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A teoria do risco integral: O escudo constitucional do meio ambiente

Análise jurídica da teoria do risco integral no Direito Ambiental, sua base constitucional, aplicação na jurisprudência e papel na reparação plena e inafastável dos danos ecológicos.

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Atualizado às 11:08

A (in)constitucionalidade da teoria do risco integral no Direito Ambiental brasileiro

A teoria do risco integral representa um relevante desdobramento da teoria do risco administrativo, tendo sido acolhida com maior vigor no campo do Direito Ambiental, dada a natureza difusa e irrecuperável dos bens por ele protegidos. Segundo essa teoria, a responsabilidade civil do poluidor é objetiva e se fundamenta no nexo de causalidade entre a conduta ou atividade lesiva e o dano ambiental. Exclui-se qualquer possibilidade de exoneração com base em excludentes clássicos de responsabilidade, como caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva de terceiros.

Prima facie, destaca-se que a responsabilidade ambiental pode ser classificada sob três âmbitos: responsabilidade administrativa, penal e civil. De pronto, a responsabilidade administrativa é decorrente de infrações ambientais, regulada pela lei 9.605/1998 (lei de crimes ambientais) e pelo decreto 6.514/08 (trata de infrações e sanções administrativas ao meio ambiente), aplicável pelo órgão ambiental competente; ato contínuo, a responsabilidade penal é aplicada às pessoas físicas e jurídicas pela prática de crimes ambientais, conforme tipificação da lei de crimes ambientais; enfim, a responsabilidade civil, de natureza objetiva e baseada na teoria do risco integral, exige a reparação do dano independentemente de culpa. Essa classificação decorre do art. 225, §3º, da CF/88 e do art. 14, §1º, da lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente).  

Não obstante, a competência administrativa para demandas ambientais, que segue a repartição federativa, conforme o art. 23, VI e VII, da CF/88, estabelece competência comum entre os entes federativos. No plano legislativo, temos a previsão do art. 24, VI e VIII para os entes da União, Estado e Distrito Federal, e suplementarmente o inciso II do art. 30 aos municípios, nos exatos termos da norma, isto é, "suplementar a legislação federal e a estadual no que couber" - dada a relevância, registra-se a especial observância da ADPF 672, que trata da omissão e comissão dos demais entes federativos. Ainda, no âmbito do Poder Judiciário, as ações podem tramitar na Justiça Estadual ou Federal, a depender do interesse da União, suas autarquias ou empresas públicas (art. 109, I, da CF/88). 

Da responsabilidade objetiva

Conforme leciona Frederico Amado (2023), "a responsabilidade objetiva por risco integral implica a obrigação de indenizar o dano ambiental, sem que se admitam quaisquer causas excludentes da responsabilidade, inclusive as de força maior ou caso fortuito". Complementa que o "regime mais gravoso é justificado pela supremacia do interesse coletivo na preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado". Tal entendimento revela o compromisso do Direito Ambiental com o paralelo ao princípio da prevenção, segundo o qual a tutela do meio ambiente deve ocorrer antes mesmo da concretização do dano, adotando-se medidas de precaução diante de riscos potenciais.

A responsabilidade civil por danos ambientais é um tema alvo de grandes polêmicas e inúmeras indefinições. Notadamente, possui um regime jurídico próprio, em razão de possuir influência de normas específicas ambientais, utilizando-se normas dos demais ramos jurídicos supletivamente no que for compatível, especialmente do Direito Civil e Administrativo.

É também relevante destacar o respaldo internacional da teoria ora examinada. O Princípio 13 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro na forma do decreto 2.178/97, estabelece que:

"Os Estados deverão desenvolver a legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização referente às vítimas da contaminação e outros danos ambientais. [...] Deverão cooperar de maneira inteligente e mais decidida no preparo de novas leis internacionais sobre responsabilidade e indenização pelos efeitos adversos dos danos ambientais causados pelas atividades realizadas dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, em zonas situadas fora de sua jurisdição".

A observância desse princípio reforça a obrigatoriedade da responsabilização integral por danos ambientais, inclusive os transfronteiriços, e obriga o Brasil, na condição de signatário, a adotar mecanismos jurídicos compatíveis com esse mandamento internacional, conforme preconiza o art. 5º, § 2.º, da CF/88. 

