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Drex: De CBDC inovadora à vitrine vazia do Banco Central

O Brasil não precisa de CBDC ou Drex 2.0, mas de regulação efetiva que traga segurança jurídica, proteja consumidores e estimule a inovação no setor de ativos virtuais.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Atualizado às 14:47

Quando o Banco Central anunciou o Drex, em 2023, vendeu a ideia de que o Brasil estava prestes a lançar a "moeda digital mais inovadora do mundo". Seria a versão nacional das CBDCs - Central Bank Digital Currencies, com uso de blockchain permissionada, contratos inteligentes, tokenização e um ecossistema interoperável que aproximaria a tecnologia financeira de última geração do dia a dia do cidadão.

A linha do tempo do projeto, porém, mostra outra história. Em pouco mais de dois anos, o Drex sofreu tantas mudanças de narrativa que, hoje, é difícil identificar o que ele de fato é - ou pretende ser. Passou de promessa de CBDC popular para "infraestrutura de bastidor" que o brasileiro comum jamais verá ou usará diretamente.

O discurso inicial era ambicioso: em agosto de 2023, ao revelar o nome "Drex", o BC falava em inclusão financeira, investimentos fracionados e até pagamento de benefícios sociais via real digital. Mas, ainda naquele ano, o código publicado no GitHub revelou funções administrativas capazes de congelar contas e alterar saldos, levantando preocupações legítimas sobre controle estatal. Ao invés de esclarecer de forma definitiva, o BC minimizou dizendo que era "o mesmo poder de hoje, sob ordem judicial" - um argumento que, corretamente, não acalmou críticos.

A última guinada foi confirmada pelo próprio presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, durante palestra no evento Blockchain Rio, quando admitiu que a primeira versão do Drex não utilizará tecnologia blockchain. A justificativa foi a existência de desafios técnicos e preocupação com privacidade, mas o resultado prático é mais um recuo em um projeto que já vinha sendo esvaziado e adiado, agora previsto para algo em 2026, limitado a funções burocráticas como reconciliação de gravames.

O que chama atenção não é apenas o recuo tecnológico, mas a incoerência institucional. Em fevereiro de 2025, poucos meses após assumir o comando do BC, Galípolo declarou publicamente que o Drex "não é uma moeda digital, e sim uma infraestrutura de tokenização" - negando, de forma explícita, a própria classificação de CBDC usada pelo BC desde o início e presente até hoje no site oficial. A comunicação muda ao sabor da conveniência, sem assumir de frente o que está sendo feito - ou abandonado.

Esse improviso é ainda mais grave quando lembramos que o Drex nunca foi objeto de uma discussão democrática. Não houve plebiscito, consulta pública popular ou debate parlamentar robusto sobre se a população quer, precisa ou aceita uma CBDC com potencial de controle absoluto sobre transações.

É nesse vácuo que surge a PEC proposta pela deputada Júlia Zanatta, que condiciona a criação, emissão e circulação do Drex à aprovação do Congresso Nacional. A medida, além de colocar um freio institucional necessário, reconhece o óbvio: projetos dessa magnitude, com implicações diretas sobre privacidade e liberdade econômica, não podem ser impostos por um órgão técnico sem mandato popular.

Mais grave é perceber que o Drex se tornou um exercício de retórica tecnológica: abundam as palavras bonitas, as promessas de eficiência e a embalagem de "inovação", mas o objetivo prático é atacar um problema que ninguém identificou e que o mercado jamais pediu para resolver. A ironia é que, enquanto o Banco Central insiste em gastar energia com um projeto que já nasceu em crise de identidade, problemas reais e urgentes seguem sem solução.

As chamadas VASPs - Virtual Asset Service Providers, ou Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais - categoria que engloba corretoras, custodiantes, plataformas de intermediação e demais empresas que operam com ativos virtuais - seguem funcionando em uma zona cinzenta regulatória. Apesar da lei 14.478/22 prever seu licenciamento junto ao BC, o processo sequer foi implementado. Questões fundamentais como a efetiva aplicação da travel rule e a segregação patrimonial - indispensáveis para proteger clientes e mitigar riscos sistêmicos - também permanecem sem regulamentação clara.

O resultado é que, enquanto o ecossistema de ativos virtuais do Brasil carece de segurança jurídica, o BC prefere investir tempo em um Drex mutilado, que nem cumpre a promessa inicial nem resolve os problemas concretos do presente. O Drex já não é a CBDC revolucionária que prometeram. Virou um experimento burocrático, esvaziado de propósito, sem clareza técnica e sem respaldo popular. Pior: serve de distração para temas urgentes que afetam diretamente o sistema financeiro e o mercado de ativos virtuais.

O Brasil não precisa de uma CBDC ou de um Drex 2.0. Precisa, sim, de uma regulação efetiva para o setor de ativos virtuais, capaz de oferecer segurança jurídica, proteger consumidores e criar um ambiente propício à inovação. É urgente adotar marcos alinhados às jurisdições mais evoluídas, em vez de desperdiçar tempo e recursos com propostas que se vendem como futuristas, mas caminham na direção oposta das melhores práticas globais.

Pedro J. T. C. Torres

VIP Pedro J. T. C. Torres

Mestre em Blockchain e Ativos Virtuais. Sócio do Sydow e Torres Advogados Associados.

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