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A portaria conjunta MDS/MPS/INSS 33/25 e a reavaliação biopsicossocial do BPC

Análise do BPC/LOAS: conceito de deficiência, avaliação biopsicossocial (portarias 2/15 e 33/25), reavaliação, telemedicina, prazos e recursos no CRPS. Guia jurídico prático.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Atualizado às 10:41

Introdução

O BPC - Benefício de Prestação Continuada integra a política pública não contributiva de assistência social e garante 1 (um) salário-mínimo mensal à pessoa idosa (65 anos ou mais) e à pessoa com deficiência que comprovem hipossuficiência econômica, nos termos do art. 20 da lei 8.742/1993 (LOAS) e do decreto 6.214/07, que regulamenta o benefício. Entre as regras de acesso, destacam-se: (i) comprovação da condição (idade ou deficiência, esta última com impedimento de longo prazo); (ii) avaliação socioeconômica para verificação da renda familiar per capita; e (iii) vedação de cumulação com outros benefícios no âmbito da seguridade social ou de outro regime, ressalvadas hipóteses legais específicas.

A LOAS adota, ainda, conceito de impedimento de longo prazo como aquele que produz efeitos por mínimo de 2 anos, e explicita que a pessoa com deficiência, para fins do BPC, é aquela com impedimento de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com barreiras, obstrui a participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

[...]

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

[...]

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste art., aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

Ainda é indispensável que o requerente esteja inscrito no CadÚnico - Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, com os dados atualizados. A inscrição e a atualização do CadÚnico são pré-requisitos para a análise do benefício, pois é por meio desse registro que o governo verifica a composição familiar e a renda per capita.

1. Deficiência e forma de análise para fins de BPC: a matriz técnico-normativa da portaria conjunta MDS/INSS 2/15

O conceito de deficiência, para fins de concessão do BPC - Benefício de Prestação Continuada, passou por evolução normativa em consonância com os parâmetros internacionais e com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Na atual moldura jurídico-positiva, a deficiência não se confunde com mera limitação intrínseca do indivíduo, sendo qualificada como o resultado da interação entre impedimentos de longo prazo - físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais - e barreiras de natureza atitudinal e ambiental que restringem a participação plena e efetiva da pessoa na vida em sociedade, em condições de igualdade

A portaria conjunta MDS/INSS 2, de 30/3/2015, estabeleceu os critérios, procedimentos e instrumentos para a avaliação da pessoa com deficiência requerente do BPC, consolidando um modelo biopsicossocial baseado na CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. O instrumento organiza a avaliação em três componentes: (i) Fatores Ambientais; (ii) Funções e Estruturas do Corpo; e (iii) Atividades e Participação. A avaliação social (Serviço Social/INSS) qualifica, sobretudo, Fatores Ambientais e parte de Atividades e Participação; a avaliação médica (Perícia Médica Federal) incide integralmente sobre Funções e Estruturas do Corpo e, parcialmente, sobre Atividades e Participação.

O desenho metodológico é detalhado em anexos técnicos (formulários e "conceitos e critérios"), com qualificadores de 0 a 4 que graduam o grau de alteração/limitação por domínio (de "nenhuma" a "completa"), compondo uma TCQ - Tabela Conclusiva de Qualificadores que orienta a decisão. Essa arquitetura reafirma a centralidade da interação entre impedimentos e barreiras, coerente com a definição legal e com a CIF.

Em síntese, a portaria conjunta 2/15: (a) bifurca a avaliação em médica e social; (b) emprega instrumento padronizado e informatizado; e (c) adota métrica graduada para mensurar limitações e restrições à participação, ancorada na CIF e na noção legal de impedimento de longo prazo.

2. Legalidade da reavaliação: natureza assistencial, revisibilidade e segurança jurídica

A reavaliação periódica do BPC detém base legal expressa no art. 21 da LOAS, que determina a revisão bienal para verificar a continuidade dos requisitos de manutenção do benefício.

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

O decreto 6.214/07 disciplina elementos operacionais e reafirma a natureza personalíssima e intransferível da prestação, legitimando a atuação revisional desde que respeitados o devido processo administrativo, a motivação e a razoabilidade.

Art. 42. O Benefício de Prestação Continuada, concedido por via administrativa ou judicial, será revisto periodicamente para avaliação do preenchimento dos requisitos constantes da legislação e da continuidade das condições que lhe deram origem, e o processo de reavaliação passará a integrar o Programa Nacional de Monitoramento e Avaliação do Benefício de Prestação Continuada.

A legislação superveniente modernizou os meios de avaliação sem afastar garantias: o art. 40-B da LOAS admite perícia médica por telemedicina e análise documental em hipóteses definidas; a lei 14.176/21 autorizou, para a avaliação social, o uso de videoconferência e do padrão médio.

Art. 40-B. Enquanto não estiver regulamentado o instrumento de avaliação de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 2º da lei 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a concessão do benefício de prestação continuada a pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação do grau da deficiência e do impedimento de que trata o § 2º do art. 20 desta lei, composta de avaliação médica e avaliação social realizadas, respectivamente, pela perícia médica federal e pelo serviço social do INSS, com a utilização de instrumentos desenvolvidos especificamente para esse fim, e será obrigatório o registro, nos sistemas informacionais utilizados para a concessão do benefício, do código da CID - Classificação Internacional de Doenças, garantida a preservação do sigilo.

