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Uniões poliafetivas no Brasil: Limites legais e desafios constitucionais

O artigo analisa a proibição de uniões poliafetivas em cartórios no Brasil, o PL 4.302/16 e o debate jurídico sobre reconhecimento legal de novas formas de arranjos afetivos.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Atualizado às 09:34

Em 26/6/18, o CNJ - Conselho Nacional de Justiça, por maioria, decidiu proibir que cartórios lavrassem escrituras públicas de uniões poliafetivas, entendidas como uniões estáveis entre três ou mais pessoas.

O relator, ministro João Otávio de Noronha, afirmou que tais registros confeririam fé pública e produziriam efeitos semelhantes aos da união estável, sem respaldo na CF/88 (art. 226) nem no CC (arts. 1.511 e 1.723). Segundo ele:

"O instituto da união estável exige dualidade de gênero ou de pessoas do mesmo sexo, mas nunca pluralidade de conviventes."

O PL em tramitação (PL 4.302/16)

O PL 4.302/16, de autoria do deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), propõe alterar a lei 6.015/1973 (lei de registros públicos), o CC e a lei da união estável, com o objetivo de proibir expressamente o registro civil de uniões poliafetivas.

Em dezembro de 2023, o texto foi aprovado na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, com substitutivo que prevê, também, partilha proporcional de bens nos casos em que houver prova de contribuição patrimonial.

O projeto segue agora para a CCJ - Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Reações e controvérsia

Argumentos favoráveis à proibição:

  • A CF/88, no art. 226, § 3º, reconhece a união estável apenas entre duas pessoas, interpretação posteriormente ampliada pelo STF para incluir casais homoafetivos.
  • O reconhecimento de uniões múltiplas poderia gerar insegurança jurídica em áreas como previdência, herança e filiação.

Argumentos contrários:

  • Juristas como Maria Berenice Dias defendem que o Direito de Família deve acompanhar a evolução social e proteger relações reais existentes, ainda que não se enquadrem no modelo tradicional.
  • O art. 5º, X, da CF protege a intimidade e a vida privada, abrangendo formas consensuais de convivência.
  • A vedação pode gerar invisibilidade jurídica, dificultando a proteção patrimonial e assistencial dos envolvidos.

Experiência internacional

  • Colômbia: Em 2017, um tribunal reconheceu uma "trieja" (união de três homens) para fins patrimoniais.
  • Canadá: Algumas províncias permitem o registro parental de mais de dois responsáveis em certidões de nascimento, embora não reconheçam formalmente o casamento poliafetivo.
  • Estados Unidos: Cidades como Somerville e Cambridge (Massachusetts) aprovaram leis municipais reconhecendo uniões domésticas poliamorosas.

Esses exemplos mostram que, onde há reconhecimento, a abordagem é gradual e, muitas vezes, restrita a direitos patrimoniais e parentais, sem equiparação total ao casamento.

Andamento atual

O PL 4.302/16 aguarda apreciação na CCJ. Caso aprovado, segue para o plenário da Câmara e, posteriormente, para o Senado. Se convertido em lei, consolidará no ordenamento jurídico a proibição já praticada na via administrativa, desde a decisão do CNJ.

Reflexão final

Como juiz de paz, acredito que o Estado precisa dar respostas às mudanças sociais, mantendo-se afastado de entendimentos estritamente religiosos, mas sempre fiel aos princípios constitucionais e à proteção da família.

A realidade social é dinâmica, e o Direito de Família deve acompanhar essa transformação de forma equilibrada, sem negar a diversidade dos arranjos afetivos, mas também sem abrir mão da segurança jurídica que garante direitos e deveres a todos os envolvidos.

____________

1 Constituição Federal - arts. 5º, X e 226, §§ 3º e 4º

2 Código Civil - arts. 1.511 a 1.590

3 Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos)

4 CNJ - Procedimento de Controle Administrativo nº 0001459-08.2016.2.00.0000

5 Projeto de Lei nº 4.302/2016 - Câmara dos Deputados

Rudyard Rios

VIP Rudyard Rios

Juiz de Paz pelo TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Formado em Direito e Filosofia, pós em Ciência Politica, Mestrando em Direito pela UNB com foco em Direito de Familia.

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