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Responsabilidade civil de shopping centers por furto e danos

Análise da responsabilidade objetiva de shoppings por furtos ou danos a veículos, à luz do CDC, súmula 130 do STJ e jurisprudência recente, com critérios para indenização.

domingo, 31 de agosto de 2025

Atualizado em 29 de agosto de 2025 14:45

1. Introdução

A oferta de estacionamento por shopping centers, seja de forma gratuita ou onerosa, constitui prática consolidada no mercado de consumo, funcionando como fator de atração e comodidade ao cliente. No entanto, a crescente incidência de furtos e danos a veículos nesses locais tem ensejado questionamentos jurídicos sobre a extensão do dever de segurança do fornecedor e sobre os limites da responsabilidade civil.

O CDC (lei 8.078/1990), em seus arts. 14 e 51, estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor por defeitos na prestação de serviços, bem como a nulidade de cláusulas que atenuem ou excluam tal responsabilidade. O STJ, por sua vez, consolidou o entendimento na súmula 130, que impõe ao fornecedor o dever de indenizar por furtos ou danos ocorridos no estacionamento oferecido ao consumidor.

O presente estudo propõe-se a examinar os fundamentos legais, doutrinários e jurisprudenciais que sustentam essa responsabilidade, analisando hipóteses de exclusão, critérios indenizatórios e orientações práticas. Para tanto, emprega-se abordagem jurídico-científica, com suporte em precedentes recentes e na doutrina especializada.

2. Fundamentos jurídicos da responsabilidade civil no contexto de estacionamentos de shopping centers

2.1. CDC e responsabilidade objetiva

O art. 14 do CDC dispõe que o fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação do serviço. Nesse contexto, o estacionamento, mesmo gratuito, integra a cadeia de serviços ofertados, atraindo a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo dever de guarda e vigilância do bem confiado.

O art. 17 do CDC amplia a proteção às vítimas de eventos lesivos, reconhecendo como consumidores por equiparação aqueles que, embora não tenham contratado diretamente o serviço, sejam atingidos pelo defeito na prestação.

2.2. Súmula 130 do STJ

A súmula 130 do STJ dispõe: "A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento." Trata-se de enunciado que sintetiza a jurisprudência sobre o tema, reafirmando que a oferta do estacionamento cria legítima expectativa de segurança.

2.3. Nulidade das cláusulas de isenção

O art. 51, inciso I, do CDC, estabelece a nulidade de pleno direito das cláusulas que exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor. Assim, placas com dizeres como "não nos responsabilizamos por danos ou furtos" não possuem eficácia jurídica.

3. Jurisprudência recente (2023 - 2025)

3.1. TJ/SP - Tribunal de Justiça de São Paulo

A jurisprudência recente do TJ/SP tem reiterado a responsabilidade objetiva dos shopping centers, reconhecendo o dever de indenizar danos materiais e, em hipóteses específicas, danos morais, como no caso da apelação 1013144-81.2024.8.26.0196, que fixou indenização pelo aluguel de veículo substituto após furto.

3.2. STJ - Superior Tribunal de Justiça

No REsp 2.031.816/RJ (2023), o STJ reafirmou a solidariedade entre o shopping e a administradora do estacionamento em caso de roubo à mão armada na cancela de acesso, reconhecendo que o controle de entrada e saída amplia a responsabilidade pela segurança.

4. Critérios para indenização

4.1. Danos materiais

Incluem o valor de mercado do veículo (Tabela FIPE), custos de reparo, reposição de bens furtados e despesas emergenciais, como aluguel de automóvel.

4.2. Danos morais

São reconhecidos quando o evento extrapola o mero aborrecimento, afetando direitos da personalidade, como na hipótese de violência durante o ato ilícito ou conduta negligente reiterada do fornecedor.

5. Hipóteses de exclusão de responsabilidade

O fornecedor poderá se eximir da obrigação de indenizar apenas em casos de prova cabal de culpa exclusiva da vítima ou ocorrência de caso fortuito externo, hipóteses raramente aceitas pelos tribunais.

6. Aspectos práticos e preventivos

Para o consumidor, recomenda-se: (i) registro imediato de boletim de ocorrência; (ii) guarda de ticket, notas fiscais e demais comprovantes; (iii) solicitação de imagens de câmeras; (iv) documentação detalhada dos prejuízos.

Para o fornecedor, é essencial: (i) manutenção preventiva de equipamentos de segurança; (ii) treinamento da equipe; (iii) procedimentos claros de atendimento ao cliente em caso de incidentes.

7. Considerações finais

A responsabilidade civil dos shopping centers por furtos e danos a veículos em seus estacionamentos constitui aplicação direta dos princípios protetivos do CDC e da jurisprudência consolidada pelo STJ. A natureza objetiva dessa responsabilidade, a nulidade das cláusulas de isenção e o dever de vigilância configuram instrumentos essenciais à proteção do consumidor e à segurança jurídica.

A análise jurisprudencial demonstra que, embora a indenização por danos materiais seja regra, o reconhecimento de danos morais depende da gravidade da ofensa. A atuação preventiva, tanto do consumidor quanto do fornecedor, é fator determinante para a mitigação de riscos e a solução célere de conflitos.

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BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.º 130. Disponível em: https://www.stj.jus.br. Acesso em: 9 ago. 2025.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 2.031.816/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 14 fev. 2023.

SANTOS, Luiz Antonio; MIRAGEM, Bruno. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 14. ed. São Paulo: Método, 2024.

Paulo Vitor Faria da Encarnação

VIP Paulo Vitor Faria da Encarnação

Mestre em Direito Processual. UFES. [email protected]. Advogado. OAB/ES 33.819. Santos Faria Sociedade de Advogados.

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