem 15 minutos para se manifestar quando já gastou 20 páginas para a inicial, mais algumas para a réplica, 15 para a apelação e não sei quantas para as contrarrazões. No Tribunal, você só tem 15 minutos. A verdade aflora aos poucos.

8º Tem fé - Tem fé no direito como o melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como destino normal do direito; na paz, como substitutivo benevolente da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz.

Já disse que a liberdade é o bem supremo, que o processo é o instrumento da liberdade humana, o bem mais caro. Em qualquer causa em que você estará defendendo alguém, você estará defendendo a paz de alguém que está sendo oprimido, por menor e mais simples que o processo seja.

9º Esquece - A advocacia é uma luta de paixões. Se a cada batalha fores carregando tua alma de rancor, chegará o dia em que a vida será impossível para ti. Terminado o combate, esquece logo tanto a vitória quanto a derrota.

Este ponto se observa nas vestes do advogado e do juiz: a beca e a toga. Logo vocês estarão vestindo a sua beca pela primeira vez. A sua função é nos igualar, não se vê a roupa daqueles que estão as vestindo, não se vê se a roupa é rica ou não, ela nos iguala. Não se sabe se quem a veste é poderoso ou não, somos todos iguais quando usamos a longa veste. Nós nos dissolvemos para exercer nosso ministério. A paixão é o nosso motor, é o vento que sopra. O seu combate é o seu objetivo. O que deve criar é o argumento, não o argumentador. O advogado deve ser apaixonado na defesa de sua tese, na sua profissão, mas não se envolver nas suas paixões.

10º Ama a tua profissão - Procura considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que teu filho te peça conselho sobre seu futuro, consideres uma honra para ti aconselhá-lo que se torne advogado.

Considerar a advocacia desta maneira é importante. Não entrem num fórum, nos tribunais, carregados de suspeitas. Se entrarem assim, só terão decepções. Entrem lá como se entra na casa da Justiça.

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Observação: este não se trata de um texto escrito pelo Professor Emérito José Ignacio Botelho de Mesquita, mas sim de comentários orais feitos pelo professor na última aula do curso de graduação da Turma de 1998 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, que foram degravados, revistos e minimamente editados por Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo.

Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo

Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo

Advogado do escritório Huck, Otranto e Camargo Advogados Associados.

HUCK, OTRANTO E CAMARGO ADVOGADOS ASSOCIADOS HUCK, OTRANTO E CAMARGO ADVOGADOS ASSOCIADOS

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