Adultização e exposição de menores: Desafios e caminhos de proteção
O desafio está em estabelecer um controle que seja eficaz para impedir práticas nocivas, mas suficientemente equilibrado para preservar usos construtivos.
quinta-feira, 21 de agosto de 2025
Atualizado às 10:44
Nos últimos dias, o debate sobre a "adultização" e a exposição de menores ganhou grande repercussão nacional, impulsionado por casos amplamente discutidos nas redes sociais envolvendo influenciadores mirins, conteúdos sexualizados e o papel das plataformas digitais.
O assunto ganhou destaque depois que o influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, publicou um vídeo denunciando produtores de conteúdo de exploração infantil e explicando como a monetização e os algoritmos contribuem para essa prática.
A repercussão desses episódios levantou um alerta sobre o assunto e reacendeu a preocupação com práticas que, sob a aparência de entretenimento ou publicidade, expõem crianças e adolescentes a contextos e linguagens próprias da vida adulta, com potenciais danos à sua integridade física, psicológica e moral.
Adultização: Impactos psicológicos, sociais e jurídicos
A adultização pode ser entendida como o estímulo para que crianças e adolescentes adotem comportamentos, estéticas, discursos ou papéis típicos da vida adulta, muitas vezes associados à sexualidade, ao consumo e a padrões de imagem incompatíveis com sua fase de desenvolvimento.
O fenômeno, que é amplificado pela internet e pela cultura de exposição em redes sociais, traz riscos relevantes para as crianças.
No aspecto psicológico, a adultização pode antecipar conflitos de identidade; distorcer a autoimagem da criança; impor uma pressão por padrões inatingíveis e, ainda, normalizar condutas inapropriadas.
Do ponto de vista jurídico, a adultização pode configurar crimes contra a dignidade sexual, exploração infantil e violação de direitos previstos no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente.
A questão é complexa, pois envolve desde a responsabilidade dos pais ou responsáveis, que por vezes participam ou incentivam a exposição, até a atuação de anunciantes e plataformas que se beneficiam do engajamento gerado por esse tipo de conteúdo.
O ECA, lei 8.069/1990, em seus arts. 5º, 17 e 18, assegura o direito à dignidade, à preservação da imagem e ao respeito à condição peculiar de desenvolvimento da criança e do adolescente. O Código Penal, por sua vez, tipifica crimes como exploração sexual e corrupção de menores, enquanto o marco civil da internet estabelece princípios e regras para a proteção da privacidade e prevê a retirada de conteúdos ilícitos.
Já a lei 13.431/17, conhecida como "lei da escuta protegida", instituiu um sistema de garantia de direitos à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência, abrangendo também a violência psicológica e sexual.
Além disso, a lei e a Constituição Federal impõem aos pais e responsáveis o dever legal de proteger os filhos contra situações que comprometam seu desenvolvimento, sob pena de responsabilização civil e, em casos mais graves, ocasionando a perda do poder familiar.
Perspectivas para a proteção de crianças e adolescentes
Em que pese o ordenamento jurídico brasileiro prever mecanismos de proteção às crianças e adolescentes, projetos em tramitação no Congresso Nacional buscam regulamentar de forma mais específica a presença de menores nas redes sociais.
As propostas contêm previsões no sentido de limitar a idade mínima para criação de perfis; a restrição de monetização de conteúdo; a imposição de exigência de consentimento parental para determinadas atividades e a adoção de protocolos de proteção contra conteúdos nocivos e restrições à publicidade direcionada.
Em 2025, parlamentares anunciaram um pacote legislativo voltado à proteção online de menores, entre eles, o PL 2.628/22, que regulamenta a proteção de crianças e adolescentes nos ambientes digitais, impondo, entre outras regras, que fornecedores de produtos e serviços adotem mecanismos que viabilizem a denúncia, às autoridades, de conteúdos de exploração e abuso sexual infantil.
O projeto estabelece, igualmente, que a publicidade digital direcionada a crianças e adolescentes não estimulem ofensas, discriminação, ou que induzam sentimento de inferioridade no público.
