A possibilidade de purga da mora em até 45 dias nos financiamentos habitacionais: O novo entendimento do CNJ à luz do art. 26-A da lei 9.514/97
CNJ ampliou prazo para purgação da mora em alienação fiduciária habitacional, garantindo 45 dias para regularização e evitando perda rápida do imóvel.
segunda-feira, 1 de setembro de 2025
Atualizado em 29 de agosto de 2025 14:54
Um marco procedimental decisivo para as execuções extrajudiciais de alienação fiduciária de bens imóveis foi alcançado pelo CNJ em maio de 2025. A partir de um pedido de providências formulado pela ABRADEB - Associação de Defesa dos Clientes e Consumidores de Operações Financeiras e Bancárias, o CNJ impôs aos Cartórios de Registro de Imóveis a obrigação de, nas intimações que comunicam a constituição em mora do devedor, inserir expressa menção à possibilidade de regularização do débito dentro de um prazo estendido de 45 dias, especificamente nas operações de financiamento habitacional, à luz dos §§1º e 2º do art. 26-A da lei 9.514/97.
Embora a deliberação tenha gerado grande repercussão na busca de uniformizar e aperfeiçoar a prática registral, a alteração implementada pela lei 13.465/17, vigente deste 12/7/17, já conferia respaldo para que o mutuário de financiamento habitacional pudesse regularizar seu débito em um total de 45 dias.
A realidade do procedimento executório, até 2017, era uníssona à todas as modalidades de financiamento imobiliário. A lei 9.514/97, ao regulamentar a alienação fiduciária de bens imóveis, estabeleceu, no §1º do art. 26, um prazo de 15 dias após a notificação para que o mutuário pudesse purgar a mora e evitar a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário.
Embora esse intervalo de tempo tenha representado, na época, um avanço considerável, com o passar dos anos constatou-se sua manifesta insuficiência àquelas famílias de menor poder aquisitivo que, por meio de financiamentos habitacionais - seja pelo Sistema Financeiro de Habitação ou por programas como o "Minha Casa Minha Vida" - visavam assegurar a si não apenas um bem material, mas uma estabilidade social, fundamental para uma vida minimamente digna.
Face às peculiaridades deste seleto grupo de mutuários e das dificuldades adversas por eles enfrentada, tornou-se evidente a necessidade de uma solução mais justa e adequada para assegurar-lhes o direito social à moradia digna. Assim, implementando um verdadeiro aprimoramento na política pública de habitação, a lei 13.465/17 introduziu o art. 26-A na lei 9.514/97, dispondo sobre um procedimento especial para a purgação da mora em execuções de financiamentos imobiliários destinados a fins residenciais.
De acordo com o dispositivo, em financiamentos habitacionais, a consolidação da propriedade fiduciária só poderá ser averbada 30 dias após o transcurso dos 15 dias previsto no art. 26, §1º da lei 9.514/97. Segue, no parágrafo §2º, elucidando que, até a averbação da consolidação da propriedade fiduciária (trinta dias após os quinze dias iniciais), é permitido ao devedor regularizar o débito e convalescer seu contrato de fidúcia.
Em síntese, desde 12/7/17, permite-se ao mutuário devedor de financiamento habitacional a regularização do débito e o convalescimento do contrato de fidúcia em até 45 dias contados da notificação extrajudicial à purga da mora.
Esta interpretação extensiva do prazo para a purgação da mora foi prontamente reconhecida pelo STF no julgamento do RE 860.631/SP, cuja repercussão geral foi reconhecida sob o Tema 9821. No voto proferido pelo ministro Luiz Fux, ressaltou-se que o lapso inicial de 15 dias para que o devedor fiduciante purgue a mora, previsto no art. 26, § 1º, da lei 9.514/1997, deve ser compreendido em consonância com a modificação introduzida pela lei 13.465/2017, que, de acordo com o ministro, ampliou o prazo para a purga da mora em caso de financiamentos habitacionais.
O Tribunal Regional da 4ª região sedimentou a controvérsia, formando um precedente absoluto no sentido de que o devedor fiduciante possui até 45 dias - resultantes da soma dos 15 dias iniciais previstos no art. 26, § 1º e dos 30 dias posteriores anunciados no art. 26-A, §§ 1º e 2º da lei 9.514/97 - para regularizar os débitos e impedir a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário2.
Esse entendimento foi não apenas reiterado em decisões subsequentes, como também ratificado por outros tribunais, como o TRF da 3ª região, na apelação cível 501915463201940361003, e pelo TJ/MG, que, no agravo de instrumento 205995670202381300004, reafirmou a interpretação do prazo de 45 dias como essencial para a proteção dos direitos dos mutuários.
