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Advocacia sob pressão: IA e o esgotamento humano na era digital

A revolução tecnológica promete eficiência, mas escancara a urgência de cuidar da saúde mental, desenvolver inteligência emocional e resgatar o propósito da advocacia.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Atualizado às 16:44

A inteligência artificial está transformando a advocacia, disso ninguém mais duvida. Softwares que analisam jurisprudência, redigem petições e preveem decisões judiciais estão, em ritmo acelerado, ocupando tarefas antes executadas por advogados humanos. Um recente artigo do UOL (17/8/2025) mostra que grandes escritórios já estão operando com estruturas enxutas e alta produtividade graças à IA. O que não aparece nos relatórios desta eficiência, no entanto, é o custo emocional dessa transformação.

O advogado, que antes era ponte entre as partes e o Direito, começa a se ver como uma peça substituível por algoritmos. Essa percepção corrói o senso de propósito, esvazia a motivação e acende gatilhos de ansiedade, síndrome de impostor, depressão e burnout.

Enquanto os sistemas se tornam mais inteligentes, os profissionais se sentem cada vez mais pressionados, substituíveis e desconectados da essência do Direito: a escuta do conflito humano, a mediação de interesses, a busca por justiça. E isso está adoecendo uma geração inteira de advogados.

Um sistema acelerado, mas desumanizado?

A promessa da IA na advocacia é produtividade. E, de fato, ela entrega. Mas essa corrida por escala e automação impõe um novo tipo de sofrimento aos profissionais do Direito: a sensação de estar "sobrando" num sistema que valoriza mais a entrega mecânica do que a compreensão humana do problema jurídico.

O Direito continua sendo humano? Por mais que a IA otimize tarefas, o Direito lida, essencialmente, com sofrimento humano. Uma rescisão de contrato, uma disputa familiar, uma indenização por dano moral, tudo isso envolve sentimentos de dor, incerteza, conflito, expectativa, medo, raiva. Elementos que a IA não compreende, mas que o advogado precisa compreender se quiser exercer seu papel de forma plena na atualidade.

A sobrecarga emocional, o excesso de metas, a hiperconectividade e a sensação de fracasso frente às expectativas irreais do mercado geram um ciclo vicioso. O profissional se sente cada vez mais exausto, improdutivo e desconectado do seu trabalho, o que, ironicamente, o torna mais vulnerável à substituição pela própria tecnologia que o pressiona.

Advogar exige racionalidade, mas exige também presença, empatia, escuta e capacidade de lidar com a dor do outro, habilidades essencialmente humanas e profundamente emocionais.

A revolução da IA é um convite para revisitar os motivos pelos quais se escolhe o Direito. É hora de perguntar: Qual é o meu lugar neste novo cenário? Que tipo de advogado quero ser? Quais valores me guiam?

Essa reflexão pode levar a diferentes caminhos: Migrar para áreas menos impactadas pela automação, como Direito de Família, mediação ou direitos humanos. Reestruturar a relação com o trabalho, optando por formatos mais sustentáveis e extrajudiciais, sair do contencioso e atuar em frentes mais humanas, como compliance, ESG, gestão de pessoas, ou educação jurídica.

Para isso talvez seja necessário buscar capacitação emocional e psicológica - como terapia, mentoria de vida e carreira ou grupos de apoio. Mas é preciso também legitimar o sofrimento psíquico na advocacia deixando claro que o sofrimento psíquico não é sinal de fraqueza, pelo contrário, é um sinal de que algo precisa mudar. E a mudança começa pelo olhar interno.

A tecnologia é a ferramenta, mas a humanidade é a essência. A inteligência artificial pode ser uma aliada poderosa, mas jamais será substituta da sensibilidade humana. Advogar, em sua essência, é mediar conflitos, construir pontes e interpretar as múltiplas dimensões da vida humana à luz do Direito. E isso exige escuta, presença, ética e emoção,  atributos que nenhuma IA pode simular com legitimidade.

Vamos pensar sobre isso, se gostou do texto, compartilhe para que mais profissionais reflitam sobre o assunto.

Fátima Antunes

VIP Fátima Antunes

Psicóloga clinica especializada em profissionais da área jurídica. Coach de Vida e Carreira na área jurídica. Especialista em Gerenciamento do Stress. Autora do livro Estresse em Advogados..

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