Após as denúncias feitas pelo influenciador Felca sobre o uso indevido de imagens infantis, 32 PLs foram apresentados na Câmara dos Deputados sobre o assunto.
As propostas incluem a previsão de proibição da monetização de conteúdos digitais com a participação de crianças e adolescentes; a definição de obrigações e penalidades às plataformas digitais na prevenção e repressão à adultização e exploração sexualizada de crianças e adolescentes e, ainda, a criminalização da produção e divulgação de conteúdo que incite ou estimule criança ou adolescente à prática de ato que possa causar dano a sua integridade física, entre vários outras.
O trabalho artístico e publicitário de menores e a necessidade de alvará judicial
Outro importante ponto sobre o assunto diz respeito à necessidade de obtenção de alvará judicial para a realização de trabalho remunerado por crianças e adolescentes, como a sua participação em campanhas publicitárias, produções audiovisuais ou em atividades artísticas em geral.
Para proteger a integridade física, psíquica e moral dos menores, a Constituição Federal, o ECA e a recomendação 139/22, do CNJ, estabelecem que o trabalho infantil artístico só é permitido em caráter excepcional e mediante análise judicial das condições e dos riscos envolvidos. Se, nessa verificação, o Ministério Público e o magistrado atestam a viabilidade do trabalho infantil, sem prejuízo para a sua integridade e desenvolvimento, o alvará é expedido.
No que tange às propagandas de menores em redes sociais, contudo, o assunto ganha contornos que merecem especial atenção.
É que, em que pese tratar-se, igualmente, de um trabalho remunerado, as propagandas feitas em redes sociais não recebem a devida fiscalização, restando aos pais o controle sobre a imagem dos seus filhos e a iniciativa para a sua realização nos moldes previstos pela lei.
Como em qualquer processo judicial, mormente aqueles que envolvem menores de idade, o procedimento para a obtenção do alvará é lento e burocrático, o que, muitas vezes, acaba desestimulando a sua providência pelos envolvidos.
Em que pese essa morosidade ser fruto da análise cuidadosa acerca do melhor interesse da criança, promover a celeridade de tais processos, bem como a regulamentação e a adoção de medidas que viabilizem uma fiscalização efetiva dos trabalhos realizados por menores neste meio seriam muito bem-vindas.
Tais providências representariam, a um só tempo, a proteção do menor contra eventuais abusos e exploração indevida e o seu exercício legítimo à liberdade de expressão, nos termos permitidos na lei.
Embora a preocupação com a adultização e a exposição indevida seja legítima e urgente, é necessário reconhecer que o ambiente digital, quando utilizado de forma responsável e supervisionada, pode representar uma oportunidade valiosa para o desenvolvimento intelectual, social e criativo das crianças e adolescentes.
Nesse sentido, o combate jurídico e social deve se voltar contra condutas abusivas e prejudiciais, aquelas que violam a dignidade, exploram a imagem ou colocam em risco o desenvolvimento saudável, sem inviabilizar o acesso a experiências positivas que a internet pode oferecer ao público infantojuvenil.
Plataformas digitais, quando utilizadas com orientação e acompanhamento parental, podem proporcionar acesso a conteúdos educativos, culturais e artísticos, ampliar horizontes e estimular talentos, como no caso de crianças que compartilham produções artísticas, projetos científicos ou atividades esportivas.
O desafio, portanto, está em estabelecer um controle que seja eficaz para impedir práticas nocivas, mas suficientemente equilibrado para preservar e incentivar usos construtivos e enriquecedores.
Essa ponderação é essencial para que a regulação do ambiente digital não se transforme em censura excessiva, mas sim em instrumento de proteção e promoção de um desenvolvimento pleno e saudável.
Luiz Augusto de Andrade Benedito
Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especializado em Direito Imobiliário pela Faculdades Metropolitanas Unidas FMU/SP e pelo SECOVI/SP. Atuação prévia em escritórios nacionais e internacionais de grande porte, nas áreas Cível, Contratual e Imobiliária.



