Redes sociais e prisão preventiva
Análise da decisão do STJ que admite posts públicos como prova para prisão preventiva, destacando fundamentos constitucionais, limites processuais e tensão entre direitos fundamentais.
terça-feira, 28 de outubro de 2025
Atualizado às 14:39
1. Introdução
O advento das tecnologias digitais e a centralidade das redes sociais no cotidiano humano inauguraram um campo inexplorado para o processo penal. Informações outrora circunscritas à intimidade passaram a ser voluntariamente expostas em ambientes virtuais de amplo acesso, convertendo-se em possíveis fontes probatórias. Esse fenômeno suscita questões complexas: até que ponto o Estado pode valer-se de manifestações públicas em redes sociais para restringir a liberdade do indivíduo? Quais são os limites constitucionais e processuais dessa atuação?
O recente julgamento da 5ª turma do STJ, em agosto de 2025, enfrentou tais indagações ao admitir que magistrados consultem diretamente perfis públicos de investigados em redes sociais e utilizem esse material como fundamento para a decretação de medidas cautelares, inclusive a prisão preventiva. A decisão, unânime, justificou a prática como diligência suplementar, compatível com o sistema acusatório, desde que respeitados contraditório, imparcialidade e cadeia de custódia.
O tema, no entanto, não se exaure na constatação jurisprudencial. Ele mobiliza a doutrina, que exige rigor metodológico na admissibilidade da prova digital, apontando a necessidade de garantir autenticidade, integridade e rastreabilidade dos dados. Do mesmo modo, convoca a reflexão sobre direitos fundamentais em tensão: a liberdade de expressão, a proteção da privacidade e a estrutura acusatória do processo penal.
Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo analisar a utilização de redes sociais públicas como fundamento para a prisão preventiva, examinando seus contornos constitucionais, processuais, jurisprudenciais e doutrinários. Busca-se, sobretudo, delimitar critérios de legitimidade para que o uso de tais provas não se converta em instrumento de arbitrariedade, mas permaneça compatível com as garantias do devido processo legal e com a natureza excepcional da prisão cautelar.
2 A utilização de redes sociais públicas como fundamento para a prisão preventiva: Enquadramento normativo e jurisprudencial
2.1. Os fundamentos constitucionais e processuais da medida cautelar
A decretação da prisão preventiva, sobretudo quando embasada em publicações extraídas de perfis públicos de redes sociais, demanda um duplo olhar: de um lado, a estrita observância aos fundamentos constitucionais que asseguram o devido processo; de outro, a fidelidade ao regramento processual penal, que condiciona a medida a pressupostos objetivos e subjetivos.
A Constituição da República estabelece como garantia inderrogável a fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF), sob pena de nulidade. Não basta, portanto, a invocação genérica de expressões como "garantia da ordem pública" ou "gravidade abstrata do delito". É indispensável que o juiz demonstre, com base em elementos concretos, a existência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis. Nesse sentido, a própria Suprema Corte já advertiu que a prisão preventiva, por sua natureza excepcional, exige motivação idônea e contemporânea, não podendo se apoiar em fundamentos pretéritos ou esvaziados de atualidade.
Do ponto de vista infraconstitucional, o Código de Processo Penal disciplina a prisão preventiva no art. 312, delimitando hipóteses em que a liberdade do imputado representa risco efetivo à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. Ademais, o art. 282, § 6º, explicita que a medida somente será determinada quando não for cabível substituição por outra menos gravosa, observando-se os critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
A decisão da 5ª turma do STJ, publicada em agosto de 2025, procura harmonizar tais exigências ao reconhecer a possibilidade de o magistrado acessar diretamente conteúdos abertos de redes sociais, mas desde que o faça de maneira a não desbordar do papel de garantidor da imparcialidade, assegurando sempre o contraditório. Trata-se, assim, de diligência suplementar, compatível com o modelo acusatório, desde que limitada à função de corroboração probatória.
Esse enquadramento revela que a utilização de informações digitais públicas não é, por si, incompatível com a ordem constitucional, desde que acompanhada de motivação concreta e submetida ao crivo da defesa. Como bem observa Badaró, "a prova digital, assim como qualquer outra, deve ser submetida ao contraditório e à ampla defesa"1. Tal lição indica que o problema não reside no acesso à informação disponível em ambiente aberto, mas na maneira como essa informação é integrada à fundamentação judicial, em respeito às garantias constitucionais.
Assim, o balizamento constitucional e processual impõe que a prisão preventiva, ainda quando apoiada em manifestações públicas nas redes, se mantenha como medida ultima ratio, reservada a hipóteses em que não haja alternativa menos invasiva. Em outras palavras, a excepcionalidade da segregação cautelar é reforçada no contexto digital, exigindo do magistrado prudência redobrada, sob pena de se converter a publicidade das redes sociais em um atalho indevido para restringir a liberdade.
2.2. A jurisprudência do STJ e do STF
A hermenêutica acerca do uso de redes sociais públicas como fundamento para a decretação da prisão preventiva foi recentemente tensionada pela decisão da 5ª turma do STJ, em agosto de 2025, ocasião em que se firmou entendimento no sentido de que o magistrado pode consultar diretamente perfis abertos de investigados, utilizando tais elementos como suporte à decretação de medidas cautelares, inclusive a prisão preventiva.
O relator, ministro Joel Ilan Paciornik, destacou que o acesso a informações publicamente disponíveis não compromete a imparcialidade judicial, desde que configurada a atuação como diligência suplementar, análoga à prevista no art. 212, parágrafo único, do CPP, e desde que observado o contraditório. O acórdão assinalou ainda que essa prática encontra guarida no princípio do livre convencimento motivado (CPP, art. 155) e produz economia processual, aproximando-se do paradigma delineado pelo STF nas ADIns 6.298 a 6.305, que consolidaram a possibilidade de atuação judicial oficiosa em diligências complementares, desde que não usurpada a iniciativa probatória das partes.
A jurisprudência do STF, de fato, tem admitido que o magistrado, mesmo sob a égide do sistema acusatório, determine medidas instrutórias de ofício quando se trate de assegurar a confiabilidade da decisão e a realização da justiça, a exemplo do que se decidiu na ADIn 6.387 MC-Ref/DF, em conjunto com as ADIns 6.388, 6.389, 6.390 e 6.393, que reconheceram a compatibilidade de determinadas diligências com o modelo acusatório, desde que preservado o contraditório e a ampla defesa.
No entanto, os precedentes também assinalam que a utilização de tais provas deve se circunscrever a hipóteses de efetiva relevância probatória e não pode servir de mero reforço retórico a decisões genéricas. O STJ, em julgados anteriores, já havia advertido que a decretação da prisão preventiva exige fundamentação concreta, com base em dados objetivos e atuais do processo. Assim decidiu, por exemplo, no HC 509.304/AC, rel. min. Rogerio Schietti Cruz, ao afirmar que a custódia cautelar não pode ser mantida com base em meras conjecturas, devendo demonstrar contemporaneidade dos fatos e risco concreto à ordem pública ou à instrução criminal.
Do mesmo modo, o STF, no HC 160.280 MC, rel. min. Gilmar Mendes, destacou a possibilidade de substituição da prisão por medidas cautelares menos gravosas, reforçando a ideia de que a prisão preventiva é medida excepcionalíssima, sujeita a reavaliação constante, e que a sua imposição deve ser sempre justificada de modo proporcional e individualizado.
Esses precedentes revelam que, embora se reconheça a licitude da utilização de conteúdos de acesso público em redes sociais como prova indiciária, o seu valor jurídico depende da contextualização com outros elementos e da demonstração clara de sua pertinência para evidenciar o periculum libertatis. A mera ostentação de bens em redes sociais, por exemplo, não basta para caracterizar risco à ordem pública, se não houver nexo com a conduta criminosa imputada, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.
Em suma, tanto o STJ quanto o STF caminham no sentido de permitir a utilização de publicações públicas como elemento de reforço probatório, mas não como fundamento exclusivo ou isolado. A jurisprudência, nesse ponto, busca o equilíbrio entre a eficácia investigatória e a proteção das garantias constitucionais, impondo que a fundamentação judicial seja sempre robusta, concreta e compatível com os ditames do sistema acusatório.
2.3. O papel da doutrina na delimitação dos limites de admissibilidade da prova digital
A reflexão doutrinária sobre a admissibilidade da prova digital é decisiva para balizar o uso de redes sociais no processo penal. Não basta que o dado esteja publicamente acessível: é necessário refletir sobre sua legitimidade como meio de prova, sua compatibilidade com o sistema acusatório e a proteção das garantias constitucionais. Nesse ponto, a doutrina contemporânea tem atuado como instância crítica, delimitando critérios de validade e de racionalidade no uso desses elementos.
