MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Fraude no medidor de energia: Estelionato ou furto?

Fraude no medidor de energia: Estelionato ou furto?

O artigo analisa decisões do STJ que enquadram a adulteração de medidores de energia elétrica como crime de estelionato, e não furto.

sábado, 30 de agosto de 2025

Atualizado em 29 de agosto de 2025 13:23

A jurisprudência recente do STJ, reafirma a possibilidade de enquadramento da conduta de adulteração de medidor de energia elétrica no crime de estelionato, previsto no art. 171 do CP brasileiro, especialmente quando configurada a fraude contra o sistema de medição da concessionária com o objetivo de reduzir artificialmente o consumo registrado.

Nos termos do art. 171 do CP, comete estelionato aquele que:

"Obtém, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento."

No caso julgado pelo STJ (REsp 2.061.498/DF), os réus foram acusados e condenados por adulterarem o medidor de energia de um hotel, inserindo substância que comprometia a medição real do consumo.

A defesa sustentava a tese de atipicidade da conduta, argumentando que não haveria indução de pessoa física em erro, elemento essencial do tipo penal.

O ministro Joel Ilan Paciornik, relator do recurso, destacou, contudo, que a fraude se dirigiu à concessionária do serviço público, pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, e que o erro provocado por meio da adulteração do equipamento é suficiente para a caracterização do estelionato, uma vez que a empresa, baseada em medição falseada, deixaria de auferir receita correspondente ao serviço efetivamente prestado.

Diferença entre furto e estelionato

O julgado também traz importante distinção entre furto qualificado por fraude disposto no art. 155, § 4º, II, do CP e o estelionato:

  • No furto com fraude, há a subtração do bem mediante engano que visa reduzir a vigilância da vítima, com a inversão da posse do bem de forma clandestina ou violenta, sem entrega voluntária.
  • Já no estelionato, há entrega voluntária do bem pela vítima, induzida ou mantida em erro por meios fraudulentos, como destacado pela doutrina e pelo próprio relator no acórdão.

A adulteração do medidor, portanto, não configura subtração direta da energia, como ocorre no chamado "gato" (ligação clandestina), que tem sido enquadrado como furto de energia elétrica, consoante dispõe o art. 155, § 3º, do CP, reconhecido como "coisa móvel" pela jurisprudência.

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Nesse caso, trata-se de serviço prestado regularmente pela concessionária, cuja cobrança é burlada por meio da fraude no sistema de medição.

Assim, a fraude não está no acesso à energia em si, mas no registro incorreto do consumo, que resulta em pagamento inferior ao devido, mediante erro induzido pela manipulação do equipamento de medição, o que preenche os elementos típicos do estelionato.

Importante destacar que, conforme salientado pelo STJ, a decisão tem relevância qualificada, pois representa um enfrentamento direto da matéria em sede de recurso especial, superando julgamentos anteriores proferidos apenas em habeas corpus ou com aplicação da súmula 7 do STJ (que impede reexame de fatos e provas).

Trata-se, portanto, de precedente qualificado (art. 926 e 927 do CPC), com potencial de uniformização da jurisprudência nacional sobre o tema, contribuindo para a segurança jurídica e para a repressão de fraudes no consumo de serviços públicos.

Marcos Roberto Hasse

Marcos Roberto Hasse

Advogado (OAB/SC 10.623) com 30 anos de experiência, sócio da Hasse Advocacia e Consultoria, com atuação ampla e estratégica em diversas áreas jurídicas.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca