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Enterramento de fios elétricos: PL 838/25

PL propõe enterramento da fiação em SP via contrapartida e incentivos para construtoras e incorporadoras. Estudos da experiência estrangeira na América.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Atualizado às 14:19

Um GT - grupo de trabalho foi criado para refletir sobre a possibilidade de se fixar marcos temporais e contrapartidas para o enterramento da fiação elétrica na cidade de São Paulo, dentro do contexto da necessidade de modernização da infraestrutura urbana.

Participaram desse GT, a convite do IMI - Instituto Mulheres do Imobiliário, algumas outras entidades de atuação nesse mercado, como InfraWomen e A.Urbe, e o gabinete da vereadora Cris Monteiro. 

A implementação de um marco legal que proibisse a fiação aérea seria muito importante, mas não se mostrou factível. Em um breve estudo de casos comparados em países do continente americano - delineado abaixo -, o melhor paradigma encontrado seria a Argentina, que proibiu há 20 anos a instalação de novos postes de fiação aérea, enquanto administra a obtenção de recursos para o enterramento da fiação já existente, considerando os vultuosos valores envolvidos.

Diferentes análises mostram que o custo da fiação subterrânea é entre 8 e 10 vezes maior que a fiação aérea. Além do alto custo, as obras são longas e impactam diretamente o trânsito, a circulação de moradores e o comércio local, razão pela qual muitos dos cidadãos se opõem a esse tipo de intervenção pública. Para minorar essas dificuldades, em algumas vias de São Paulo, optou-se por obras no período noturno, mas o barulho frequentemente afronta o PSIU - Programa de Silêncio Urbano, regulado por diversas normas.

Por outro lado, o estabelecimento de um programa de contrapartida para as empresas do setor de construção e incorporação imobiliária, com incentivos financeiros relevantes para que agentes privados assumam o custeio das obras de enterramento, pareceu muito factível. Vale observar que a responsabilidade sobre as calçadas no município de São Paulo é, em grande parte, dos proprietários dos imóveis, conforme o decreto 59.671 de 7/8/20, mais especificamente em seus arts. 17 e 34.1

Tais incentivos incluiriam a prioridade no licenciamento de obras e a possibilidade de redução de taxas municipais.

Assim, o grupo de trabalho estudou e moldou um PL voltado à implementação de medidas para o enterramento da fiação aérea. Essas ações não apenas melhorariam a estética da cidade, mas, sobretudo, contribuiriam para a segurança e a prevenção de acidentes relacionados às redes aéreas, especialmente em episódios de chuvas fortes e rajadas de ventos, que causam quedas de árvores na fiação, gerando o desabastecimento de energia para a população.

Feita essa breve introdução, vale debruçar-se sobre os estudos e reflexões do GT. Com o objetivo de pesquisar os meios de financiamento para o enterramento dos fios elétricos, analisaram-se casos similares em países do continente americano. Assim, as alternativas possíveis, considerando as vultuosas montas envolvidas, são: i) investimento público - já afastado pelo grupo de trabalho -, ii) parcerias público-privadas2 e iii) privadas, na conta de eletricidade dos próprios consumidores.

Nos Estados Unidos, a principal motivação para que não haja perspectiva para o aumento do enterramento dos fios - hoje em torno de 20% -, dá-se em razão dos altos custos e do tempo de execução, de todo modo, o financiamento das obras já realizadas sempre adveio do orçamento público, sem qualquer participação civil.

No México, há iniciativas para a conversão do cabeamento aéreo para o subterrâneo. O governo declarou que as obras necessárias são viáveis, porém muito custosas e não prioritárias, de modo que somente lugares mais movimentados e turísticos da Cidade do México foram aterrados com orçamento público.

No Brasil, em São Paulo, 7% da fiação elétrica é subterrânea, enquanto no Rio de Janeiro é 11% e em Belo Horizonte, 2%, geralmente, mas não somente, por meio de financiamento público.3 Também há algumas parcerias público-privadas, citando o exemplo da Rua Oscar Freire, onde a Associação de Lojistas revitalizou a rua.4 Diante dos custos, os engenheiros afirmam que o caminho é fazer a transição aos poucos, dando prioridade para regiões mais sensíveis, como entornos de hospitais, escolas e órgãos públicos.

Já na Argentina, em Salta, está proibida qualquer tipo de instalação aérea em alguns distritos e previsto o enterramento em determinado prazo - máximo de cinco anos a partir do plano de "Zoneamento de Uso do Solo" -, realizado em parceria público-privada entre os órgãos governamentais regionais e as companhias Edesa S.A, Lusal, Claro, Telecom, Cablevisión, Nubicom, Cable Express e Aguas del Norte. Esse é o modelo que se pretendia utilizar no PL em questão: marco legal e parcerias público-privadas, ainda que por meio de contrapartida. Frisa-se que o marco legal não foi encampado na versão então protocolada pela vereadora Cris Barros.

Em Buenos Aires, o governo da capital já avançou na troca dos cabos aéreos por fios subterrâneos. Tal medida foi adotada em uma grande reforma na área turística na década de 1950, com financiamento público. De todo modo, em outros bairros, a instalação de novas fiações sobre o solo está proibida desde 2005 - chamado marco legal no estudo.

Por fim, no Panamá, um projeto de aterramento iniciou-se recentemente. O PL 423/12 estabeleceu que os usuários de telefonia fixa, celular, televisão por assinatura e serviços de internet teriam que pagar entre 1% e 2% do consumo mensal. Após a "arrecadação" inicial, as obras foram iniciadas e já se encontram em estágio avançado.

Em uma pesquisa espontânea realizada em um grupo de pais de um bairro estritamente residencial, de casas de alto padrão, com 425 membros, 54 moradores participaram da seguinte enquete: "Você estaria disposto a pagar uma tarifa extra na sua conta de energia para a instalação subterrânea de fios no seu quarteirão?". Obteve-se a impressionante adesão de 100% pelo maior financiamento "privado" sugerido. Ou seja, 0% votaram "Sim, 5% da minha conta de energia"; 100% votaram "Sim, 10% da minha conta de energia" e 0% votaram "Não". Assim, não se deve dispensar projetos de financiamento dos usuários e consumidores, a exemplo do Panamá, ainda que em determinados bairros, com maior concentração de renda.

Como dito, a definição de um marco legal5 para proibir a fiação elétrica aérea a partir de determinado momento não foi incorporado pelo PL 838/25, especialmente em razão dos custos envolvidos, sobrecarregando o erário público. Dessa forma, inicialmente, decidiu-se estabelecer incentivos para as construtoras e incorporadoras.

Assim, a proposta final do PL definiu diretrizes claras para a responsabilização proporcional da iniciativa privada no processo de enterramento da fiação elétrica. Envolver o setor imobiliário como agente responsável por tais melhorias está diretamente relacionada ao impacto territorial e à escala de atuação que este mercado já exerce na cidade de São Paulo. Somente em 2024, foram lançadas 104.400 unidades habitacionais na capital - um aumento de 43% em relação a 2023. São centenas de frentes de obras, com canteiros ativos e investimentos robustos, promovendo transformações urbanas em larga escala, diariamente.

Tendo em vista os processos administrativos e burocráticos que regem as aprovações de projetos, construção e habite-se de novas obras e, usufruindo do modelo de PPP - Parcerias Público-Privada, pretende-se viabilizar a execução de projetos de interesse público, como obras e serviços - regulamentados pela lei 11.079/04 -, o PL propõe-se a combinar recursos e expertise do setor privado com a capacidade regulatória e do setor público. 

Nesse contexto, o projeto propõe uma lógica de contrapartida proporcional: para empreendimentos que ocupem mais de 50% da extensão de uma quadra, a responsabilidade pela execução da fiação subterrânea será integral para toda a quadra. Já os empreendimentos com menor área assumirão a execução proporcional - por exemplo, a metade da quadra. Esse modelo permite distribuir responsabilidades de forma justa e estratégica, evitando sobrecarga ao Poder Público.

