No embate entre Themis e a tirania só um sobreviverá
Com base na missão constitucional que legitima sua atuação, o Judiciário tem sido um poderoso bastião da democracia e do Estado do Direito contra as investidas neofascistas.
sexta-feira, 15 de agosto de 2025
Atualizado às 15:07
Parte da ultradireita mundial tem recebido, merecidamente, o rótulo de "neofascista" ("neonazifascista" talvez a definisse até melhor, em vista de seus cacoetes xenófobos, que se ancoram num discurso furtivo de superioridade étnica).
Para atrair mentes e corações "susceptíveis", o neo(nazi)fascismo retoma, com o mesmo grau de falsidade e demagogia, o discurso do fascismo clássico.
Como na versão clássica, lança mão de apelos ultranacionalistas ("pátria acima de todos"); instila o medo e constrói os inimigos a serem batidos ("comunistas", "esquerdopatas", intelectuais...); subjuga a ciência para que vicejem suas "verdades míticas"; valida práticas autoritárias (incluída a censura e o extermínio de opositores), e o faz, paradoxalmente, "em nome da liberdade"... O culto ao líder ("mito"), a ampla utilização da propaganda para manipulação da opinião pública e a difusão de fake news são características marcantes do regime mussoliniano. Mas diversamente do fascismo clássico, o neofascismo incorpora políticas econômicas liberais, como atalho para obtenção de seus objetivos de dominação e discriminação. Como numa versão revista, atualizada e ainda mais perigosa.
Se, do ponto de vista político, no âmbito das democracias modernas, o neofascismo tem, de regra, buscado se hegemonizar nas esferas executiva e parlamentar através do sistema eleitoral (como exceção, por meio de golpes de força), no que diz respeito à estrutura judicial só lhe resta a opção de subjugá-lo através da pressão, da coação e, no limite, da intervenção.
O que se vê atualmente no Brasil - pressão nas altas cortes de Justiça, ameaça e tentativa de coação de juízes, planos golpistas de intervenção no STF e no TSE -, é o desenho eloquente da incompatibilidade do sistema neofascista com o ambiente de uma Justiça independente e democrática.
Embora prenhe de mazelas (elitismo, seletividade, lentidão etc), o fato é que a Justiça brasileira, à luz do constitucionalismo vigente, ainda pode ser qualificada como uma instituição "democrática" em razão de algumas de suas características: permite amplo acesso à população, tem potencial garantista para tutela dos direitos humanos, pode proteger os interesses de minorias, corrige excessos ou abusos por parte de agentes públicos dos três poderes, enfim, aplica - ao menos pelo ideal constitucional - a mesma lei para todos...
Essas mesmas características da Justiça atual evidenciam sua incompatibilidade absoluta com a essência dos movimentos neofascistas, no Brasil, representados pelos autodenominados "patriotas" ou "gente de bem", "virtuosos" e "puros", exatamente como seriam os arianos de Hitler...
Se o neo(nazi)fascismo se alimenta de subjugar inimigos, discriminar as minorias e os mais vulneráveis (por gênero, cor, opção sexual, religião, miserabilidade, nacionalidade etc.), é inadmissível ao pseudopatriota que uma instituição do Estado o coloque em pé de igualdade com essa "gentalha" inferior. O pressuposto não somente lógico - mas até mesmo divino inoculado em sua mente e em seu coração - é o da hierarquia social. Como admitir o mesmo tratamento, iguais direitos e obrigações, a "estirpes" diferentes?
Enfim, a igualdade jurisdicional é incompatível com a percepção egoísta e conveniente que o neonazifascista tem de si: um cidadão superior que não pode ser nivelado em direitos e obrigações aos inferiores.
Fica fácil entender a razão pela qual o sistema judicial, com todos os seus grandes e graves problemas, tem sido, na quadra atual, com base na missão constitucional que legitima sua atuação, um poderoso bastião da democracia contra as investidas neofascitas. Nesse embate, Themis parece já ter tomado ciência: não basta a balança calibrada, é preciso a espada afiada. No embate entre a Justiça independente e o neofascismo só um sobreviverá.
Um país pacificado, soberano, um povo solidário, que privilegia a igualdade e viceja a Justiça social, ou um ambiente de permanente conflagração, luta infinita para combater espantalhos, formatado para atender aos anseios tirânicos de líderes labiosos?
O eleitor, o jurisdicionado, o cidadão comum, também tem que ter ciência sobre o que está em jogo. E sobre o que deseja.


