O novo agravo (IN 40/TST) e a multa como mordaça à advocacia
A resolução 224/TST criou o agravo interno (IN 40), mas a aplicação da multa pune o advogado, inibe o debate sobre precedentes e transforma o novo recurso em uma armadilha para a ampla defesa.
segunda-feira, 25 de agosto de 2025
Atualizado às 11:00
A recente alteração promovida pela resolução 224/24 do TST, ao instituir o agravo interno como via exclusiva para impugnar a negativa de seguimento a recurso de revista com base em precedentes vinculantes, foi recebida pela comunidade jurídica como um movimento de racionalização e alinhamento ao sistema processual civil. A intenção, nobre em sua concepção, é clara: delegar aos Tribunais Regionais a primeira e mais aprofundada análise de conformidade, otimizando o fluxo de recursos e reservando à Corte Superior as questões de maior envergadura jurídica.
Contudo, uma prática judicial que emerge na esteira dessa inovação ameaça subverter por completo a sua finalidade, transformando um instrumento de depuração processual em uma armadilha para o jurisdicionado. Trata-se da aplicação automática e punitiva da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, que converte a mera improcedência do agravo interno em um ato ilícito processual, sancionando o advogado que ousa discordar e esvaziando, na prática, o próprio direito de recorrer.
É imperativo recordar a ratio legis da sanção processual. A multa por recurso manifestamente improcedente não é uma taxa de sucumbência ou um pedágio para o acesso ao reexame colegiado. Ela é uma ferramenta de ultima ratio, concebida para coibir o abuso do direito de recorrer, para punir a litigância desleal, a interposição de recursos vazios de fundamentação, cuja única e maliciosa intenção é a procrastinação do feito. Sua natureza é, portanto, eminentemente punitiva e sua aplicação exige a comprovação inequívoca do dolo, da má-fé, do desprezo pela lealdade processual.
O que se tem observado, todavia, é uma clara distorção hermenêutica. Tribunais, em nome de uma questionável celeridade, têm colapsado duas categorias ontologicamente distintas: o recurso "improcedente" e o recurso "protelatório". O primeiro é o resultado natural da dialética processual, onde uma tese, por mais bem fundamentada que seja, não prevalece. O segundo é um ato de desonestidade intelectual, um ilícito. Ao tratar a improcedência como sinônimo de procrastinação, o Judiciário inverte a presunção de boa-fé que deve nortear a conduta das partes e de seus procuradores.
Esta prática se torna ainda mais danosa no contexto específico do agravo interno contra a aplicação de precedentes. O moderno sistema de precedentes, que o Brasil busca consolidar, não se resume à aplicação mecânica e irrefletida de teses. Sua vitalidade e sua capacidade de produzir justiça dependem intrinsecamente das técnicas de controle, notadamente a superação (overruling) e, de forma ainda mais crucial no dia a dia forense, a distinção (distinguishing).
O agravo interno, nesse microssistema, é o palco por excelência para o exercício do distinguishing na instância ordinária. É o momento processual em que o advogado tem o dever de demonstrar ao órgão colegiado que as particularidades fáticas de seu caso não se amoldam à hipótese paradigma que deu origem ao precedente. É um debate de altíssimo nível técnico, que exige a análise detida das premissas fáticas e da ratio decidendi da tese vinculante.
Quando um Tribunal rechaça um agravo interno bem fundamentado em distinguishing e, ato contínuo, aplica a multa por considerá-lo "manifestamente improcedente", ele não está apenas decidindo o mérito do recurso. Ele está enviando uma mensagem sistêmica: a de que a tentativa de distinguir um precedente é, em si mesma, um ato protelatório. Ele está, na prática, punindo o exercício da mais importante ferramenta de controle da aplicação da jurisprudência.
Essa postura judicial promove a fossilização do direito. Transforma os precedentes, que deveriam ser guias dinâmicos para a solução de casos, em dogmas inflexíveis e incontestáveis. Ignora que a realidade fática é infinitamente mais rica e complexa do que qualquer tese jurídica genérica, e que a Justiça em um caso concreto muitas vezes reside exatamente nas nuances que o afastam da regra geral.
Para a advocacia, o efeito é paralisante. O chamado "efeito inibidor" se instala de forma perversa. O advogado, ciente do risco de ser apenado com uma multa - que, a depender do regimento local, pode até condicionar a interposição de outros recursos -, se vê diante de um dilema ético e profissional. Deve ele apresentar uma tese de distinção robusta, porém complexa, correndo o risco de ser punido por sua ousadia intelectual? Ou deve se conformar com a aplicação automática do precedente, ainda que a considere injusta para seu cliente, a fim de evitar a sanção?
A multa deixa de ser um instrumento contra a má-fé e se torna uma mordaça contra o pensamento crítico. Ela incentiva uma advocacia defensiva, avessa ao risco, que prioriza a autoconservação em detrimento da busca pela melhor solução jurídica para o mandante. Em última análise, quem perde não é o advogado, mas o cidadão, cujo direito à ampla defesa e a um recurso efetivo é materialmente esvaziado.
Ademais, essa prática viola o princípio da fundamentação qualificada das decisões judiciais. A aplicação da multa exige uma motivação específica, que demonstre, com base em elementos concretos, o caráter abusivo do recurso. A simples afirmação genérica de que "o recurso é manifestamente improcedente e protelatório" não passa de uma tautologia, uma cláusula de estilo que não satisfaz a exigência constitucional de fundamentação.
É preciso que o julgador demonstre por que o recurso ultrapassou a fronteira da mera discordância jurídica e ingressou no campo do ilícito processual. É preciso que ele enfrente os argumentos do recorrente e explique por que eles são tão absurdos ou despropositados a ponto de justificarem uma sanção. Sem essa fundamentação detalhada, a aplicação da multa se revela um ato de puro arbítrio.
O agravo interno, no novo desenho processual trabalhista, nasceu com a vocação de ser um filtro qualificado, uma oportunidade para que os próprios TRTs, por meio de seus órgãos colegiados, refinassem a aplicação dos precedentes do TST. A aplicação indiscriminada da multa está a matar essa vocação em seu nascedouro, transformando o recurso em letra morta.
É urgente que as Cortes Superiores, e o próprio TST em sua função uniformizadora, orientem os tribunais sobre o caráter excepcionalíssimo dessa sanção. É preciso reafirmar que discordar não é procrastinar, que argumentar com densidade não é abusar, e que buscar a distinção fática não é um ato de má-fé, mas sim um dever do advogado comprometido com a justiça do caso concreto e com a própria saúde do sistema de precedentes. Do contrário, a busca por celeridade terá um custo impagável: a supressão do debate, o engessamento da jurisprudência e o enfraquecimento de uma advocacia que, por sua natureza, deve ser combativa, técnica e, acima de tudo, livre.


