Metaverso em colapso: 5 lições para o Direito, a tecnologia e a gestão de riscos
O metaverso expôs limites da euforia tecnológica, mostrando que propósito, regulação e acessibilidade garantem inovação com valor e justiça.
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
Atualizado em 21 de agosto de 2025 15:57
Durante anos, o metaverso foi apresentado como a próxima revolução da internet. A mudança do nome do Facebook para "Meta" em 2021, acompanhada de um investimento bilionário (mais de US$ 36 bilhões até 2023), consolidou a aposta de Mark Zuckerberg em mundos virtuais como o futuro da interação digital. Escritórios de advocacia criaram sedes virtuais, governos testaram experiências em realidade aumentada, e setores inteiros embarcaram na onda. No entanto, a realidade se impôs: demissões em massa, abandono de projetos e plataformas vazias.
Este artigo propõe uma reflexão ponderada sobre os caminhos da inovação, seus riscos e aprendizados. Não é uma negação à tecnologia, mas um chamado à responsabilidade e à sabedoria em sua aplicação.
O metaverso não falhou por falta de avanço tecnológico. Ele tropeçou na ausência de sentido. Muitos projetos foram lançados sem um problema real a resolver, guiados mais pela pressão de parecer inovador do que pela efetiva entrega de valor.
No mundo jurídico e institucional, essa pressa também se reflete na implementação de soluções digitais sem escuta dos usuários, sem testes adequados e sem métricas de impacto. A verdadeira inovação nasce da empatia, do diagnóstico correto e da aplicação contextualizada.
Enquanto cidades virtuais eram projetadas, milhões de pessoas no Brasil e no mundo ainda lutam com conexão instável, falta de equipamentos e baixo letramento digital. Criar soluções sofisticadas sem garantir acessibilidade é aprofundar desigualdades.
Inovação que não alcança as pessoas é apenas luxo tecnológico. No Direito, isso se traduz em sistemas processuais pouco intuitivos, audiências digitais excludentes e iniciativas que falham em promover justiça efetiva.
Em ecossistemas digitais altamente dinâmicos como o metaverso, onde interações sociais, econômicas e institucionais ocorrem em tempo real, a regulação precisa ser parceira estratégica desde o início do desenvolvimento. Infelizmente, não foi isso que ocorreu. A urgência de colocar produtos no mercado sobrepôs a preocupação com os fundamentos legais e éticos da inovação.
Em ambientes como o metaverso, surgem novas fronteiras para o Direito:
- Contratos firmados entre avatares em territórios virtuais;
- Créditos e ativos digitais com valor econômico real;
- Dados sensíveis sendo compartilhados por dispositivos de imersão;
- Obra intelectual criada por inteligência artificial;
- Perfis e identidades digitais que precisam de proteção.
A ausência de regulação não é sinal de liberdade criativa, mas de insegurança. Sem marcos legais claros, os usuários ficam vulneráveis, as empresas expostas e o avanço tecnológico desacompanhado de legitimidade.
Como juristas, devemos deixar de ser apenas reativos à inovação. Devemos assumir papel ativo, trabalhando lado a lado com designers, engenheiros, programadores e decisores públicos na criação de tecnologias seguras, responsáveis e juridicamente sustentáveis.
A opinião pública e empresarial global tem se tornado cada vez mais cética quanto à viabilidade do metaverso. Grandes empresas recuaram. A Microsoft encerrou projetos ligados ao metaverso corporativo em 2023. A Disney dissolveu sua divisão dedicada a experiências virtuais. Gigantes como a Google e a Apple passaram a investir em realidade aumentada com aplicações mais concretas, sem usar o termo "Metaverso". Investidores passaram a cobrar retorno real, e não apenas narrativas futuristas.
Os reflexos práticos incluem cortes de verba, redirecionamento de times de P&D e uma maior demanda por regulação e análise de impacto tecnológico. O mercado compreendeu que, sem um ecossistema funcional, juridicamente protegido e socialmente acessível, nenhuma promessa tecnológica se sustenta por muito tempo.
Inovações eficazes não são aquelas que apenas impressionam. São aquelas que resolvem. E isso só acontece quando há escuta real, testes com usuários, liderança colaborativa e abertura ao erro.
Como especialista em soft skills, defendo que a liderança tecnológica precisa ser mais humana. O metaverso fracassou também por ter sido pensado para agradar investidores, não para servir pessoas.
Antes de aderir à próxima grande promessa digital, façamos perguntas essenciais:
- Qual problema real estamos tentando resolver?
- Essa solução é acessível para todos os usuários?
- Existe uma base jurídica sólida para sua implantação?
- As áreas de compliance, privacidade e segurança foram ouvidas?
- Está claro como essa tecnologia será mantida e avaliada?
A inovação que perdura é a que transforma com responsabilidade. Ela exige planejamento, regulação, escuta e senso de propósito.
O colapso do metaverso não deve ser visto como um fracasso da tecnologia, mas como um alerta sobre os limites da euforia tecnológica. Não se trata de temer o novo, mas de acolhê-lo com serenidade, ancorado em propósito, justiça e humanização.
O jurista do futuro é aquele que inova com senso crítico. Que participa desde o início dos processos de criação, garantindo que a tecnologia esteja a serviço das pessoas e não da especulação.
Porque o novo, sem sentido, é apenas uma distração sofisticada. A verdadeira revolução é aquela que é sustentável, justa e humana.
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Referências bibliográficas
META Platforms Inc. (2023). Relatórios Financeiros Anuais - Reality Labs. Disponível em: https://investor.fb.com
BBC News Brasil. (2023). Microsoft abandona o metaverso corporativo. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese
The Verge. (2023). Disney eliminates metaverse division. Disponível em: https://www.theverge.com
OECD (2023). Regulatory Frameworks for Emerging Technologies: Aligning Innovation and Governance.
Zuboff, Shoshana. (2019). The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power. PublicAffairs.
Tapscott, Don; Tapscott, Alex. (2016). Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin Is Changing Money, Business, and the World. Penguin.
Mabel Cristina Santos Guimarães
Advogada de inovação jurídica, UX Jurídica, Legal Storyteller. Pós graduada em Direito Administrativo (UFPE) e LegalTech: Direito, inovação e startups (PUC), Especialista em Business Analytics e Ciência de Dados (UNICAP) e Soft Skills (University of Chicago), sócia do Urbano Vitalino Advogados, colunista da Revista Paradigma e Premiada como Expressão Brasil 2022 e 2024.


