Governança global e direitos humanos: O desafio das multinacionais
Empresas transnacionais e direitos humanos: Análise crítica da devida diligência global, entre normas nacionais, governança corporativa e desafios no Brasil.
segunda-feira, 8 de setembro de 2025
Atualizado às 13:49
1. Introdução
O crescimento das empresas transnacionais e sua atuação em múltiplas jurisdições trouxeram à tona novos desafios para o Direito Internacional e para o Direito Empresarial. Ao se inserirem em cadeias globais de produção, essas corporações assumiram papel determinante não apenas no comércio internacional, mas também na conformação de realidades sociais, trabalhistas e ambientais em países em desenvolvimento. Essa centralidade econômica e política ampliou a percepção de que, ao lado de sua capacidade de gerar riqueza, as empresas podem também causar violações graves a direitos humanos, como trabalho forçado, degradação ambiental e práticas discriminatórias. Diante desse cenário, a discussão sobre sua responsabilização deixou de ser questão periférica para se tornar um dos temas centrais da governança global contemporânea.
Historicamente, a ordem internacional concentrou-se na figura do Estado como sujeito principal de direitos e deveres. Esse modelo mostrou-se insuficiente diante da complexidade dos impactos causados por conglomerados empresariais transnacionais, que frequentemente se beneficiam da fragmentação societária e da assimetria regulatória para evitar a responsabilização. Como resposta a essa lacuna, surgiram iniciativas normativas de caráter voluntário, como os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, que buscaram estabelecer parâmetros de conduta empresarial em nível global. No entanto, a limitação desses instrumentos, marcada pela ausência de coercitividade, conduziu à emergência de legislações nacionais e regionais que transformaram a devida diligência em direitos humanos em obrigação legal vinculante, como se observa nas experiências da França, da Alemanha, do Reino Unido e da União Europeia.
A relevância do tema justifica-se não apenas pela sua atualidade, mas também pelo impacto direto sobre a governança corporativa e a ordem jurídica internacional. Trata-se de investigar como empresas transnacionais podem ser responsabilizadas juridicamente por violações de direitos humanos, considerando a interação entre instrumentos de soft law e legislações de hard law, bem como o papel da governança interna e do compliance. O estudo é igualmente oportuno para o contexto brasileiro, em que, embora não exista legislação específica de devida diligência, a Constituição de 1988 e a doutrina da eficácia horizontal dos direitos fundamentais oferecem fundamentos sólidos para a responsabilização empresarial em consonância com parâmetros internacionais.
A hipótese central deste artigo é que a transição de um regime voluntarista, baseado em responsabilidade social corporativa, para um regime jurídico estruturado em torno da human rights due diligence representa não apenas um avanço normativo, mas uma mudança de paradigma na governança global. Argumenta-se que a consolidação de legislações de devida diligência e a incorporação da HRDD na governança corporativa das empresas criam condições objetivas para reduzir o accountability gap, ainda que persistam tensões entre formalismo e efetividade, fragmentação e convergência regulatória, proteção de vítimas e interesses econômicos globais.
Quanto à metodologia, adota-se o método dedutivo, partindo da análise teórica e normativa internacional - que envolve instrumentos de soft law, legislações nacionais e regionais de devida diligência e práticas empresariais - para então examinar sua interação com a realidade brasileira. O trabalho utiliza pesquisa bibliográfica e documental, com foco em obras de referência nacional e internacional, bem como na análise de normas e instrumentos jurídicos que conformam o campo dos direitos humanos e da responsabilidade empresarial. O estudo assume caráter exploratório-analítico, combinando a identificação de marcos teóricos e legislativos com a avaliação crítica de sua eficácia prática e de seus limites.
Dessa forma, a introdução estabelece o cenário e a relevância da pesquisa, delimita seu objeto, formula a hipótese, explicita os objetivos e indica a metodologia adotada. O percurso argumentativo segue estruturado nos tópicos subsequentes, que examinam desde os fundamentos teóricos da responsabilidade empresarial transnacional até as experiências normativas estrangeiras, os mecanismos de responsabilização, a integração com a governança corporativa e, por fim, as perspectivas e desafios do direito brasileiro.
