Como a IA está moldando (e sabotando) a nova geração jurídica
O seguinte artigo alerta para o risco da IA formar "advogados de prompt": Alunos que delegam o raciocínio jurídico à máquina. Defende o uso crítico da tecnologia sem substituir o pensar.
quarta-feira, 27 de agosto de 2025
Atualizado às 09:02
Um parágrafo introdutório redigido por inteligência artificial e atribuído a um acadêmico de Direito pode até passar despercebido. Contudo, será que, a longo prazo, o mesmo pode ser afirmado acerca da competência real desse aluno?
Com o avanço de ferramentas como ChatGPT, Copilot e outras inteligências generativas, emerge um fenômeno silencioso (e perigosamente aceito) nas faculdades de Direito: a utilização desenfreada de IA na elaboração de textos jurídicos, seminários, peças processuais e pareceres simulados.
A nova geração de estudantes está, em muitos casos, delegando o raciocínio jurídico. Argumentar demanda esforço. Pesquisar exige tempo. Compreender a ratio decidendi de um acórdão requer paciência. Mas por que se empenhar, se a IA fornece em segundos aquilo que levou semanas para entender.
O problema não reside na ferramenta, mas na maneira como ela é utilizada.
A falsa sensação de domínio
Ao utilizar uma IA como suporte, o aluno elide etapas cognitivas cruciais de formação jurídica:
- Interpretação de normas;
- Análise de jurisprudência;
- Estruturação lógica de argumentos.
O resultado? Uma geração que sabe executar comandos, mas não domina conteúdo que os sustenta. E, pior ainda: acredita que domina. O estudante recebe um parecer pronto e pensa que foi ele quem "compreendeu o tema". Mas a IA não ensina; ela fornece. E fornecer não é educar.
O risco institucional e ético
Se essa lógica persistir, teremos:
- Advogados que não conseguem distinguir doutrina de opinião de blog;
- Candidatos a concursos que memorizam comandos, não fundamento legais;
- Operadores do Direito que não atuam, apenas replicam.
Isso não é uma previsão do futuro. É a realidade atual de muitos ambientes acadêmicos. E há um agravante: embora os textos gerados por IA sejam, muitas vezes, bem redigidos e organizados, erros conceituais podem, e frequentemente ocorrem.
A inteligência artificial pode:
- Citar jurisprudência inexistente;
- Atribuir doutrinas a autores incorretos;
- Elaborar raciocínios aparentemente lógicos, mas juridicamente absurdos.
Um aluno que não tenha internalizado a base teórica com profundidade será incapaz de identificar esses erros, e, ao exercer a advocacia, poderá reproduzir falhas técnicas que prejudicam seus próprios clientes.
A responsabilidade civil do advogado, o risco reputacional e até mesmo a falha em concursos públicos são efeitos colaterais silenciosos do uso imprudente da IA. Se formação jurídica for substituída por uma sequência de comandos, o resultado será previsível: profissionais inseguros, dependentes e perigosamente confiantes e textos que mal compreendem.
A tecnologia como aliada estratégica
Não se trata de proibir a IA, isso seria uma forma de ignorância. O verdadeiro ponto é: quem forma o operador da IA?
O aluno que aprende a empregar a inteligência artificial como suporte para elaboração do raciocínio jurídico, e não como um substituto, terá uma vantagem significativa no mercado. Esse será o novo "jurista estratégico": ágil, crítico e analítico. Contudo, esse perfil será uma minoria. A maioria permanecerá composta por advogados de prompt - profissionais superficiais que dependem da IA como muleta e não como instrumento.
Conclusão
No decorrer do tempo acadêmico e na complexidade real da vida jurídica, se sobressairão aqueles que aprenderam antes a pensar. E pensar, neste século, será o verdadeiro diferencial.