Badaró, em obra paradigmática, adverte que "a prova digital, assim como qualquer outra, deve ser submetida ao contraditório e à ampla defesa. Não basta a simples juntada de prints de tela ou de arquivos eletrônicos. É necessário garantir a autenticidade, a integridade e a rastreabilidade dos dados, sob pena de violação ao devido processo legal".2 A lição evidencia que a questão não reside apenas na licitude formal da coleta, mas sobretudo na idoneidade do material para servir de suporte a uma decisão judicial que restringe a liberdade.
Renato Brasileiro de Lima, por sua vez, alerta para o risco de decisões baseadas em provas frágeis ou genéricas. Para ele, "a decretação da prisão preventiva com base em informações genéricas obtidas em redes sociais representa um risco ao sistema acusatório e à presunção de inocência. É imprescindível que a decisão judicial demonstre, de forma clara e individualizada, como a conduta do agente nas redes sociais coloca em risco os bens jurídicos tutelados pelo art. 312 do CPP".3 Esse alerta reforça a necessidade de o magistrado resistir à tentação de fundamentar medidas restritivas de liberdade em percepções subjetivas, derivadas de aparente ostentação em redes sociais, sem contextualização probatória.
Outros autores caminham na mesma direção. Távora e Alencar sustentam que "a utilização de redes sociais como fundamento para a decretação de medidas cautelares deve ser vista com cautela, sob pena de criminalização da liberdade de expressão e de violação ao direito à privacidade".4 A advertência é clara: há um risco latente de que manifestações em ambiente digital sejam interpretadas como sinais de periculosidade, quando, na verdade, expressam apenas estilos de vida ou comportamentos culturais.
Por outro lado, a doutrina mais recente tem buscado fornecer parâmetros positivos para a admissibilidade. Marta Saad, Helena Costa Rossi e Pedro Henrique Partata, em artigo de 2024, defendem a necessidade de disciplina normativa própria para a obtenção e valoração de provas digitais, a fim de assegurar que a coleta e o uso desses elementos sejam compatíveis com direitos fundamentais.5 Ana Beatriz Carvalho Vieira, em reflexão publicada em 2025, acentua que a prova digital deve ser avaliada levando em conta a complexidade do ecossistema digital, o que impõe adaptação metodológica da dogmática processual tradicional.6
Essas vozes convergem para um ponto essencial: a prova digital, embora admissível, demanda rigor metodológico para não se converter em elemento de arbitrariedade. A cadeia de custódia, a preservação de metadados e a documentação de cada etapa de obtenção e análise constituem pressupostos inafastáveis de sua credibilidade. Nesse sentido, a doutrina não apenas alerta para os riscos, mas fornece critérios de admissibilidade que devem orientar a jurisprudência e a prática forense.
2.4. A questão da cadeia de custódia e da autenticidade da prova
A validade da prova digital no processo penal encontra um de seus pontos mais delicados na preservação da cadeia de custódia. Se é certo que o acesso a publicações em perfis abertos de redes sociais não configura, por si, violação de direitos fundamentais, também é certo que a sua utilização em juízo reclama a comprovação inequívoca de que o material apresentado corresponde, em autenticidade e integridade, ao conteúdo original. Sem esse lastro, a prova perde densidade epistemológica e torna-se vulnerável à manipulação.
A legislação brasileira, ao introduzir os arts. 158-A a 158-F no CPP, buscou justamente sistematizar o conjunto de procedimentos que asseguram a rastreabilidade do vestígio, desde a sua coleta até a sua análise em juízo. No campo das provas digitais, tal exigência assume contornos ainda mais rigorosos, dado o caráter volátil das informações em ambiente eletrônico, passíveis de edição, supressão ou adulteração em questão de segundos.
A doutrina é unânime em ressaltar esse ponto. Cláudia Eustáquia Diniz Mendes de Resende assevera que "a documentação da cadeia de custódia é essencial para garantir a autenticidade e integridade da prova digital, caso contrário, ela pode ser desconsiderada".7 A adaptação dos critérios de admissibilidade tradicionais à realidade tecnológica é inevitável, sob pena de tornar ineficaz o controle judicial.
