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Dispensa motivada de empregado público de estatal antes do Tema 1.022

Consequências jurídicas da desconstituição da motivação de dispensa de empregado de estatal antes da tese firmada no Tema 1.022 de repercussão geral do STF.

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Atualizado às 10:58

Em artigo anterior1, havíamos nos debruçado sobre o vai e vem do STF acerca da necessidade ou não de motivação na dispensa de empregado de empresa estatal.

Nele, mencionamos a paradigmática decisão do Supremo ao RE 589.998, publicada em setembro de 2013, quando se estabeleceu a obrigatoriedade de motivação na dispensa de empregados dos Correios, por ser empresa pública que atua em serviço público em regime de monopólio. Conquanto à época pairasse dúvida sobre se a obrigação se estenderia a outras estatais, ela esmaeceu em dezembro de 2018, com a publicação do acórdão aos embargos de declaração, que restringiu tal obrigatoriedade à ECT.

Por fim, nos debruçamos sobre o julgamento do RE 688.267, do qual derivou a ementa do Tema 1022 de repercussão geral:

"As empresas públicas e as sociedades de economia mista, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo. Tal motivação deve consistir em fundamento razoável, não se exigindo, porém, que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista."

Logo, aquela restrição de 2018 caiu por terra, porquanto a obrigação de motivar a dispensa, segundo a novíssima interpretação do STF, se aplicaria às empresas públicas e sociedades de economia mista indistintamente, "sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica".

A despeito disto, o recurso extraordinário interposto pelos trabalhadores do Banco do Brasil que serviu de base para firmar a tese (no qual pretendiam a nulidade da dispensa e consequente reintegração do emprego) não foi provido, de modo que os efeitos do novo entendimento são prospectivos, aplicáveis a situações ocorridas após a publicação da ata de julgamento, em 4 de março de 2024.

Entretanto, não foram raras as circunstâncias anteriores ao referido julgamento em que empresas estatais de todo gênero, ao dispensarem empregados, apresentaram motivações, ainda que houvesse razoável dúvida sobre a obrigação de fazê-lo.

Situações como estas suscitaram dúvidas acerca das consequências decorrentes da desconstituição judicial das motivações declinadas pelo gestor público para dispensar trabalhadores.

Debruçando-se sobre a jurisprudência trabalhista, descobre-se que estatais já dispensavam trabalhadores sob justificativas financeiras, baixo desempenho ou mediante o enquadramento do trabalhador nalguma hipótese de justa causa.

Uma vez contestada a motivação em juízo, em vista do regime jurídico celetista e da sistemática da distribuição dinâmica do ônus da prova, é certo que incumbe ao empregador a prova da veracidade das razões motivadoras da dispensa, mesmo quando se tratar o empregador de ente da administração pública indireta.

Agora, comprovada a inveracidade da alegação do empregador público, a jurisprudência trabalhista é firme em fiar-se à teoria dos motivos determinantes, segundo a qual "os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efetivos jurídicos"2.

Segundo o vaticínio de Hely Lopes Meirelles, até mesmo "os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos" de sorte que se houver "desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido"3.

Inválido o ato, não surte efeitos no mundo jurídico, sendo devidos os salários e benefícios do empregado desde a despedida, obrigando-se o empregador, ainda, a reintegrar o trabalhador sob as mesmas condições anteriores.

Está claro, então, que nem todo caso de dispensa de empregado público antes da publicação do acórdão do RE 688.267 redundará em ausência de consequências. Caso se comprove que eventual motivação declinada tenha sido falsa, o trabalhador será reintegrado e indenizado.

_________

1 A necessidade de motivação na demissão de empregado de estatal e a decisão do STF (https://www.migalhas.com.br/depeso/402268/necessidade-de-motivacao-na-demissao-de-empregado-de-estatal)

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 11 ed. Atualizada, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985. p. 157

3 IBIDEM.

Nicolas Basilio

VIP Nicolas Basilio

Bacharel em direito no Largo de São Francisco-USP. Especialista em direito material e processual do trabalho na COGEAE-PUC/SP. Advogado trabalhista, sócio da TJ Martins Advogados.

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