Internet, IA e adultização infantil: Desafios jurídicos no Brasil
O artigo revela como a internet e a IA aceleram a adultização infantil, desafiando leis e direitos. Um alerta jurídico e social urgente sobre infância e tecnologia.
quinta-feira, 21 de agosto de 2025
Atualizado às 13:32
A relação entre o uso da internet, o avanço da IA - inteligência artificial e a adultização infantil apresenta um cenário complexo que desafia a proteção integral da criança e do adolescente, garantida pela Constituição Federal de 1988. A adultização consiste em atribuir às crianças e adolescentes características, responsabilidades ou representações típicas da vida adulta, muitas vezes de forma sexualizada, afetando diretamente o seu desenvolvimento saudável. No ambiente digital, esse fenômeno é intensificado pelo acesso aos conteúdos inapropriados e pela disseminação de ferramentas tecnológicas baseadas em IA.
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 227, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à dignidade, respeito e proteção contra qualquer forma de negligência, exploração ou violência. No ambiente digital, essa proteção é reforçada pelo MCI - Marco Civil da Internet - lei 12.965/14 - que impõe a provedores o dever de manter mecanismos de transparência e cooperação na retirada de conteúdos ilícitos. O acesso precoce a vídeos, jogos e redes sociais com conotação sexualizada contraria tais dispositivos e coloca crianças em posição de vulnerabilidade, promovendo a adultização precoce.
É imperioso dizer que, o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente - lei 8.069/1990 - é taxativo ao criminalizar a produção, divulgação e consumo de material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes (arts. 240 a 241-E). A chegada de ferramentas de IA capazes de gerar "deepfakes" de nudez infantil torna ainda mais urgente a aplicação desses dispositivos. Casos recentes mostram como aplicativos de manipulação de imagens vêm sendo usados por colegas de escola para criar conteúdo sexual falso envolvendo crianças, configurando infração penal e grave violação da dignidade infanto juvenil.
Ademais, o art. 4º do ECA impõe ao poder público e à sociedade o dever de assegurar a efetiva proteção contra qualquer forma de exploração, que no contexto digital assume novas faces com a tecnologia.
Outro ponto crucial é a aplicação da LGPD - lei 13.709/18. O tratamento de dados pessoais de crianças (até 12 anos) exige consentimento específico e destacado de pelo menos um dos pais ou responsável legal (art. 14, §1º), significando que, qualquer coleta ou uso de imagens, vídeos e informações de menores sem esse consentimento constitui infração legal. Em complemento, a manipulação de fotos de crianças por IA para fins sexualizados viola a LGPD e pode gerar responsabilização administrativa, civil e criminal.
Adicionalmente, o PL 2338/23, em tramitação no Congresso Nacional, que trata da regulamentação da IA no Brasil, propõe diretrizes específicas para sistemas de alto risco, incluindo aqueles que impactam crianças, reforçando a necessidade de salvaguardas.
Outro aspecto relevante é o viés de algoritmos de IA. Estudos internacionais já revelaram que esses algoritmos podem perpetuar preconceitos de raça e gênero, como retratar meninas negras como mais velhas ou sexualizadas. No Brasil, essa questão se alinha à lei antidiscriminação (lei 7.716/1989), que criminaliza práticas discriminatórias. Quando a tecnologia amplifica esses vieses, o resultado é a perpetuação de desigualdades sociais e a intensificação da adultização em grupos historicamente vulneráveis, com efeitos psicológicos e sociais graves, incluindo ansiedade e depressão.
A adultização infantil, impulsionada pelas tecnologias digitais, tem sérias repercussões psicológicas e sociais, como ansiedade, depressão e estigmatização. O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, do CONANDA, inclusive, já reconhece a internet como um vetor de risco. É dever do Estado, conforme o art. 227 da Constituição e o art. 70 do ECA, instituir políticas públicas eficazes para monitorar e coibir práticas digitais que levem à exploração e adultização precoce.
A convergência entre internet, IA e a adultização infantil desafia o ordenamento jurídico vigente, demandando uma aplicação integrada da Constituição Federal, do ECA, da LGPD, do Marco Civil da Internet e da legislação penal. É fundamental que a sociedade exija das plataformas digitais e desenvolvedores de IA a implementação de princípios como o Privacy by Design e outros mecanismos de segurança. Paralelamente, o poder público deve fortalecer a regulamentação, a fiscalização da IA e promover a educação digital para famílias e instituições de ensino.
Somente assim será possível assegurar que as crianças cresçam em um ambiente digital saudável, protegido e condizente com sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.