O STJ, em diversos precedentes, já advertiu que a ausência de prova da integridade compromete a validade do elemento digital, podendo acarretar a nulidade da decisão que nele se funde. O problema se acentua no âmbito das redes sociais, em que a apresentação de simples prints de tela, desacompanhados de certificação notarial ou perícia, não satisfaz as exigências do devido processo legal. O ideal, como reconhecem tanto a doutrina quanto a jurisprudência, é que o conteúdo seja preservado mediante ata notarial, com registro de URL, data e metadados, de modo a permitir sua verificação posterior.
Além disso, a cadeia de custódia não se reduz a um formalismo. Ela é instrumento de confiabilidade probatória, expressão de um compromisso entre a busca da verdade e a preservação das garantias processuais. Como bem anota Neto, a cadeia de custódia funciona como mecanismo de controle epistemológico no processo penal, fornecendo os parâmetros que separam uma prova confiável de um dado arbitrário ou contaminado.8
Nesse contexto, a decisão da 5ª turma do STJ, ao permitir o uso de postagens públicas como fundamento para a prisão preventiva, reforça implicitamente a necessidade de observância estrita da cadeia de custódia. A jurisprudência não legitima o arbítrio do julgador, mas impõe que a defesa tenha acesso integral ao material, com possibilidade de verificar sua origem e contestar sua integridade. O que se demanda, portanto, não é apenas o acesso à informação, mas a demonstração de que essa informação é fidedigna e juridicamente idônea.
2.5. Liberdade de expressão, privacidade e sistema acusatório em tensão
O ponto nevrálgico da discussão sobre a utilização de redes sociais públicas como fundamento para a prisão preventiva está na tensão entre três pilares do Estado de Direito: a liberdade de expressão, a proteção da privacidade e o respeito ao sistema acusatório. O caso decidido pela 5ª turma do STJ em agosto de 2025 evidenciou essa delicada equação, ao admitir a utilização de postagens públicas como elementos aptos a corroborar a necessidade de medidas cautelares.
De um lado, o art. 5º, IV e IX, da Constituição garante a liberdade de manifestação do pensamento e de expressão, vedado o anonimato. O espaço digital tornou-se um dos principais ambientes para o exercício desses direitos, ampliando vozes e consolidando esferas de debate público. Reduzir a expressão virtual a indício automático de periculosidade, sem análise crítica, seria esvaziar esse direito fundamental. Por isso, a doutrina alerta para o risco de se criminalizar a ostentação ou a mera exibição cultural em redes sociais como prova de condutas ilícitas. Távora e Alencar, por exemplo, afirmam que o uso de redes sociais como fundamento para medidas cautelares "deve ser visto com cautela, sob pena de criminalização da liberdade de expressão e de violação ao direito à privacidade".9
De outro lado, a privacidade - igualmente consagrada no art. 5º, X, da Constituição - não se esgota no critério binário entre perfis públicos e privados. Ainda que o usuário disponibilize informações a todos, permanece o dever estatal de observar proporcionalidade e finalidade legítima no uso desses dados. A interpretação segundo a qual tudo que é público pode ser ilimitadamente apropriado pelo Estado não resiste ao crivo das garantias constitucionais. O equilíbrio exige que o dado público seja examinado em contexto e que sua utilização não se traduza em intromissão abusiva ou arbitrária.
A terceira dimensão desse debate recai sobre o sistema acusatório. A lei 13.964/19 reforçou a separação entre as funções de acusar, defender e julgar. Nesse modelo, não cabe ao juiz assumir o papel de investigador ou parte. O STJ, contudo, procurou justificar a consulta a perfis públicos como diligência suplementar, não como iniciativa probatória substitutiva do Ministério Público. A compatibilização entre a imparcialidade judicial e a atuação oficiosa depende, portanto, de uma linha muito tênue: o magistrado pode corroborar elementos já existentes, mas não transformar sua função em atividade inquisitiva.
Esse entrechoque normativo é também objeto da crítica de Renato Brasileiro de Lima, ao advertir que decisões baseadas em informações genéricas de redes sociais colocam em risco "o sistema acusatório e a presunção de inocência".10 A advertência ecoa nos precedentes do STF, como no HC 160.280 MC, rel. min. Gilmar Mendes, em que se afirmou a possibilidade de substituição da prisão por medidas cautelares menos gravosas, reforçando a excepcionalidade da restrição à liberdade.
