A advocacia pública nos municípios segundo precedentes do STF
A advocacia pública nos municípios na jurisprudência do STF, e a garantia da validade das leis municipais.
sexta-feira, 29 de agosto de 2025
Atualizado às 10:43
Em sessão recente do STF, seu presidente, o min. Barroso, em tom jocoso, afirmou ter recebido a seguinte mensagem de um de seus assessores: "(...) ele (o assessor) falou assim: vai ser muito difícil eu voltar a ser procurador em Mesquita, onde 99% das leis são inconstitucionais".
No que pese a mensagem recebida ter sido ou não engraçada, e repudiada pelos representantes do município localizado na baixada fluminense, a declaração nos leva a indagarmos quanto a qualidade da produção legislativa dos municípios, a validade de suas leis perante o ordenamento jurídico nacional, sobretudo sua pertinência com a Constituição Federal. Mas não somente isso, também a reflexão sobre a atividade e função de assessoramento, consultoria e representação dos Municípios visando a produção de leis que não sejam "inconstitucionais".
A Constituição Federal de 1988 ao estabelecer as "funções essenciais à Justiça", ao lado do Ministério Público, advocacia, defensoria pública, incluiu a advocacia pública (da União e dos Estados e do Distrito Federal) como seus órgãos, e sua finalidade de assessoramento, consultoria e representação, constituindo-se, assim, em carreiras acessadas via concurso público, e, como exclusivamente de Estado, suas funções e atividades não se confunde, com a transitoriedade exigida pela representação democrática.
A Constituição não tratou da advocacia pública dos municípios, no entanto, a par dessa inexistência de previsão, e das propostas que atualmente tramitam no Congresso Nacional (p. ex. PEC 28/23) para constitucionalização da carreira, é o STF, por meio de sua jurisprudência, que tem definido verdadeiras normas para a compreensão da função da advocacia pública dos municípios.
Veja-se que no RE 663.696/MG (julgado em 28/2/2019), foi fixado a seguinte tese (Tema 510) da repercussão geral: "os procuradores municipais integram a categoria da advocacia pública inserida pela Constituição da República dentre as cognominadas funções essenciais à Justiça, na medida em que também atuam para a preservação dos direitos fundamentais e do Estado de Direito".
A Corte Constitucional também tem decidido, reiteradamente, pela impossibilidade de ocupantes de cargos em comissão, estranhos ao quadro da Procuradoria, exercerem as funções próprias dos procuradores municipais.
Embora o Tribunal Superior compreenda que os arts. 131 e 132 da CF, que dispõem sobre as Advocacias Públicas, não são de reprodução obrigatória pelos municípios, pois cada ente municipal teria competência para dispor sobre a forma e a organização de suas assessorias jurídicas, ele também considera que "(...) uma vez criada a Procuradoria Municipal, esta deve submeter-se ao regramento constitucional pertinente, de modo que a ela se aplica, igualmente, o art. 132 da Constituição Federal. Ou seja, embora não seja obrigatória a sua criação, sendo instituída a Procuradoria Municipal, a observância do regramento constitucional da Advocacia Pública mostra-se imperativa, notadamente a unicidade institucional", conforme decidido na ADPF 1.037/AP.
Assim, uma vez criada no município sua "Procuradoria" compete exclusivamente aos seus procuradores o exercício da função de representação (judicial e extrajudicial) e de assessoramento e de consultoria jurídica, e "é inadmissível, do ponto de vista constitucional, norma que possibilite a ocupante de cargo em comissão, estranho ao quadro da Procuradoria, o exercício das aludidas atribuições".
Recentemente, e corroborando o precedente obrigatório, o ministro Flávio Dino, relator do ARE 1.520.440, afirmou que "apenas os procuradores municipais concursados podem exercer as funções de representação judicial e extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico do Município, sendo vedada a criação de estruturas paralelas para o exercício de funções típicas de Advocacia Pública".
Neste sentido, "realizada a opção política municipal de instituição de órgão próprio de procuradoria, a composição de seu corpo técnico está vinculada à incidência das regras constitucionais, dentre as quais o inafastável dever de promoção de concurso público (art. 37, II, da CF)", tal como decidido na ADI 6331/PE.
Conforme se verifica, o arcabouço criado pelos precedentes do Supremo são sobremodo relevantes, porquanto, ainda que não expressos na forma de um texto normativo específico, a advocacia pública municipal têm o munus público de prestar consultoria jurídica e de representar, judicial e extrajudicialmente, ao município a que estão vinculados. Suas funções exigem atuação equilibrada e qualificada, livre dos ventos políticos circunstanciais, na defesa dos interesses da municipalidade, seja na análise da legalidade e legitimidade dos atos municipais, ou na representação judicial ou extrajudicial, na consulta a respeito de políticas públicas de inegável relevância social, exercendo, desse modo, funções essenciais à Justiça.
É, assim, imperativo que todas as disposições pertinentes à Advocacia Pública já previstas no texto constitucional sejam aplicadas às procuradorias municipais, garantindo-se a unicidade da carreira, e o exercício profissional por um corpo selecionado e investido no cargo de procurador municipal mediante aprovação em concurso público de provas e títulos.
Também é necessário que todo Administrador Público municipal compreenda que a advocacia pública municipal garante à boa administração, à realização de políticas públicas condizentes com a Constituição, e a defesa e proteção dos legítimos interesses da municipalidade pelo conjunto de profissionais qualificados, e selecionados mediante concurso público. Tratam-se de precedentes obrigatórios, vinculativos, incluindo a responsabilidade civil ou até criminal do gestor público em caso de descumprimento.
As leis municipais não precisam e nem devem carregar o estigma de que são, a princípio, "inconstitucionais", a representação, consultoria e assessoramento feito pelos procuradores municipais, nos moldes dos precedentes do Supremo, pode e deve desconstituir tal premissa.