2. Marcos teóricicos da responsabilidade de empresas transnacionais
A compreensão da responsabilidade de empresas transnacionais no plano jurídico demanda um mergulho em fundamentos teóricos que articulam Direito Internacional, Direito Empresarial e Direitos Humanos. O paradigma tradicional do Direito Internacional, assentado na centralidade estatal, mostrou-se insuficiente para lidar com os impactos das corporações globais, cujas operações extrapolam fronteiras e moldam dinâmicas sociais, ambientais e econômicas. A clássica distinção entre sujeitos de direito internacional - limitada a Estados e organizações internacionais - não oferece respostas adequadas diante da complexidade das cadeias globais de valor e da assimetria de poder entre corporações e comunidades locais. Assim, surge a necessidade de repensar o estatuto jurídico das empresas transnacionais, reconhecendo que, mesmo não sendo formalmente sujeitos de Direito Internacional, exercem poder normativo e produzem efeitos comparáveis aos de entes estatais em determinadas esferas (CLAPHAM, 2006; MUCHLINSKI, 2021).
A teoria contemporânea identifica três níveis de imputação possíveis: (i) a responsabilidade da empresa-mãe no âmbito do direito societário doméstico, quando exerce controle funcional sobre subsidiárias; (ii) a responsabilização indireta, derivada de instrumentos internacionais de direitos humanos e de soft law, como os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos; e (iii) a responsabilização extraterritorial em sede de litígios civis, quando tribunais nacionais admitem demandas contra controladoras por violações cometidas no exterior. Essa multiplicidade de caminhos reflete a busca por superar a compartimentalização societária, que historicamente blindava a controladora das consequências das práticas abusivas em cadeias de produção fragmentadas e descentralizadas (KAMMINGA; ZIA-ZARIFI, 2000; ENNEKING, 2012).
O deslocamento da responsabilidade social corporativa, tratada como compromisso ético ou reputacional, para a devida diligência em direitos humanos, concebida como dever jurídico positivo, constitui marco fundamental dessa virada teórica. A chamada human rights due diligence (HRDD) pressupõe a identificação, prevenção, mitigação e reparação de impactos adversos, não apenas em relação às atividades diretas da empresa, mas também no âmbito de fornecedores, parceiros comerciais e demais integrantes da cadeia global de valor. Esse dever processual contínuo rompe com a lógica da autorregulação empresarial, deslocando a responsabilidade de um campo voluntário para um patamar normativo exigível, tanto no plano doméstico quanto no internacional (RUGGIE, 2013; BERNÁZ, 2017; DE SCHUTTER, 2019).
Além disso, a literatura destaca que a HRDD não se esgota em obrigações de meio: a ausência de processos adequados pode caracterizar falha organizacional e ensejar imputação de responsabilidade, mas a sua existência, por si só, não exime a empresa da reparação quando o dano era previsível e evitável. Essa concepção reforça a noção de que a governança corporativa deve internalizar os direitos humanos como parâmetro de decisão estratégica, vinculando órgãos de administração e conselhos de direção a deveres fiduciários ampliados. Desse modo, a teoria jurídica aproxima-se da realidade prática, na qual empresas transnacionais não apenas participam da economia global, mas exercem poder estrutural que exige limites, controles e obrigações proporcionais ao impacto de suas atividades (BAUMANN-PAULY; NOLAN, 2016; DEVA; BILCHITZ, 2013).
Por fim, os marcos teóricos revelam uma tensão permanente entre voluntariedade e juridicidade. Enquanto parte da doutrina sustenta que a responsabilidade empresarial deve permanecer vinculada à lógica da "responsabilidade de respeitar", outros autores defendem a imposição de obrigações positivas em virtude da capacidade estrutural das corporações de moldar direitos e gerar riscos sistêmicos. A evolução normativa recente, sobretudo na Europa, indica que o movimento de transição de soft law para hard law não é apenas inevitável, mas necessário para evitar que as empresas transnacionais se valham de lacunas jurídicas e da fragmentação normativa global como escudo contra a responsabilização (WETTSTEIN, 2012; MARTIN; BRAVO, 2015).