Choque entre a constitucionalidade e a inconstitucionalidade 

De plano, entendemos pela constitucionalidade da teoria do risco integral, não se esquivando de análise pormenorizada da outra parte. A análise sistemática do ordenamento jurídico brasileiro conduz à conclusão de que a teoria do risco integral é compatível com a CF/88, desde que interpretada à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, da justiça intergeracional e da máxima proteção ambiental. A exclusão das excludentes de responsabilidade tradicional não afronta os princípios constitucionais, mas fortalece a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

As críticas dirigidas à teoria não comprometem sua validade constitucional, mas indicam a necessidade de sua aplicação criteriosa, com respeito ao devido processo legal, especialmente no que diz respeito à comprovação do nexo causal e à proporcionalidade das obrigações de reparação. A jurisprudência do STJ tem reiteradamente validado a aplicação da responsabilidade objetiva integral no campo ambiental, com base nos princípios constitucionais de precaução, prevenção e reparação integral.

Dessa forma, é possível afirmar que a teoria do risco integral, longe de ser inconstitucional, representa uma resposta constitucionalmente adequada e necessária à complexidade e gravidade dos danos ambientais na contemporaneidade.

A tutela ambiental, enquanto expressão do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, foi elevada pela CF/88 à condição de dever jurídico imposto ao Poder Público e à coletividade (art. 225, caput). Nesse contexto, a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente foi constitucionalizada, sendo delineada de forma objetiva e autônoma em relação às categorias tradicionais do Direito Civil e do Direito Administrativo. A previsão expressa do art. 225, § 3.º, da CF/88, que impõe sanções penais e administrativas "independentemente da obrigação de reparar os danos causados", consolidou no ordenamento jurídico brasileiro os fundamentos para a adoção da teoria do risco integral como base da responsabilidade civil ambiental.

Entretanto, parte da doutrina crítica sustenta que a aplicação irrestrita da responsabilidade objetiva integral fere princípios constitucionais como o devido processo legal, o direito de defesa e a proporcionalidade, especialmente quando aplicada sem gradação ou ponderação em casos concretos.

A responsabilidade civil por danos ambientais, no ordenamento jurídico brasileiro, caracteriza-se por regime jurídico próprio, com especial incidência do princípio da precaução, do dever de não regressão e da máxima efetividade da tutela ambiental. Embora se inspire na tradição do Direito Civil e do Direito Administrativo, o regime de responsabilidade ambiental constitui uma categoria autônoma, fruto da consolidação normativa e doutrinária que a CF/88 operou ao elevar o meio ambiente à condição de direito fundamental de terceira geração.

A responsabilidade integral por danos ao meio ambiente insere-se, ainda, na perspectiva do constitucionalismo dirigente, conforme formulado por José Joaquim Gomes Canotilho (2014), ao reconhecer que os direitos fundamentais, em especial os de terceira geração, impõem ao Estado e à sociedade deveres positivos de proteção e promoção. Conforme destaca o autor, "o direito ao ambiente é um direito fundamental que exige prestações positivas do Estado e impõe limites à iniciativa privada, de forma que a sua proteção há de se operar por meio de normas constitucionais eficazes e operativas".

Na mesma linha, Paulo Bonavides (2020) considera que "a proteção do meio ambiente transcende a esfera do interesse público, pois se qualifica como condição de sobrevivência da própria humanidade, sendo, portanto, expressão legítima e inafastável da dignidade da pessoa humana".

Apesar do sólido respaldo constitucional, parte da doutrina, como Marçal Justen Filho (2020), manifesta preocupação com a aplicação automática do risco integral, alegando que "a responsabilidade integral pode, em determinadas situações, violar o princípio da proporcionalidade e o devido processo legal, ao impedir que o agente demonstre a inexistência de nexo causal ou a presença de excludentes legítimas".

Há, ainda, o argumento de que a teoria do risco integral pode extrapolar os limites da legalidade estrita no campo das sanções, o que exigiria previsão legislativa expressa e regras claras de aplicação, conforme adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro que "embora a Constituição mencione a responsabilidade ambiental objetiva, a exclusão de todas as excludentes pode gerar distorções e inseguranças jurídicas, sobretudo quando se trata de sanções com caráter punitivo".

