Reserva de vagas para mulheres em conselhos de estatais: O que traz a nova lei 15.177/25
Lei 15.177/25 reserva 30% das vagas em conselhos de estatais para mulheres e inclui regras de transparência sobre equidade de gênero.
sexta-feira, 15 de agosto de 2025
Atualizado em 14 de agosto de 2025 11:24
Após sanção do presidente da República, entrou em vigor a lei 15.177, de 23 de julho de 2025 (lei 15.177/25), que estabelece a obrigatoriedade de reserva mínima, para mulheres, de 30% das posições em conselhos de administração de empresas estatais. A norma também alterou a lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e a lei 13.303, de 30 de junho de 2016 (lei das S.A. e lei das estatais) para incluir indicadores sobre equidade de gênero nos relatórios da administração de companhias abertas e companhias estatais.
A lei 15.177/25 resulta da conversão do PL 1.246, de 2021, e abrange empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, além de quaisquer outras companhias em que a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Município detenham, direta ou indiretamente, a maioria do capital social votante. A lei 15.177/25 também faculta a adesão à reserva por companhias abertas, com previsão de programas de incentivo a serem regulamentados pelo Poder Executivo.
Com o objetivo de promover maior equidade de gênero em posições de liderança nas sociedades empresárias que especifica, a lei reflete panorama regulatório já adotado em outras jurisdições1.
Principais aspectos
A implementação da reserva de vagas poderá ser realizada de forma gradual, desde que as mulheres ocupem, no mínimo: 10% das posições a partir da primeira eleição para os cargos do conselho de administração ocorrida após a entrada em vigor da lei; 20% a partir da segunda eleição; e 30% a partir da terceira.
A partir do cumprimento da reserva obrigatória de 30%, será exigido, ainda, que ao menos 30% deste quantitativo seja preenchido por mulheres autodeclaradas negras ou com deficiência.
Além de estabelecer a reserva de vagas, a lei 15.177/25 também altera a lei das S.A. e a lei das estatais, especificamente para prever a inclusão de novas regras para a divulgação das políticas de equidade adotadas.
Deverão ser divulgadas2, anualmente: (i) a quantidade e a proporção de mulheres contratadas, por níveis hierárquicos; (ii) a quantidade e a proporção de mulheres que ocupam cargos na administração; (iii) o demonstrativo da remuneração fixa, variável e eventual, segregada por sexo, relativa a cargos ou funções similares; e (iv) a evolução comparativa dos indicadores previstos nos itens (i), (ii) e (iii) entre o exercício findo e o exercício imediatamente anterior.
Nas sociedades anônimas, tais informações deverão constar no relatório da administração, disponibilizado anteriormente à realização da assembleia-geral ordinária.
Ademais, as sociedades empresárias obrigatoriamente sujeitas ao disposto na lei 15.177/25 estarão submetidas à fiscalização dos seus respectivos órgãos de controle externo e interno, na forma prevista no art. 85 da lei das estatais, e, em caso de descumprimento, por qualquer razão, seus conselhos de administração ficarão impedidos de deliberar sobre quaisquer matérias.
Por fim, a lei 15.177/25 estabelece que deverá ser promovida a sua revisão após 20 anos da data de sua publicação.
Equidade de gênero nos conselhos: por que e para quê?
No Brasil, apenas 15,9% dos cargos em conselhos de administração são ocupados por mulheres3. A nova lei, nesse contexto, impõe a reserva obrigatória de assentos com o objetivo de promover maior equidade de gênero nessas posições4. Trata-se de uma política pública com potencial de gerar efeitos relevantes na composição e na dinâmica desses colegiados.
A tendência mundial para a adoção de medidas que promovam maior equidade vai além da imposição legal5. A Goldman Sachs, em 2020, anunciou que não mais assessoraria a abertura de capital de companhias no Estados Unidos e na Europa que não contassem com, no mínimo, um "membro diverso"6.
Ademais, da perspectiva econômica, os dados são particularmente significativos. Estudo publicado pela Harvard Business Review7 sugere que participação de mulheres em conselhos de administração resulta em melhores decisões de investimento, reduz a adoção de ações excessivamente arriscadas e cria valor para os acionistas. Relatório do McKinsey de 20178 aponta que companhias com maior diversidade e representatividade feminina em altos cargos são 21% mais propensas a ter lucratividade média superior às demais. No mesmo sentido, estudo de 2017 do BCG Henderson Institute concluiu que companhias com elevada taxa de diversidade em suas diretorias geram, em média, 19% mais receitas de inovação9.
A lei 15.177/25 representa um esforço normativo no enfrentamento das desigualdades de gênero em posições de liderança. Sua efetividade, contudo, dependerá da forma como for implementada, fiscalizada e, sobretudo, recebida pelas próprias companhias e pelo mercado. Embora enfrente resistências em algumas jurisdições no exterior10, medidas dessa natureza têm se mostrado eficazes na promoção de maior diversidade nos conselhos11. No caso brasileiro, os próximos anos serão decisivos para avaliar se os objetivos pretendidos pela política pública serão, de fato, alcançados.
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1 França, Áustria, Bélgica, Alemanha, Grécia, Itália, Holanda e Espanha são exemplos de países que também adotaram modelo no qual a reserva de vagas é imposição legal. Nesses países, os percentuais da reserva oscilam entre 30-40% e o alcance varia entre companhias listadas e sociedades em que o governo detém participação. Vide: Gender balance on corporate boards: Europe is cracking the glass ceiling. July, 2016. Disponível em: https://ec.europa.eu/newsroom/document.cfm?doc_id=46280. Acesso em 05/08/2025. Em 2022, a União Europeia editou diretiva determinando que, até dezembro de 2024, todos os seus membros deveriam se adequar às políticas de equidade previstas para companhias listadas, vide: Directive (EU) 2022/2381 of the European Parliament and of the Council of 23 November 2022 on improving the gender balance among directors of listed companies and related measures (Text with EEA relevance). Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=uriserv%3AOJ.L_.2022.315.01.0044.01.ENG. Acesso em: 05/08/2025.
2 Nos termos previstos no art. 133, §6º da Lei das S.A. e no art. 8º, inciso X, da Lei das Estatais.
3 De acordo com a 8ª edição da pesquisa "Women in the boardroom", realizada pela Deloitte em 2024 e relativa a dados de 2023. Disponível em https://www.deloitte.com/br/pt/services/consulting-risk/research/mulheres-no-conselho.html. Acesso em 05/08/2025. Outras pesquisas também evidenciam o nível de desigualdade nas posições: a 3ª edição da pesquisa "Análise da participação das mulheres em conselhos e diretorias das empresas de capital aberto", realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), aponta que no exercício social do ano de 2021, as mulheres ocupavam cerca de 15,2% das cadeiras em conselhos de administração, fiscais e diretorias. Disponível em: https://www.ibgc.org.br/blog/terceira-edicao-analise-mulheres-em-conselhos-ibgc. Acesso em: 05/08/2025.
4 Sobre a adoção de regras que dizem respeito a políticas de diversidade, note-se que a Resolução CVM 59/2021 já traz obrigações sobre a divulgação de determinados indicadores de diversidade quando da apresentação anual do formulário de referência.
5 Conforme Nota 1.
6 Elsesser, K. Goldman Sachs Won't Take Companies Public If They Have All-Male Corporate Boards. Forbes. 2020. Disponível em https://www.forbes.com/sites/kimelsesser/2020/01/23/goldman-sachs-wont-take-companies-public-if-they-have-all-male-corporate-boards/. Acesso em 05/08/2025. Para David Solomon, o racional da medida "was to drive premium returns for their shareholders [.]. [In the last four years] the performance of IPOs where there has been a woman on the board in the U.S. is significantly better than the IPOs where there hasn't been a woman on the board". Sobre os números: "[.] citing its own data, Goldman said companies with greater diversity performed better in the markets. Those with at least one diverse board member saw a 44% jump in their average share price within a year of going public, versus 13% at companies with no diverse board members". Disponível em https://www.reuters.com/article/us-goldman-sachs-ipo-diversity/goldman-sachs-to-companies-hire-at-least-one-woman-director-if-you-want-to-go-public-idUSKBN1ZM2MK/. Acesso em: 08/08/2025 .
7 Chen, Jie & Leung, Woon Sau & Song, Wei & Goergen, Marc. Research: When Women Are on Boards, Male CEOs Are Less Overconfident. 2019. Disponível em https://hbr.org/2019/09/research-when-women-are-on-boards-male-ceos-are-less-overconfident. Acesso em: 05/08/2025.
8 Hunt, V. & Prince, S. & Dixon-Fyle, S. & Yee, L. Delivering through Diversity. McKinsey&Company. 2017. Disponível em https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/delivering-through-diversity. Acesso em: 05/08/2025.
9 The Boston Consulting Group. The Mix That Matters: Innovation through diversity. 2017. Disponível em: https://www.bcg.com/publications/2017/people-organization-leadership-talent-innovation-through-diversity-mix-that-matters. Acesso em 05/08/2025.
10 "California sued again for requiring women on corporate boards". Los Angeles Times, 13/11/2019. Disponível em: https://www.latimes.com/business/story/2019-11-13/california-sued-for-requiring-women-corporate-boards. Acesso em 05/08/2025. "Nasdaq Board Diversity Disclosure Rules No Longer in Effect After Overturning by Court". White&Case, 13/12/2024. Disponível em: https://www.whitecase.com/insight-alert/nasdaq-board-diversity-disclosure-rules-no-longer-effect-after-overturning-court. Acesso em 05/08/2025.
11 Conforme Nota 1.
Marcella Munaretto Cabral
Advogada do escritório Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.
Fernanda de Brito Freire do Nascimento
Advogada do escritório Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.




