A responsabilidade tributária no aumento do IOF
Análise hermenêutica do aumento do IOF para MEI e Simples Nacional, articulando norma, justiça fiscal e pragmática econômica sob a tessitura ética do Direito tributário contemporâneo.
sexta-feira, 5 de setembro de 2025
Atualizado às 09:32
1 Introdução
Com efeito, na tessitura complexa do ordenamento jurídico-tributário, as alterações nas alíquotas de tributos extrafiscais, como o IOF, revelam-se mais do que simples ajustes de arrecadação: constituem manifestações de política econômica e fiscal que afetam, de modo direto e profundo, a ordem econômica constitucional.
Ao se tratar do aumento do IOF para microempreendedores individuais e optantes do Simples Nacional, cumpre ir além da constatação normativa, ingressando na seara das consequências jurídico-sociais e na ponderação dos princípios estruturantes, entre os quais se destacam a capacidade contributiva, a proporcionalidade e a justiça fiscal.
A hermenêutica aqui adotada não se limita ao cotejo literal de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais; antes, busca articular a compreensão semântica do instituto tributário com o contexto socioeconômico no qual se insere, em diálogo constante com a pragmática que a experiência concreta impõe.
2 Fundamentos normativos e hermenêutica do IOF
2.1 O IOF na Constituição e no CTN
O IOF, previsto no art. 153, V, da Constituição Federal, integra o rol de tributos de competência exclusiva da União.
Seu caráter eminentemente extrafiscal, embora não exclua a função arrecadatória, confere-lhe plasticidade normativa para atender a objetivos de política econômica.
Os arts. 77 a 93 do Código Tributário Nacional disciplinam sua natureza, fato gerador, base de cálculo e limites para a fixação de alíquotas, delegando ao Poder Executivo a competência para ajustá-las dentro dos tetos legais, de modo a permitir rápida resposta a variações conjunturais.
2.2 A interpretação do STF e a força normativa da Constituição
A jurisprudência do STF reconhece a compatibilidade dessa delegação com o princípio da legalidade tributária, desde que preservados os limites constitucionais.
Nas recentes ações de controle concentrado (ADCs 96 e 97; ADIs 7827 e 7839), o STF restabeleceu, em sede cautelar, decreto que majorou o IOF, com ressalva para operações de "risco sacado".
Essa decisão, conquanto provisória, reafirma o entendimento de que a conformação das alíquotas de IOF pelo Executivo encontra respaldo constitucional, devendo, entretanto, ser temperada pela observância de princípios como a razoabilidade e a proteção à livre iniciativa.
3 Impactos econômicos e justiça fiscal
3.1 Efeitos sobre micro e pequenos empresários
O aumento das alíquotas implica elevação direta no custo do crédito para MEIs e empresas do Simples Nacional, segmentos que, por sua natureza, dependem fortemente de capital de giro e linhas de financiamento acessíveis.
No plano econômico, tal medida pode restringir investimentos, reduzir a competitividade e, paradoxalmente, fomentar a informalidade - resultado que se choca com o desiderato constitucional de promoção da atividade econômica lícita.
3.2 A perspectiva da justiça fiscal
A justiça fiscal, enquanto vertente da justiça distributiva, reclama que o ônus tributário seja distribuído de forma equânime, considerando-se a capacidade contributiva e os impactos sociais da exação.
No caso do IOF, a análise não se esgota na legalidade formal; é imperioso averiguar se a majoração respeita os cânones de proporcionalidade e se atende a um interesse público qualificado, capaz de justificar a oneração adicional de categorias já vulneráveis no contexto econômico.
4 Estratégias jurídicas e econômicas de mitigação
4.1 Planejamento e gestão contratual
A primeira reação estratégica consiste na reavaliação das operações de crédito, com cálculo preciso do custo efetivo total, renegociação de prazos e condições e priorização de linhas subsidiadas, como o Pronampe.
4.2 Alternativas institucionais e judiciais
No campo institucional, entidades representativas (v.g., Fecomercio, Sebrae) têm se posicionado contra o aumento, fomentando o debate legislativo e, eventualmente, patrocinando medidas judiciais.
Na via jurisdicional, discute-se a possibilidade de modulação ou reversão dos efeitos, especialmente para contratos já em curso.
5 Considerações finais
Em síntese, o aumento do IOF para MEIs e empresas do Simples Nacional constitui fenômeno tributário cuja análise deve transpor o positivismo estrito, alcançando as dimensões hermenêuticas, econômicas e ético-políticas.
O desafio hermenêutico reside em equilibrar a liberdade conformadora do Executivo, outorgada pela Constituição, com a salvaguarda de princípios que estruturam o Estado Democrático de Direito e orientam a tributação justa.
A interlocução entre o Direito Tributário e a justiça fiscal, permeada por considerações pragmáticas e pela compreensão semântica dos institutos, revela-se imprescindível para que o IOF, enquanto instrumento de política econômica, cumpra sua função sem descurar da função social da tributação.
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Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 ago. 2025.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 ago. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7827 e 7839; Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 96 e nº 97. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 11 ago. 2025.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
Paulo Vitor Faria da Encarnação
Mestre em Direito Processual. UFES. [email protected]. Advogado. OAB/ES 33.819. Santos Faria Sociedade de Advogados.


