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Tema 1.277 do STF e a reafirmação da faculdade de escolha do foro nas ações contra a União

STF reafirma o direito do cidadão de escolher o foro em ações contra a União, fortalecendo o acesso à Justiça e a segurança jurídica.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Atualizado às 08:37

A recente conclusão do julgamento do Tema 1.277 de repercussão geral pelo STF representa um marco para a definição da competência territorial nas ações movidas contra a União e suas entidades autárquicas e fundacionais. À unanimidade1, a Suprema Corte reconheceu a compatibilidade do art. 3º, § 3º, da lei 10.259/01 (lei dos Juizados Especiais Federais) com a CF, desde que interpretado em consonância com o art. 109, § 2º, da Carta Magna, e fixou tese de grande repercussão prática para a advocacia e para o Poder Judiciário.

O julgamento teve origem em um recurso extraordinário interposto contra acórdão da 1ª turma recursal dos Juizados Especiais Federais - seção judiciária do Estado do Piauí, que havia mantido a sentença extintiva da ação ajuizada no Juizado Especial Federal da capital (Teresina) por entender que o art. 3º, § 3º, da lei 10.259/01 fixava a competência absoluta no âmbito da subseção correspondente ao domicílio do autor (subseção judiciária de Picos/PI).

No recurso excepcional, sustentava-se que a CF assegura ao jurisdicionado a faculdade de escolha do foro nas ações contra a União, autarquias e fundações públicas Federais, podendo o autor optar pelo foro do seu domicílio, da seção judiciária do seu Estado (fixada na capital), do local do ato, do fato ou da coisa, ou do Distrito Federal (art. 109, § 2º, CF).

Ao julgar o caso, o STF consolidou entendimento há muito esboçado em precedentes da própria Corte e do STJ: a competência territorial, em ações contra a União e suas entidades, é relativa e voltada à proteção do cidadão, de sorte que não pode ser convertida em obstáculo ao acesso à Justiça. O relator, ministro Alexandre de Moraes, destacou que o esforço institucional de interiorização da Justiça Federal e a criação de novos Juizados Especiais Federais devem ser compreendidos como mecanismos de facilitação, jamais de restrição.

De acordo com o entendimento fixado pela Suprema Corte, a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais está vinculada exclusivamente ao valor da causa, critério objetivo previsto no art. 3º da lei 10.259/01 (até 60 salários-mínimos, ressalvadas as exceções do § 1º do mesmo artigo). A tentativa de transformar a competência territorial desses juizados em absoluta, mediante norma infraconstitucional ou interpretação restritiva, foi rechaçada pelo STF, que assentou que o art. 3º, § 3º, da lei dos Juizados Especiais Federais deve ser lido em harmonia com o art. 109, § 2º, da CF, e não o contrário.

A tese fixada pelo plenário sintetiza esse raciocínio:

"O art. 3º, § 3º, da Lei 10.259/2001 é compatível com a Constituição Federal, devendo ser interpretado no sentido de que a competência absoluta dos juizados especiais federais se restringe ao valor da causa, havendo a faculdade de escolha do foro pelo demandante na forma do art. 109, § 2º, da CF/88."

Esse entendimento harmoniza a finalidade precípua do microssistema dos Juizados Especiais Federais - proporcionar celeridade, simplicidade e economia processual - com as garantias constitucionais de acesso à Justiça e inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF). 

A nova decisão vinculante do STF, proferida sob o regime de repercussão geral, representa - ainda que de forma tímida - um reequilíbrio de forças entre a Administração Pública e os administrados. Se, em juízo, o Estado goza de inúmeras prerrogativas processuais - como prazos diferenciados, dispensa de preparo, entre outras - nada mais justo que ao particular se reconheça a faculdade de escolher o foro em que deseja litigar, sem que isso configure - ou, até mesmo, sugira - violação ao juízo natural.

Tal faculdade decorre justamente do art. 109, § 2º, da CF, cuja redação permanece incólume desde 1988, o que sinaliza que o constituinte originário sempre previu a coexistência entre a estruturação da Justiça Federal e a liberdade de escolha do jurisdicionado, inexistindo qualquer incompatibilidade normativa a ser sanada. 

Do ponto de vista dogmático, a decisão reafirma a distinção clássica entre competência absoluta e relativa. Enquanto a primeira se vincula a critérios de ordem pública (matéria, pessoa, função ou, no caso dos Juizados Especiais Federais, o valor da causa), a segunda - como a territorialidade - se orienta pelo interesse das partes e é, portanto, disponível. A tentativa de "absolutização" da competência territorial dos Juizados Especiais Federais por norma infraconstitucional revelava-se incompatível com essa lógica e com o texto da Carta Magna, como já sustentava a doutrina processual contemporânea.

Os reflexos do Tema 1.277 excedem o âmbito da advocacia individual e dos casos pontuais. O novo precedente pacifica divergências regionais, confere segurança jurídica e racionaliza o funcionamento da Justiça Federal, de sorte a reduzir a litigiosidade satélite (conflitos de competência, mandados de segurança e recursos diversos) que oneravam o sistema. Para a Administração Pública federal, representa também uma diretriz clara para o tratamento processual de suas demandas em todo o território nacional.

Em suma, a decisão do STF no Tema 1.277 reafirma a supremacia da Constituição e fortalece o papel garantista do processo. Ao restituir ao jurisdicionado a plena faculdade de escolha do foro em ações contra a União e suas respectivas autarquias e fundações, a Corte não apenas corrigiu um desvio interpretativo que restringia direitos, mas também reforçou a ideia de que o processo civil deve servir ao cidadão e não o contrário. A consolidação desse entendimento projeta um novo padrão de acesso à Justiça no âmbito Federal, em que a descentralização judicial agrega esforços ao cumprimento do seu verdadeiro objetivo: aproximar, e não afastar, a tutela jurisdicional.

______________

1 Apesar de não ter sido computado o voto da Ministra Carmen Lúcia, todos os demais Ministros acompanharam o Relator, Ministro Alexandre de Moraes.

Luiz Rodrigues Wambier

Luiz Rodrigues Wambier

Advogado, Doutor em Direito pela PUCSP, Professor nos Programas de Mestrado e Doutorado do IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa.

Paulo Liporaci

Paulo Liporaci

Advogado especializado em Direito Público; Mestrando em Direito Constitucional pelo IDP.

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