A superação dessas críticas exige uma leitura sistêmica e finalística da CF, que equilibre os direitos fundamentais em conflito - de um lado, o direito ao meio ambiente; de outro, o direito à ampla defesa, ao contraditório e à legalidade. A adoção da teoria do risco integral não exclui a necessidade de aferição do nexo causal, tampouco afasta o direito à ampla defesa quanto à extensão do dano e à adequação das medidas reparatórias, preservando assim a coerência constitucional da aplicação da teoria.

Aplicação da teoria do risco integral na jurisprudência brasileira 

A aplicação da teoria do risco integral na responsabilidade civil por danos ambientais tem sido objeto de análise e consolidação nos tribunais superiores brasileiros. Examinaremos doravante casos emblemáticos que ilustram a adoção dessa teoria pelo STJ, destacando os fundamentos jurídicos e as implicações práticas das decisões.  

As decisões a seguir evidenciam a consolidação da teoria do risco integral na jurisprudência brasileira, especialmente no que tange à responsabilidade civil por danos ambientais. A aplicação dessa teoria reflete o compromisso dos tribunais em assegurar a efetividade dos princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente e de reparação integral dos danos, reforçando a responsabilidade objetiva do poluidor e a inaplicabilidade de excludentes de responsabilidade. 

a) Caso 1: Rompimento da Barragem em Miraí-MG: em janeiro de 2007, a barragem da empresa Mineração Rio Pomba Cataguases Ltda., localizada em Miraí, Minas Gerais, rompeu-se, liberando aproximadamente dois bilhões de litros de resíduos de lama tóxica (bauxita). O desastre afetou extensas áreas nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, resultando em danos ambientais significativos e desabrigando inúmeras famílias.  

O STJ, ao julgar o REsp 1.374.284/MG, consolidou a aplicação da teoria do risco integral, estabelecendo que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva e não admite excludentes de responsabilidade civil para afastar a obrigação de indenizar. A Corte determinou que a empresa deveria reparar integralmente os danos materiais e morais causados, enfatizando que o nexo de causalidade é o elemento central para a imputação da responsabilidade.

A decisão fundamentou-se no art. 14, § 1º, da lei 6.938/1981, que estabelece a responsabilidade objetiva do poluidor, e nos princípios constitucionais de proteção ambiental previstos no art. 225 da CF/88. O STJ reforçou que a aplicação da teoria do risco integral visa assegurar a reparação integral dos danos ambientais, alinhando-se ao princípio do poluidor-pagador.  

b) Caso 2: A 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do TJ/SP manteve um auto de infração ambiental no valor de R$ 14 mil contra uma empresa produtora de celulose que foi multada porque um incêndio de origem desconhecida em plantação de cana-de-açúcar atingiu uma APP - área de preservação permanente.

Para o relator do recurso, desembargador Roberto Maia, a responsabilização da empresa não vem da conduta de atear o fogo em si, mas de outras que contribuíram para o resultado, como a falta de manutenção dos aceiros (faixas de terreno sem vegetação que servem como barreira para impedir a propagação de incêndios).

Notadamente, a decisão baseou-se no art. 225 da CF/88, que impõe a todos o dever de preservar o meio ambiente, e no art. 14, § 1º, da lei 6.938/1981, que estabelece a responsabilidade objetiva do poluidor. (Fonte: Comunicação Social/TJSP)

c) Caso 3: "A Goiasa Goiatuba Álcool Ltda. foi condenada a restabelecer, em até seis meses, áreas de preservação permanente e de reserva local afetadas por incêndio, que teve início em sua propriedade. A decisão é do desembargador Carlos Escher, que manteve a sentença da juíza Sabrina Rampazzo de Oliveira, da 1ª vara de Goiatuba.

A Goiasa interpôs apelação cível alegando que não há responsabilidade ambiental objetiva, por inexistir nexo causal ou omissão da empresa. Disse que incêndio só se alastrou para as áreas vizinhas devido à baixa umidade relativa do ar na data do incidente, e que empreendeu todas as medidas possíveis para combater o alastramento do fogo. A empresa aduziu que o incêndio foi acidental e imprevisível, o que afasta a responsabilidade objetiva em razão do caso fortuito ou de força maior.