Em síntese, a tensão entre liberdade de expressão, privacidade e sistema acusatório não se resolve pela simples permissão de acesso a perfis públicos. Exige-se um exame proporcional, contextual e fundamentado, de modo a assegurar que a excepcionalidade da prisão preventiva não se converta em regra mascarada pela ubiquidade das redes sociais. A doutrina e a jurisprudência convergem para a mesma advertência: o uso de dados digitais deve ser restrito, controlado e sempre acompanhado de motivação individualizada, sob pena de esgarçar os alicerces constitucionais do processo penal democrático.
3. Considerações finais
O recente julgamento da 5ª turma do STJ, em agosto de 2025, ao reconhecer a possibilidade de utilização de conteúdos públicos de redes sociais como fundamento para a decretação da prisão preventiva, não apenas inaugura uma nova fase no debate sobre a prova digital no processo penal, mas também reitera a centralidade das garantias constitucionais na aplicação de medidas cautelares.
Se, por um lado, não há dúvida de que a realidade contemporânea exige a incorporação de novas fontes probatórias - em especial aquelas oriundas do ambiente digital, onde condutas sociais e até ilícitas se manifestam com inegável repercussão -, por outro, é igualmente incontroverso que tal incorporação deve se submeter a balizas estritas. A excepcionalidade da prisão preventiva permanece como cláusula inafastável, devendo a fundamentação judicial revelar, de maneira clara e individualizada, a necessidade concreta da medida.
A doutrina, ao exigir rigor metodológico na admissibilidade da prova digital, desempenha função de contrapeso frente ao risco de banalização da cautelar. Como acentuou Badaró, a autenticidade e a integridade do dado são pressupostos essenciais; como advertiu Renato Brasileiro de Lima, a generalização do uso de publicações em redes sociais ameaça a presunção de inocência. A jurisprudência do STF e do próprio STJ, por sua vez, reforça que a prisão cautelar deve estar sempre vinculada a fatos contemporâneos e concretos, rejeitando decisões amparadas em meras conjecturas ou percepções subjetivas.
O desafio, portanto, está em equilibrar a eficácia da persecução penal e a proteção dos direitos fundamentais. O acesso a perfis públicos não pode ser convertido em licença irrestrita para fundamentar medidas privativas de liberdade. É necessário que cada ato judicial seja motivado à luz do sistema acusatório, preservando a imparcialidade do juiz e garantindo à defesa acesso integral e contraditório sobre o material colhido.
Em última análise, a decisão do STJ não significa um aval para a invasão da esfera privada, mas um chamado à responsabilidade interpretativa: a prova digital é realidade incontornável, mas seu uso há de ser contido, controlado e compatível com os parâmetros constitucionais. O processo penal democrático só se sustenta se a busca da verdade não for apartada da preservação das liberdades.
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Referências
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NETO, MSL. Prova digital: a cadeia de custódia como mecanismo de controle epistemológico no processo penal. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2025.
PASTORE, Guilherme de Siqueira. Considerações sobre a autenticidade e a integridade da prova digital. Cadernos Jurídicos. São Paulo: Tribunal de Justiça de São Paulo, 2020.
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1 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 450.
2 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 450.
3 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 600.
4 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 15. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 800.
5 SAAD, Marta; ROSSI, Helena Costa; PARTATA, Pedro Henrique. A obtenção das provas digitais no processo penal demanda uma disciplina jurídica própria?. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 10, n. 3, 2024, p. 1-25.
6 VIEIRA, Ana Beatriz Carvalho. Investigação criminal e tecnologias digitais: algumas reflexões sobre o policiamento preditivo e a admissibilidade de provas digitais. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, 2025, p. 2-7.
7 RESENDE, Cláudia Eustáquia Diniz Mendes de. A prova digital no processo judicial. Revista Judiciária do Brasil, Ed. Esp. Direito Digital, Brasília, jul./dez. 2023, p. 151.
8 NETO. Prova digital: a cadeia de custódia como mecanismo de controle epistemológico no processo penal. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2025.
9 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 15. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 800.
10 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 600.
Paulo Vitor Faria da Encarnação
Mestre em Direito Processual. UFES. [email protected]. Advogado. OAB/ES 33.819. Santos Faria Sociedade de Advogados.