As melhorias executadas poderão ser compensadas por meio de incentivos, tais como priorização no licenciamento de obras, com celeridade em etapas como aprovação de projeto legal, emissão de alvarás, obtenção de habite-se e liberações junto às concessionárias; redução ou isenção temporária de taxas municipais, inclusive aquelas relacionadas à aprovação de projetos e execução de obras; reconhecimento formal das melhorias urbanas como contrapartidas qualificadas, inclusive no cálculo de outorga onerosa; estímulo à formalização de PPPs e à negociação com concessionárias para viabilização coordenada da infraestrutura.

Essa proposta busca resolver um dos principais entraves da execução pública de infraestrutura: o retrabalho e o retalho urbano. Hoje, vias recém-requalificadas pela iniciativa privada são reabertas meses depois para instalação de dutos por parte do Poder Público ou concessionárias. Segundo o PL, o enterramento da fiação tornar-se-á parte do projeto urbanístico desde o início de uma determinada região, com o aproveitamento do momento da obra para executar múltiplas melhorias de forma sinérgica, reduzindo custos, evitando impactos urbanos e desorganização do espaço público - promovendo, assim, um modelo mais eficiente, estético e duradouro para a cidade.

Assim, o PL do grupo de estudo junto ao gabinete da vereadora Cris Monteiro propõe uma transformação significativa na paisagem urbana da cidade de São Paulo, estabelecendo diretrizes para as ações de modernização das redes elétricas e de telecomunicações, sem sobrecarga do erário público e fixando contrapartidas para as empresas construtoras e incorporadoras.

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1 Art. 17. Além da Administração Pública Municipal e dos responsáveis a que se refere o artigo 34 deste decreto, as calçadas poderão ser executadas ou reformadas por profissionais e empresas capacitadas, associações de moradores ou organizações não governamentais em regime de mutirão; Art. 34. Os responsáveis por imóveis, edificados ou não, lindeiros a vias ou logradouros dotados de guias e sarjetas são obrigados a executar, manter e conservar as respectivas calçadas na extensão correspondente à sua testada, na conformidade da normatização específica expedida pelo Executivo: https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-59671-de-7-de-agosto-de-2020

2 As Parcerias Público-Privadas, largamente conhecidas pela sua sigla PPP, podem ser entendidas como o ajuste firmado entre administração pública e a iniciativa privada, tendo por objeto a implantação e a oferta de empreendimento destinado à fruição direta ou indireta da coletividade, incumbindo-se a iniciativa privada da sua estruturação, financiamento, execução, conservação e operação, durante todo o prazo estipulado para a parceria, e cumprindo ao Poder Público assegurar as condições de exploração e remuneração pelo parceiro privado, nos termos do que for ajustado, e respeitada a parcela de risco assumida por uma e outra das partes. https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/32/edicao-1/parcerias-publico-privadas:-conceito

3 https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9elrg41dm3o

4 https://prefeitura.sp.gov.br/web/comunicacao/w/noticias/136987

5 Em sentido contrário, para o presidente da TelComp, é preciso estruturar uma política pública que defina o prazo para que essa intervenção seja feita, sem provocar caos na cidade. "Se for estipulado um prazo de 10 anos, já seria difícíl, porque São Paulo cresceu de forma desordenada. Por isso, não podemos demonizar a rede aérea porque foi ela que permitiu levar serviços até as regiões mais distantes", acrescenta. "Se proibir rede aérea, as periferias não terão mais acesso às redes". https://www.infomoney.com.br/consumo/apos-tempestade-aterramento-da-fiacao-eletrica-em-sp-volta-ao-debate-por-que-projeto-nunca-vingou/

Flávia Pereira Ribeiro

VIP Flávia Pereira Ribeiro

Pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa. Doutora e mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade Secovi/SP. Membro do IBDP, da ABEP, do CEAPRO e do IASP. Idealizadora da tese da "desjudicialização da execução civil" que é referência ao PL 6.204/2019/SN. Sócia do escritório Flávia Ribeiro Sociedade de Advogados.

Elisa Rosenthal

Elisa Rosenthal

Diretora presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário e fundadora da plataforma MI²B. Conselheira de empresas do setor. Colunista no Estadão e Exame. LinkedIn Top Voices. Autora de "Proprietárias" e "Degrau Quebrado". Vencedora do prêmio Conecta Imobi 22 e 23 - Voz Feminina e ESG. Por dois anos consecutivos eleita entre os amis influentes do setor imobiliário.

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