O desembargador citou o parecer do procurador de Justiça Osvaldo Nascente Borges, o qual disse que restou demonstrado o dano ambiental, 'evidenciado pela degradação ambiental ocorrida, comprometendo vegetação que compreende áreas de reserva legal e de proteção permanente, restando comprovada, consoante apontado pela douta sentença objurgada, a ineficiência no ato de conter o alastramento do incêndio', configurando situação de responsabilidade objetiva, pela teoria do risco integral.

Dessa forma, Carlos Escher afirmou que o entendimento do procurador de Justiça encontra guarida no posicionamento adotado pelo STJ e pelo TRF da 5ª região, 'no sentido da aplicabilidade da teoria da responsabilidade objetiva pelo risco integral em matéria ambiental', consistindo na obrigação de reparar o dano causado". (Fonte: Rota Jurídica).

Considerações finais

Diante de todo o exposto, é possível afirmar que a teoria do risco integral, ao afastar a aplicação de excludentes clássicos de responsabilidade, representa não apenas uma construção doutrinária robusta, mas sobretudo uma exigência imposta pelo texto constitucional e pelo Direito Internacional contemporâneo. Sua aplicação não decorre de uma opção jurisprudencial, mas de uma necessidade normativa vinculada à efetivação do princípio da reparação integral, da prevenção e da dignidade ecológica. Ao impor ao agente poluidor a responsabilidade incondicionada pela reparação do dano ambiental, o Direito brasileiro reafirma o seu compromisso com a justiça intergeracional, a defesa intransigente do meio ambiente e a consolidação de um Estado Democrático de Direito ambientalmente sustentável.

Essa responsabilidade encontra respaldo direto na CF/88. Trata-se de comando normativo que positivou a responsabilidade objetiva ambiental em todas as suas esferas, e que, segundo José Afonso da Silva, "confere ao meio ambiente a qualidade de bem jurídico fundamental, erigido à condição de direito de terceira geração, a ser protegido por todos e, especialmente, pelo Estado, por meio de instrumentos preventivos, repressivos e restaurativos". A esse respeito, o autor destaca a feição coletiva e intergeracional do direito ao meio ambiente, o que justifica o rigor do regime jurídico aplicável aos danos ecológicos.

O Direito Administrativo também oferece respaldo teórico à responsabilidade objetiva ambiental, na medida em que, segundo José Afonso da Silva, "a atuação do Poder Público em matéria ambiental deve sempre se pautar pelo interesse público primário, de sorte que a função administrativa se orienta pela proteção da coletividade, devendo o Estado e os particulares que causarem dano responder objetivamente, ainda que sem culpa". Assim, mesmo os entes públicos respondem integralmente pelos danos que eventualmente venham a causar ao meio ambiente, aplicando-se a teoria do risco integral de forma indistinta.

Sob a ótica do Direito Constitucional contemporâneo, a responsabilidade objetiva integral ambiental reflete a consagração do que José Joaquim Gomes Canotilho denominou de constitucionalismo dirigente, ou seja, um modelo constitucional em que os direitos fundamentais, notadamente os direitos de terceira geração, impõem deveres positivos ao Estado e aos particulares. Dessa forma, pode-se afirmar, com segurança dogmática, que a teoria do risco integral, ao excluir qualquer excludente de responsabilidade em caso de dano ambiental, representa a materialização jurídica do princípio da responsabilidade ambiental plena e inafastável, constitucionalmente consagrado. Sua aplicação se justifica diante da necessidade de garantir a reparação integral dos danos causados ao meio ambiente, a efetividade do princípio da prevenção e o respeito ao direito fundamental das presentes e futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A responsabilidade ambiental, portanto, transcende os contornos clássicos do Direito Civil e do Direito Administrativo, consolidando-se como um instrumento constitucional de proteção da vida, da dignidade humana e da justiça intergeracional. A teoria do risco integral não é uma opção interpretativa, mas uma exigência constitucional e internacional, que assegura a supremacia do interesse público ambiental em face de interesses privados eventualmente conflituosos.

Lucas Velasques da Costa Pinto

VIP Lucas Velasques da Costa Pinto

Bacharel em Direito (UCDB/MS), Residente Judicial no TJMS, especialista pós-graduado e autor com atuação crítica e interdisciplinar voltada à efetividade dos direitos humanos e à justiça.

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