MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Existe direito ao silêncio aplicado às medidas protetivas?

Existe direito ao silêncio aplicado às medidas protetivas?

As protetivas não são um processo condenatório, por isso, o silêncio não é uma estratégia eficaz. Defender-se é fundamental.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Atualizado às 10:01

1. Introdução

A lei Maria da Penha criou mecanismos céleres e eficazes para a proteção de mulheres em situação de risco, entre eles as medidas protetivas de urgência. Diferentemente de um processo penal condenatório, o procedimento de concessão e prorrogação dessas medidas não envolve a análise de culpa ou inocência, mas sim a presença de risco atual à integridade da vítima. Nesse contexto, surge a dúvida: existe ou não direito ao silêncio nas medidas protetivas? Este ensaio busca esclarecer essa questão, a partir da experiência prática na defesa de homens acusados, e demonstrar que, embora o silêncio seja direito constitucional no processo penal, sua invocação nas medidas protetivas é, na prática, ineficaz e até prejudicial.

2. O direito ao silêncio é constitucional, mas possui um campo de aplicação delimitado.

O direito ao silêncio está previsto na Constituição Federal, no art, 5º, inciso LXIII, sendo assegurado a todo acusado em processo penal o direito de permanecer calado sem que isso lhe traga qualquer prejuízo. Trata-se de garantia essencial no contexto de um processo cujo desfecho pode culminar na imposição de pena criminal. Entretanto, as medidas protetivas, por sua natureza, não configuram processo penal condenatório. Não há denúncia formal, não há acusação do Ministério Público e tampouco ocorre, ao final, condenação ou absolvição. O único desfecho possível é a manutenção ou revogação das medidas.

3. Medidas protetivas não são processos condenatórios

Ao contrário do que muitos pensam, a imposição de medidas protetivas não visa punir o acusado, mas sim prevenir riscos à integridade da suposta vítima, embora socialmente ninguém divide que as restrições veiculadas pelas medidas protetivas revestem-se de certa dose de punição, uma vez que restringem direitos fundamentais a partir da declaração unilateral de uma mulher que se diz vítima de violência doméstica. Isso significa que não se está diante de uma persecução penal propriamente dita. Nesse cenário, o silêncio não goza da mesma força de proteção jurídica que teria no processo penal. A aplicação automática do direito ao silêncio, como estratégia defensiva nas protetivas, é, portanto, um equívoco comum que precisa ser evitado.

4. O silêncio nas protetivas é juridicamente inócuo

Quando o homem intimado das medidas protetivas decide permanecer em silêncio, acreditando estar fazendo uso de um direito constitucional (direito ao silêncio), ele na verdade apenas se omite em um momento crucial. Não há consequência legal direta por ficar calado, mas há efeitos práticos evidentes: ao não apresentar sua versão dos fatos, o homem submetido às protetivas contribui para que sua defesa seja ignorada e que as restrições impostas sejam mantidas ou prorrogadas por mais tempo. Afinal, se o juiz não encontra nenhum elemento novo, nenhuma manifestação de resistência ou de desconforto por parte do intimado, presume-se que tudo continua como está.

5. A defesa nas protetivas não é só possível, é essencial

A experiência prática de longos anos de atuação nas medidas protetivas mostra que a ausência de defesa leva ao esquecimento do intimado pelo sistema. E ser esquecido é fatal: se nada foi requerido, se não há provocação do Poder Judiciário, as restrições tendem a permanecer como estão. Já o exercício ativo da defesa - ainda que simples, como apresentar uma versão dos fatos, impugnar afirmações vagas - chama atenção para o outro lado do conflito, evidencia sofrimento e manifesta o desejo de encerrar as restrições. É o primeiro passo para reverter a situação.

6. Quem não chora, não mama: a resistência como estratégia jurídica

Expressões populares muitas vezes sintetizam verdades processuais. No caso das protetivas, o ditado "quem não chora, não mama" serve perfeitamente. O silêncio é passividade, é anuência, conformismo e aceitação. A resistência jurídica é o que provoca o sistema a refletir, reavaliar, ponderar. Homens que se defendem, que demonstram sofrimento pelas restrições impostas, têm muito mais chances de obter a revogação ou flexibilização das medidas.

7. O silêncio nas protetivas contribui para a perpetuação das restrições

A realidade forense mostra que medidas protetivas são muitas vezes prorrogadas automaticamente, sem a devida reavaliação do risco, especialmente quando a pessoa submetida às restrições não se manifesta, não expõe a sua versão. Em outras palavras, o silêncio funciona como um aval tácito à continuidade das restrições, um conformismo velado. Defender-se, portanto, é um ato de sobrevivência jurídica. É também uma demonstração de que a parte atingida pelas restrições está atenta, vigilante e disposta a demonstrar a ausência de situação de risco.

8. Conclusão

Não há direito ao silêncio nas medidas protetivas com os mesmos efeitos jurídicos que existem no processo penal. Trata-se de um procedimento voltado à análise de risco, e não de culpa. Portanto, manter-se calado não é apenas ineficaz, mas prejudicial. A defesa ativa - por meio da apresentação de versão, documentos ou simples manifestação - é fundamental para evitar a prorrogação automática das restrições ou a sua perenização. Em suma, não se defender nas protetivas é contribuir, silenciosamente, para o aumento da sua duração.

Júlio Cesar Konkowski da Silva

VIP Júlio Cesar Konkowski da Silva

Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca