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Herança digital: O futuro da sucessão e a decisão pioneira do STJ

A herança digital transforma contas, arquivos e criptomoedas em patrimônio sucessório, com o STJ definindo caminhos para proteção e inventário.

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Atualizado em 26 de agosto de 2025 10:24

Você já parou para pensar no destino de suas contas de e-mail, redes sociais, fotos na nuvem, criptomoedas e outros bens digitais após a sua morte? Com a vida cada vez mais integrada ao ambiente virtual, o planejamento sucessório ganhou uma nova e complexa camada: a herança digital.

Este artigo explora o conceito de herança digital, seu tratamento no Brasil e a recente e inovadora posição do STJ sobre o tema, que sinaliza um novo caminho para a proteção do patrimônio e da intimidade no inventário de bens virtuais.

O que constitui a herança digital?

A herança digital compreende todo o acervo de bens e direitos existentes em formato digital deixados por uma pessoa após seu falecimento. Isso inclui uma vasta gama de ativos, que podem ter tanto valor sentimental, quanto econômico. Vejamos:

  • Contas em redes sociais e e-mails: Perfis no Facebook, Instagram, LinkedIn, além de contas de e-mail e serviços de armazenamento em nuvem como Google Drive e Dropbox.
  • Arquivos digitais: Fotos, vídeos, documentos pessoais e profissionais.
  • Ativos financeiros: Criptomoedas, como Bitcoin e Ethereum.
  • Propriedades intelectuais e comerciais: Domínios de internet, blogs, sites e direitos autorais sobre obras digitais.
  • Contas em plataformas diversas: Perfis em plataformas de jogos, programas de milhagem e serviços de streaming.

A gestão adequada desse legado é fundamental para garantir que ele seja preservado e transferido corretamente aos herdeiros, evitando conflitos e a perda de bens valiosos.

Como a lei brasileira trata a herança digital?

No Brasil, a herança digital ainda é um campo em desenvolvimento no direito, sem uma legislação específica consolidada. No entanto, o Poder Judiciário já reconhece que os bens digitais integram o patrimônio do falecido e, portanto, podem ser transmitidos aos herdeiros.

Na ausência de uma lei própria, os tribunais têm aplicado, por analogia, normas do direito das sucessões previstas no CPC e os princípios da LGPD, que resguarda a privacidade dos dados mesmo após a morte.

Para que herdeiros acessem esses ativos, geralmente é preciso apresentar documentos como a certidão de óbito e o formal de partilha. Contudo, o processo pode ser dificultado pelas políticas internas de cada plataforma digital, que muitas vezes priorizam a privacidade do usuário original.

Um voto decisivo no STJ: O surgimento do "inventariante digital"

Um dos avanços mais significativos sobre o tema veio de um julgamento inédito na 3ª turma do STJ (REsp 2.124.424), referente ao acesso a bens digitais armazenados no computador de uma falecida em um acidente aéreo.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a complexidade do tema e a ausência de regras claras. A ministra ponderou que a abertura irrestrita do conteúdo digital poderia violar o direito à intimidade do falecido e de terceiros, expondo informações de natureza personalíssima que não devem ser compartilhadas.

Para solucionar o impasse, a ministra propôs um procedimento judicial inovador e seguro:

  1. Instauração de um incidente processual: Seria criado um procedimento específico para identificar e classificar os bens digitais.
  2. Nomeação de um "inventariante digital": Um especialista de confiança do juízo seria nomeado para acessar o conteúdo digital sob sigilo.
  3. Elaboração de um rol de bens: O inventariante digital elaboraria uma lista minuciosa de todo o conteúdo encontrado, sem expor os dados, e a apresentaria ao juiz.
  4. Decisão judicial: Caberia exclusivamente ao juiz, com base na lista, diferenciar o que é patrimônio transmissível (com valor econômico, como obras, arquivos valiosos, etc.) do que é direito personalíssimo e intransmissível (como conversas íntimas e registros privados), que deve ser preservado.

Embora o julgamento tenha sido suspenso por um pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o voto da ministra Nancy Andrighi representa uma forte tendência de como o Judiciário pode equilibrar o direito dos herdeiros ao patrimônio com a proteção constitucional à privacidade e à intimidade do falecido.

A importância do planejamento

Ainda que o STJ esteja pavimentando um caminho para a resolução de disputas, a falta de uma legislação clara reforça a importância do planejamento sucessório em vida. Ferramentas como o testamento digital se tornam essenciais. Por meio de um documento formal, preferencialmente elaborado com auxílio de um advogado, é possível determinar o destino de cada ativo digital, indicando quem poderá administrar, herdar ou até mesmo excluir suas contas e arquivos.

A herança digital é uma realidade inegável e um direito legítimo. Diante de um cenário jurídico em plena construção, a orientação de um especialista é indispensável para tomar decisões informadas, proteger seu legado virtual e garantir segurança e clareza para seus herdeiros.

Se você possui dúvidas sobre como proteger seus ativos digitais e incluí-los em seu planejamento sucessório, entre em contato com um profissional especializado na área para entender seus direitos e as melhores opções para o seu caso.

Talita de Menezes Franco

Talita de Menezes Franco

Bacharel em Direito pela FDF-Franca. Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Pós-graduanda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas.

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