Apesar do entendimento consolidado sobre a matéria, a plena eficácia dessa prerrogativa ainda enfrenta obstáculos significativos na prática: os credores, que possuem a responsabilidade de assegurar a correção e completude das informações repassadas aos consumidores, continuam a notificar os mutuários a purgarem a mora em apenas 15 dias, nada informando a respeito dos 30 dias adicionais. Não são raros os casos em que esses credores mencionam, inclusive, a "improrrogabilidade" do prazo, induzindo o devedor ao erro e impedindo o legítimo exercício de um direito positivado.
O cenário converge ao reconhecimento de um vício insanável no processo de intimação, uma vez que a notificação não repercute o efeito próprio que dela se espera: oportunizar ao mutuário, no tempo hábil, a purga da mora5.
O ponto de atenção dessa problemática surge com a possibilidade de o mutuário requerer, via judicial, a declaração de nulidade da intimação e a reversão dos atos expropriatórios subsequentes, dado o entendimento jurisprudencial consolidado a respeito.
No REsp 1.172.025/PR, o STJ estabeleceu que "a repercussão da notificação é tamanha que qualquer vício em seu conteúdo é hábil a tornar nulos seus efeitos"6. Em complemento, os tribunais estaduais têm consolidado um forte entendimento de que, uma vez que a intimação padece de vício insanável, como no presente caso, em que obsta o exercício de um direito legalmente garantido ao mutuário, ela é nula.
O reconhecimento da nulidade implica, nestes precedentes, na desconstituição dos atos expropriatórios até então realizados e na reabertura do prazo à purgação da mora ao mutuário, salvo se atingir direito adquirido de terceiro arrematante de boa-fé, situação em que cabível indenização por perdas e danos.
Nesse contexto, embora a atuação das serventias cartorárias tenha sido, agora, ajustada aos preceitos do art. 26-A da lei 9.514/97 pela recente decisão do CNJ, as consequências de uma comunicação omissa também expõem a necessidade de uma postura proativa por parte dos credores fiduciários. A omissão de informações cruciais, como o prazo estendido para a purgação da mora, coloca em risco tanto os interesses dos mutuários, à retomada do contrato e manutenção do vínculo com o imóvel, quanto a própria segurança jurídica do procedimento expropriatório, já que a falha na notificação pode ensejar a nulidade de todo o processo, cujo ônus de recomposição dos danos recai sobre o credor.
É no contexto mais amplo da eficácia do direito à moradia que a responsabilidade dos credores fiduciários ressoa. Suas atribuições não se limitam ao simples cumprimento do contrato, mas envolvem um compromisso com os princípios da cooperação, transparência e boa-fé objetiva, precipuamente quando operadores de programas habitacionais, como o nacionalmente conhecido "Minha Casa Minha Vida". São eles que, ao requererem a intimação junto às serventias registrais (art. 26, §1º da lei 9.514/97), assumem, em última instância, os riscos das nulidades processuais decorrentes de falhas nas informações prestadas. São eles a parte contratualmente vinculada ao mutuário e pela transmissão de todas as nuances da operação responsável.
Portanto, embora a mudança estabelecida pelo CNJ represente uma vitória significativa na defesa dos direitos dos consumidores e no fortalecimento das políticas públicas habitacionais, o papel dos credores fiduciários continua sendo decisivo para o efetivo cumprimento da prerrogativa positivada. A expectativa agora é que, com o tempo, os credores ajustem suas práticas e adotem uma postura mais transparente e responsável, alinhada ao espírito da decisão Correicional, para assegurar que os direitos dos mutuários sejam respeitados, permitindo que a política pública habitacional se concretize de maneira eficaz e justa para todos.
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1 RE nº 860.631. STF. Relator: Ministro Luiz Fux. Dje 26 out. 2023.
2 No mesmo sentido: (TRF-4 - AG - Agravo de Instrumento: 50378461120234040000 RS, Relator.: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 19/11/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: 19/11/2024); (TRF-4 - AG - Agravo de Instrumento: 50335008020244040000 RS, Relator.: LUIZ ANTONIO BONAT, Data de Julgamento: 27/11/2024, 12ª Turma, Data de Publicação: 28/11/2024); (TRF-4 - AG: 50015340220244040000, Relator.: ROGER RAUPP RIOS, Data de Julgamento: 30/01/2024, Terceira Turma).
3 Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível nº 50191546320194036100. Relator: Des. Luis Carlos Hiroki Muta. Dje 14 jun. 2023.
4 TJ-MG - AI: 20599567020238130000, Relator: Des.(a) José Eustáquio Lucas Pereira, Data de Julgamento: 18/10/2023, 21ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 19/10/2023.
5 MARMO, Leandro. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis: nulidades e aspectos polêmicos. São: Revista dos Tribunais, 2023, p. 86.
6 REsp 1.172.025/PR, Rel. Luís Felipe Salomão, 4ª Turma, j. em 07.10.2014.
Nathalia Welter
Advogada formada pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), com especialização pela Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul (AJURIS). Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Goiano de Direito (IGD). Graduanda em Filosofia pelo Centro Internacional de Ensino.


