MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Alta contra indicação médica: Como agir para não ser processado?

Alta contra indicação médica: Como agir para não ser processado?

Alta a pedido exige cautela. Médico deve informar riscos, formalizar em termo individualizado e garantir segurança ética e jurídica na decisão.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Atualizado em 27 de agosto de 2025 11:08

Situações de alta a pedido, em que o paciente opta por deixar a unidade de saúde mesmo diante da recomendação médica em sentido contrário, geram desafios éticos e legais importantes para os profissionais da saúde. Embora esse tipo de alta esteja amparado pelo princípio da autonomia do paciente, como ela é conduzida e documentada é que determinará se o médico estará juridicamente protegido ou exposto a futuras demandas.

Neste artigo, abordo os principais cuidados que o médico deverá adotar diante da recusa terapêutica por parte do paciente, com base na legislação vigente, na ética médica e na jurisprudência brasileira, oferecendo orientações práticas para prevenir litígios e assegurar a validade do consentimento.

O que é a alta a pedido e por que ela pode representar risco ao médico?

A alta a pedido acontece quando o paciente decide sair da instituição de saúde antes do momento recomendado pela equipe médica. Em tese, essa é uma decisão legítima, pois todo paciente tem o direito de recusar um tratamento e deixar o hospital - desde que esteja em condições mentais para isso e tenha sido devidamente informados sobre os riscos.

O Código de Ética Médica (resolução CFM 2.217/18) estabelece expressamente, em seu art. 24, sendo vedado ao médico "deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo".

Trata-se da consagração ética do princípio da autonomia da vontade, de forma compatível com os direitos fundamentais da CF/88 (art. 5º, II e III). Assim, se o paciente está em pleno gozo de sua capacidade civil, possui o direito de recusar o tratamento e solicitar sua alta, mesmo que isso represente um agravamento do quadro clínico.

O médico só pode impedir o paciente de sair quando houver risco iminente de morte ou quando o paciente estiver incapaz de compreender a situação (por exemplo, em casos de alteração da consciência, confusão mental, uso de substâncias etc.). Se não houver risco iminente de morte e o paciente estiver consciente e orientado, impedi-lo de sair pode até mesmo configurar crime de constrangimento ilegal (art. 146, §3º, II, do CP), e até cárcere privado (art. 148 do CP).

O problema é que se o profissional não conseguir provar que explicou o quadro clínico, os riscos e as opções ao paciente, ele pode ser responsabilizado por omissão, imprudência ou negligência. O paciente (ou sua família) pode, mais tarde, alegar que não foi avisado sobre o que poderia acontecer. E neste cenário, que a responsabilidade recai sobre o médico.

Não é só "colocar no prontuário": É preciso formalizar corretamente

Muitos profissionais acham que basta escrever no prontuário "paciente recusou tratamento" ou "solicitou alta a pedido" para estar resguardado. Mas, além disso, não ser suficiente, pode gerar prejuízos legais ao médico.

O prontuário tem valor, sim, mas em casos de conflito, é a prova do diálogo e do esclarecimento que realmente protege. Se por um lado o paciente tem o direito de sair, por outro o médico tem o dever legal e ético de informar. O art. 22 do Código de Ética Médica veda expressamente a omissão quanto ao consentimento informado: "deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal, após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte".

O CDC também reforça esse dever, especialmente nos arts. 6º, III, 31 e 54, exigindo que a informação seja clara, precisa, ostensiva e adequada à compreensão do destinatário. Em caso de paciente estrangeiro, inclusive, a informação deve ser prestada em língua compreensível ao paciente (art. 31, CDC), sob pena de nulidade do consentimento.

Por isso, é essencial adotar um termo de consentimento livre e esclarecido para alta a pedido, elaborado de forma estratégica e individualizada, com base no diagnóstico, no prognóstico, nos riscos reais e na manifestação do paciente.

Termo de alta a pedido: Forma, conteúdo e validade

O termo deve refletir o conteúdo do diálogo entre médico e paciente, e não se prestar a mera declaração genérica de isenção de responsabilidade. Conforme reiterado pela jurisprudência e pela doutrina médica, é o caráter dialógico, informativo e individualizado que confere validade ao consentimento.

Para ser juridicamente seguro, o termo deve conter, ao menos:

  • Identificação do médico, do paciente e data;
  • Diagnóstico e explicação do quadro clínico;
  • Prognóstico com e sem tratamento;
  • Riscos da não adesão (de forma clara e compreensível);
  • Proposta terapêutica recomendada;
  • Declaração de que o paciente recebeu todas as informações;
  • Espaço para que o paciente escreva, de próprio punho, o que entendeu;
  • Declaração de que o médico discorda da alta, mas respeita a decisão;
  • Assinaturas do médico e paciente, não sendo necessário testemunha;
  • Informação de que o paciente levou uma cópia do termo.

Além disso, recomenda-se que o conteúdo do termo seja redigido em linguagem leiga, evitando jargões médicos ou jurídicos, para garantir a compreensão efetiva por parte do paciente.

E se o paciente se recusar a assinar? O que fazer?

É comum que, mesmo após o esclarecimento, o paciente se recuse a assinar o termo. Nesses casos, o médico deve convocar uma testemunha instrumentária - isto é, uma pessoa neutra e sem vínculo com a instituição, como outro paciente ou acompanhante - para atestar a recusa. Conforme orientação ética, a equipe de enfermagem não deve assumir esse papel, exceto quando o paciente não se encontra em plena capacidade e o médico optar por não executar determinada conduta.

Paralelamente, as informações devem ser registradas no prontuário médico, que, embora não exija a assinatura do paciente, possui presunção de veracidade (fé profissional), conforme reconhecido judicialmente.

A importância de orientação jurídica preventiva

A maioria dos problemas enfrentados por médicos em situações de alta a pedido decorre de falhas na formalização documental. Modelos genéricos de termo, uso inadequado do prontuário, ausência de clareza na linguagem ou de testemunhas qualificadas são os principais fatores que fragilizam a defesa do profissional em eventual processo.

Nesse cenário, a atuação de um advogado especializado pode oferecer:

  • Elaboração de termos personalizados, com base no perfil do hospital e nos riscos frequentes;
  • Protocolos institucionais para padronizar a conduta médica e da equipe;
  • Treinamento das equipes sobre como lidar com recusa terapêutica;
  • Assessoria jurídica em casos concretos, inclusive com orientação imediata em situações emergenciais.

Conclusão

O médico tem o dever de zelar pela vida e pela saúde do paciente, mas isso não significa coagi-lo ou impedir sua saída, desde que não haja risco iminente de morte. O segredo para evitar responsabilizações futuras está no registro correto e transparente do processo de esclarecimento, lembrando que a sua principal finalidade é informar o paciente sobre sua condição e riscos.

O termo de consentimento livre e esclarecido para alta a pedido deve ser tratado como um instrumento essencial à prática médica moderna: não como um formulário burocrático, mas como uma prova técnica de que o profissional cumpriu sua obrigação ética e legal de informar.

Se você é médico, gestor de clínica ou hospital, e deseja reforçar a segurança jurídica da sua atuação, consulte um advogado especializado em Direito Médico e da Saúde. Prevenir sempre será melhor - e menos oneroso - do que remediar no Judiciário.

Caio Meireles Vicentino

Caio Meireles Vicentino

Advogado no escritório Battaglia & Pedrosa Advogados. Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduando em Direito Médico e Bioética pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Tem sua atuação profissional focada na área do Direito Médico e da Saúde, defendendo e assessorando juridicamente pacientes, médicos e instituições hospitalares (públicas e privadas)."

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca