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ADIn 2.446: O escudo das holdings familiares contra abusos do fisco

Descubra como a ADIn 2.446 garante que sua holding familiar permaneça uma ferramenta segura e lícita para proteger e organizar seu patrimônio.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Atualizado às 13:21

Introdução

O uso de holdings familiares como instrumento de organização patrimonial, proteção de bens e planejamento sucessório se tornou cada vez mais comum no Brasil. 

Essas estruturas permitem, de forma lícita, centralizar a gestão do patrimônio da família, facilitar a sucessão e, em muitos casos, otimizar a carga tributária.

Apesar de todos esses benefícios, há quem levante dúvidas sobre sua legalidade, especialmente quando o resultado do planejamento envolve economia de tributos. 

Essas críticas muitas vezes se apoiam, de forma equivocada, no parágrafo único do art. 116 do CTN, inserido pela LC 104/01.

O julgamento da ADIn 2.446, pelo STF, foi decisivo para reduzir essa insegurança. Mais do que validar o dispositivo, a Corte deixou claro que o planejamento patrimonial lícito, como o realizado por meio de holdings familiares, continua plenamente permitido.

O que estava em discussão

A ADIn 2.446 foi proposta pela CNC - Confederação Nacional do Comércio para questionar a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN, que prevê:

"A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária."

O receio de parte dos contribuintes e especialistas era que essa regra pudesse ser utilizada para invalidar estruturas legítimas, como uma holding familiar, sob o argumento subjetivo de que seu objetivo seria apenas pagar menos tributos.

Essa preocupação era justificada: sem uma regulamentação clara, havia espaço para interpretações arbitrárias, permitindo que o fisco confundisse elisão fiscal (lícita) com evasão fiscal (ilícita).

A decisão do STF e seus fundamentos

O julgamento da ADIn 2.446 foi concluído em abril de 2022. 

O STF, por maioria, decidiu que o dispositivo é constitucional, mas com eficácia contida. Isso significa que ele não pode ser aplicado diretamente, sendo necessária a edição de lei ordinária que regulamente os procedimentos para sua aplicação.

Ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, destacou:

"Não se está a proibir o planejamento tributário lícito, mas a impedir que, sob essa rubrica, se ocultem fatos geradores tributários mediante simulação ou fraude."

E acrescentou:

"Enquanto não editada a lei ordinária que regulamente o dispositivo, não há como aplicá-lo para desconsiderar atos praticados pelo contribuinte."

O STF também ressaltou que a simples economia fiscal não caracteriza, por si só, fraude ou simulação.

Roque Carrazza4 reforça essa interpretação ao afirmar:

"O contribuinte pode moldar seus negócios jurídicos como melhor lhe aprouver, desde que atue dentro da lei. O simples fato de uma operação ser fiscalmente vantajosa não a torna ilícita."

Elisão x evasão fiscal: a distinção que importa

Um dos pontos centrais da decisão foi reafirmar a diferença entre planejamento tributário lícito (elisão fiscal) e prática ilícita para suprimir tributos (evasão fiscal).

  • Elisão fiscal: uso de meios legítimos e previstos em lei para reduzir a carga tributária (ex.: integralizar bens em uma holding para centralizar o patrimônio e reduzir tributos sobre a sucessão).
  • Evasão fiscal: ocultar ou falsificar informações para não pagar tributos devidos (ex.: omitir receita, simular transações inexistentes).

Luciano Amaro5 diferencia com clareza:

"A simulação exige o animus simulandi, a intenção de enganar. A elisão, por outro lado, é conduta lícita e legítima do contribuinte."

Essa distinção é vital para as holdings familiares, pois elas se enquadram no campo da elisão fiscal quando estruturadas de forma correta, afastando-se de qualquer ilicitude.

Por que a ADIn 2.446 fortalece as holdings familiares?

A decisão do STF traz reflexos diretos e positivos para quem já utiliza ou pretende constituir uma holding familiar:

  • Proteção contra arbitrariedades: sem lei regulamentadora, o fisco não pode usar o art. 116, parágrafo único, de forma isolada para desconsiderar a estrutura de uma holding.
  • Reconhecimento da liberdade de organização patrimonial: o contribuinte tem o direito de escolher a forma jurídica mais eficiente para gerir seu patrimônio, desde que respeite a lei.
  • Segurança para planejamentos de longo prazo: estruturas sólidas, bem documentadas e com finalidade patrimonial legítima permanecem seguras, mesmo que gerem economia tributária.
  • Clareza sobre o papel da simulação: apenas negócios jurídicos que efetivamente ocultem ocorrência do fato gerador podem ser desconsiderados, o que afasta planejamentos lícitos.

Um exemplo prático

Imagine uma família que decide criar uma holding familiar para concentrar seus imóveis, proteger o patrimônio e planejar a sucessão de forma mais organizada.

Essa estrutura, além de facilitar a gestão, pode reduzir custos e tributos no inventário futuro.

Com a ADIn 2.446, o fisco não pode simplesmente alegar que essa holding é "simulação" apenas porque gerou economia tributária. Seria necessário comprovar fraude ou abuso, além de seguir um procedimento previsto em lei ordinária - lei essa que ainda não existe.

Conclusão

A ADIn 2.446 não restringiu o planejamento patrimonial. Ao contrário, fortaleceu a segurança jurídica para quem atua corretamente. 

Ao exigir lei regulamentadora e reafirmar a licitude da economia tributária obtida por meios legais, o STF consolidou a mensagem de que o contribuinte tem o direito de organizar seu patrimônio da forma mais eficiente, desde que respeite a lei.

Para as holdings familiares, isso representa um escudo jurídico contra interpretações arbitrárias, permitindo que famílias continuem utilizando essa ferramenta com tranquilidade, desde que acompanhadas por assessoria técnica qualificada.

__________

1 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

2 - Código Tributário Nacional - lei 5.172/66.

3 - STF, ADIn 2.446, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em abril/22.

4- CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30. ed., Malheiros.

5- AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 27. ed., Saraiva.

Bruno Couto Rocha

VIP Bruno Couto Rocha

Advogado especialista em Planejamento Patrimonial e Holding Familiar, membro diamante do Time Holding Brasil, atua na defesa do contribuinte e proteção do patrimônio.

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