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Valuation de cotas sociais inventariadas

As cotas sociais da empresa em que autor da herança era sócio são consideradas como bem do espólio. Necessidade de valuation.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Atualizado às 16:38

AS COTAS SOCIAIS DA EMPRESA EM QUE AUTOR DA HERANÇA ERA SÓCIO SÃO CONSIDERADAS COMO BEM DO ESPÓLIO. NECESSIDADE DE VALUATION PARA SE DESCOBRIR O REAL VALOR DAS COTAS SOCIAIS QUE NÃO É O MERO VALOR NOMINAL REGISTRADO NO CONTRATO SOCIAL.

Leading Case - Processo 5677755-15.2022, da 1ª Vara de Sucessões da Comarca de Goiânia-GO. Decisão proferida pelo Juiz de Direito Titular da 1ª vara de Sucessões de Goiânia, Dr. Eduardo Walmory Sanches.

O operador do direito não pode esquecer que o direito de herança é uma garantia fundamental prevista no art. 5º, inciso XXX, da Constituição Federal. Com efeito, quando ocorre a morte do autor da herança, que era sócio de uma pessoa jurídica, a primeira medida a ser tomada pelo inventariante judicial será: apresentar, nos autos do processo de inventário, o contrato social da empresa para verificação da possibilidade de continuidade das atividades da empresa com os herdeiros.

Lembre-se, por oportuno, que se o contrato social prever o fim da sociedade, aplicam-se as regras de liquidação da sociedade empresária, com pagamento do passivo e rateio do remanescente (art. 1.103, IV, CCB), o que também envolve o patrimônio líquido da empresa. Nesse caso, haverá a necessidade de apuração de haveres. Por decorrência lógica, essa ação será ajuizada no juízo cível, porque a empresa em si (pessoa jurídica), não pertence ao espólio e não é considerada um bem do espólio. Da mesma forma, se não houver interesse dos herdeiros em continuar as atividades empresariais do autor da herança e, dependendo do regime jurídico estabelecido, ficar inviável sua continuidade.

Ressalte-se a redação do art. 1.028 do CC ensina:

"Art. 28. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido".

Por outro lado, existe a outra possibilidade legal da continuidade das atividades empresariais após a morte do autor da herança que era sócio da pessoa jurídica. Tal hipótese para ser possível deve estar prevista no contrato social e ser aceita pelos herdeiros. Por consequência, os herdeiros do autor da herança, assumirão a condição de sócios da empresa.

Revela notar que para o sucesso da partilha no processo de inventário judicial, é fundamental a avaliação de todo o patrimônio do espólio, garantindo a justa divisão da herança. Nesse ponto é imperioso destacar que as cotas sociais da empresa, em que o autor da herança era sócio, são considerados bens do espólio. Portanto, passível de avaliação e partilha.

Consoante se observa, todos os bens do espólio devem ser objeto de partilha no processo de inventário judicial. Compete ao juízo sucessório, durante o processo de inventário e partilha estabelecer com definitividade a proporção de cada cota social que caberá a cada um dos sucessores. Nesse sentido é o entendimento do ministro do STJ, Marco Aurélio Bellizze, relator no julgamento do EDcl no REsp 1.645.672/SP (2016/0326070-6): (.) "a disposição contratual que estabelece a possibilidade de sucessão de quotas sociais em nada influencia quanto à necessidade de inventário e partilha dos bens deixados pelo de cujus. Ao contrário, para se fazer cumprir a disposição contratual é imprescindível o acertamento da partilha, oportunidade em que será estabelecida com definitividade a proporção que caberá a cada um dos sucessores".

Merece registro que a cota social é considerada um bem do espólio (bem móvel) e possui valor econômico. Desse modo, toda avaliação, discussão e decisão sobre o destino desse bem, compete ao juízo sucessório. O operador do direito deve estar atento para não confundir tal situação fática, com a situação citada acima, referente a apuração de haveres no caso de não continuidade das atividades empresariais e extinção da pessoa jurídica.

Sabe-se que a cota social é a fração do capital social investido pelo sócio (autor da herança) que pertence ao espólio. A cota social é considerada um bem móvel com possibilidade de negociação. Por isso, a importância do "valuation" das cotas sociais durante o processo de inventário e partilha que deverá analisar inclusive o potencial e a capacidade de crescimento da empresa. Na atualidade, muitas empresas possuem patrimônio intelectual e não bens tangíveis (imóveis, estoque), por exemplo, as empresas de tecnologia.