Tais inovações exigem do Poder Público a observância de acessibilidade, adaptações razoáveis e integridade do contraditório técnico, sobretudo quando a avaliação ocorrer em modalidade remota.

3. Portaria Conjunta MDS/MPS/INSS 33/25: Diretrizes e procedimentos da reavaliação biopsicossocial

A portaria conjunta MDS/MPS/INSS 33, de 5 de agosto de 2025, operacionaliza a reavaliação do art. 21 da LOAS, sem inovar nos requisitos materiais do BPC. Define objetivos (comprovar continuidade do impedimento de longo prazo e aferir grau de restrição à participação), fluxo bifásico (perícia médica federal e avaliação social/INSS) e instrumento aplicável (portaria conjunta 2/15), com ordem preferencial para a perícia médica, registro do CID com resguardo de sigilo e possibilidade de telemedicina na etapa médica e videoconferência/padrão médio na etapa social.

Em matéria de gestão e prioridade, o INSS notificará o beneficiário, responsável legal ou procurador para agendar em 30 dias, priorizando: (i) casos em que a avaliação anterior não permitiu prever duração mínima de dois anos; e (ii) combinações entre tipo/gravidade do impedimento, idade e data da última avaliação.

Há dispensa de reavaliação para: (a) beneficiários que completarem 65 anos; (b) retorno ao BPC após suspensão por atividade remunerada (art. 21-A da LOAS), por 2 anos; e (c) retorno após auxílio-inclusão (art. 26-A), também por 2 anos. Destaca-se a dispensa da perícia médica - até que haja mecanismo específico de registro - quando a avaliação já tenha sinalizado prognóstico desfavorável (impedimentos permanentes, irreversíveis ou irrecuperáveis), nos termos da matriz técnica de 2015.

No tocante às consequências procedimentais, a Portaria adota gradiente de medidas vinculado à ciência: bloqueio por 30 dias quando não comprovada a ciência da notificação; suspensão por 30 dias se não houver contato após o bloqueio ou se o agendamento não ocorrer em 30 dias contados da ciência; e cessação imediata quando: não houver agendamento durante a suspensão; ocorrer não comparecimento a qualquer etapa sem reagendamento em até 7 dias (limite de um reagendamento por etapa); o resultado afastar a caracterização de deficiência; ou nas hipóteses de óbito, morte presumida ou ausência. O ato assegura recurso ao CRPS em 30 dias e impõe a disponibilização do resultado e da motivação pelos canais do INSS, preservando transparência e controle administrativo.

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Referências

AGÊNCIA BRASIL. Governo define regra para reavaliação de BPC de pessoa com deficiência. Brasília, DF: Empresa Brasil de Comunicação, s.d. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/-/governo-define-regra-para-reavaliacao-de-bpc-de-pessoa-com-deficiencia. Acesso em: 9 ago. 2025.

BRASIL. Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. Regulamenta o Benefício de Prestação Continuada devido à pessoa com deficiência e ao idoso. Brasília, DF: Presidência da República, 2007. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6214.htm. Acesso em: 9 ago. 2025.

BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Brasília, DF: Presidência da República, 2009. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm. Acesso em: 9 ago. 2025.

BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social. Brasília, DF: Presidência da República, 1993. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm. Acesso em: 9 ago. 2025.

BRASIL. Lei nº 14.176, de 22 de junho de 2021. Altera a Lei nº 8.742/1993 (LOAS), dispõe sobre o auxílio-inclusão e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14176.htm. Acesso em: 9 ago. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Benefício de Prestação Continuada (BPC). Brasília, DF: MDS, s.d. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/acoes-e-programas/suas/beneficios-assistenciais/beneficio-assistencial-ao-idoso-e-a-pessoa-com-deficiencia-bpc. Acesso em: 9 ago. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Governo Federal publica novas regras do BPC para reavaliação de pessoas com deficiência. Brasília, DF: MDS, s.d. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/governo-federal-publica-novas-regras-do-bpc-para-reavaliacao-de-pessoas-com-deficiencia. Acesso em: 9 ago. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL; INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. Portaria Conjunta MDS/MPS/INSS nº 33, de 5 de agosto de 2025. Estabelece diretrizes e procedimentos para a reavaliação biopsicossocial do BPC. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 ago. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. Portaria Conjunta MDS/INSS nº 2, de 30 de março de 2015. Estabelece critérios, procedimentos e instrumentos para a avaliação social e médica da pessoa com deficiência para acesso ao BPC. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 abr. 2015, Seção 1.

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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

PREVIDENCIARISTA. Benefício assistencial à pessoa com deficiência: mudança de conceito no LOAS do INSS. Porto Alegre: Previdenciarista, s.d. Disponível em: https://previdenciarista.com/blog/beneficio-assistencial-pessoa-com-deficiencia-novo-conceito-loas-inss/. Acesso em: 9 ago. 2025.

Catarine Mulinari Nico

VIP Catarine Mulinari Nico

Advogada, especialista em Direito Previdenciário e em Direitos Humanos pela PUC/RS. Diretora científica Adjunta do IBDP.

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