Urge salientar que a função do inventariante é representar o espólio (conjunto de bens) para fins de inventário. Merece registro que o inventariante, em regra, não se torna o administrador da empresa deixada pelo autor da herança. Por conseguinte, a administração da empresa continua a ser da responsabilidade dos sócios remanescentes, ou dos órgãos de administração da empresa, conforme previsto no contrato social. Cabe ao contrato social estipular as normas de gestão e administração da pessoa jurídica.

Importante destacar, por outro lado, que apesar do inventariante, em regra, não se tornar o administrador das empresas deixadas pelo autor da herança, como a legítima (garantia fundamental) deve ser preservada, compete ao auxiliar do juízo a salvaguarda do respeito a esse direito.

Explico: a empresa possui personalidade jurídica própria, diferente dos sócios e, por esse motivo, os bens e as dívidas da empresa, não são do sócio, mas sim, da própria empresa. Por outro lado, vale lembrar que as cotas sociais fazem parte do inventário. Ou seja, o valor real das cotas sociais (e a discussão de valores que devem ser repassados aos herdeiros) que serão objeto de "valuation" faz parte da legítima (direito de herança) e, por decorrência legal e lógica, compete ao juízo universal do inventário tal discussão e julgamento. O respeito ao direito à legítima deve ser respeitado e preservado por todos.

À guisa de curiosidade, a doutrina apresenta vários métodos e formas de aferir o Valuation de uma empresa, ou seja, o valor justo das cotas sociais da empresa que o autor da herança era sócio: a) Fluxo de Caixa Descontado (fluxos de caixa futuros da empresa e os desconta a valor presente para determinar o valor da empresa e, consequentemente, das cotas); b) Múltiplos de Mercado: (comparação com empresas semelhantes no mercado, utilizando múltiplos como EBITDA, lucro ou faturamento para determinar o valor); c) Valor patrimonial ajustado (avaliação dos ativos da empresa ajustados por fatores de mercado, e o método de avaliação por fluxo de caixa futuro).

Desse modo, a regra que o inventariante não administra a empresa a qual o autor da herança era sócio deve ser relativizada. O contrato social determina quem exercerá a atribuição de administrar as empresas. Todavia, se ficar comprovado que tal administrador apresenta conduta empresarial que prejudica o valuation das cotas sociais, ou seja, prejudica o direito à legítima (direito de herança), o juízo sucessório, dentro do juízo universal do inventário, deve agir para salvaguardar esse direito (legítima). Segundo o ministro do STJ, Marco Aurélio Bellizze, no julgamento do REsp 2.054.388/SP, "O juízo do inventário é dotado de caráter universal expresso no art. 612 do CPC/15". Por conseguinte, o juízo sucessório pode e deve interferir, nesse caso, para garantir o direito fundamental de herança, previsto no art. 5º, inciso XXX, da Constituição da República.

Em conclusão:

Em regra, não compete ao inventariante a atribuição de administrar as empresas que o autor da herança era sócio. Conforme explicado nessa decisão, excepcionalmente, poderá ocorrer a interferência pontual e específica do juízo sucessório, com o auxílio do inventariante judicial, caso fique comprovado que o valor das cotas sociais está sendo dilapidado, em razão de má administração (má gestão) ou de má-fé do sócio-administrador das referidas empresas, como por exemplo, falta de transparência na gestão e na prestação de informações ao espólio.

Ressalte-se, por oportuno, que essa interferência, se necessária, será feita (autos apartados, através da ação de "valuation") ajuizado pelo inventariante judicial, que poderá inclusive solicitar a nomeação provisória e por prazo determinado, de uma empresa ou de um administrador profissional, com objetivo específico de salvaguardar e apurar o valor exato e real das cotas sociais (bem do espólio), garantindo à legítima e, por decorrência lógica, o direito de herança - garantia fundamental prevista no art. 5º, inciso XXX, da Constituição Federal).

Eduardo Walmory Sanches

VIP Eduardo Walmory Sanches

Juiz de direito da 1 vara de sucessões em Goiânia. Pós graduado em interesses Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Autor de livros.

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