2.1. A centralidade estatal no Direito Internacional e os limites da personalidade jurídica empresarial
A arquitetura clássica do Direito Internacional foi concebida a partir da soberania estatal como núcleo de imputação de direitos e deveres. O Estado figura como sujeito primário do sistema, dotado de personalidade plena para celebrar tratados, submeter-se a tribunais e assumir obrigações internacionais. Nesse desenho, atores privados - como empresas e indivíduos - eram vistos apenas como beneficiários indiretos de normas, ou como destinatários mediatos de regras internalizadas pelos ordenamentos nacionais. Tal estrutura gerou um déficit normativo diante da ascensão das corporações transnacionais, que passaram a exercer funções antes restritas a entes públicos, como a regulação de fluxos econômicos, a definição de padrões tecnológicos e até a interferência em políticas públicas (CLAPHAM, 2006; MUCHLINSKI, 2021).
A doutrina contemporânea demonstra que a manutenção desse modelo exclusivamente estatal de atribuição gera obstáculos relevantes para a responsabilização de empresas por violações a direitos humanos. A ideia de que apenas Estados podem assumir obrigações internacionais cria uma lacuna entre a dimensão dos impactos das atividades empresariais e a efetividade das respostas jurídicas. Empresas multinacionais estruturam-se de forma fragmentada, por meio de subsidiárias, joint ventures e contratos de fornecimento, muitas vezes explorando diferenças regulatórias e zonas de baixa governança. Essa engenharia societária dificulta a imputação direta de responsabilidade, reforçando a necessidade de repensar o estatuto jurídico desses atores, ainda que sem lhes atribuir personalidade internacional plena (KAMMINGA; ZIA-ZARIFI, 2000; ENNEKING, 2012).
Parte da literatura propõe a noção de "personalidade escalonada" ou "capacidade funcional", segundo a qual corporações podem não ser sujeitos integrais de Direito Internacional, mas assumem obrigações específicas em razão do impacto de suas atividades e de sua presença global. Essa perspectiva, que emerge em debates sobre a responsabilidade direta de empresas por crimes internacionais e em propostas de tratados vinculantes de direitos humanos e empresas, revela uma tentativa de superar a rigidez estatal e alinhar a ordem internacional às transformações econômicas contemporâneas (WETTSTEIN, 2012; DEVA; BILCHITZ, 2013).
Na prática, tribunais nacionais têm avançado no reconhecimento de deveres de cuidado ampliados da empresa-mãe em relação às suas subsidiárias, especialmente em litígios envolvendo violações em países em desenvolvimento. O fundamento central é que a controladora, ao definir políticas corporativas, metas de produção e práticas de governança, exerce poder normativo interno que se projeta sobre todo o grupo, sendo incompatível permitir que se beneficie da fragmentação societária como blindagem jurídica. Assim, a teoria da centralidade estatal cede espaço para um modelo híbrido, no qual a soberania permanece como fundamento normativo, mas é complementada por uma imputação funcional às corporações transnacionais, em atenção à sua capacidade estrutural de gerar riscos e de preveni-los (MARTIN; BRAVO, 2015; BERNÁZ, 2017).
2.2. Da responsabilidade social corporativa à devida diligência em direitos humanos (HRDD)
A trajetória das empresas transnacionais no campo dos direitos humanos revela uma mudança significativa: da lógica voluntarista da responsabilidade social corporativa para a institucionalização da devida diligência em direitos humanos como obrigação jurídica. Inicialmente, prevalecia a ideia de que as corporações poderiam adotar práticas de autorregulação e programas de responsabilidade social como demonstração de boa-fé, sem que houvesse mecanismos de exigibilidade ou parâmetros normativos claros. Esse modelo estava fortemente ligado à noção de CSR - corporate social responsibility, concebida como estratégia reputacional ou de governança ética, sem efeito vinculante (MARE, 2007; MORGERA, 2020).
A inflexão teórica ocorreu com a constatação de que a voluntariedade era incapaz de prevenir abusos sistemáticos em cadeias globais de produção, sobretudo nos setores extrativos, têxtil e tecnológico. A emergência dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, elaborados por John Ruggie em 2011, consolidou o marco normativo da HRDD - human rights due diligence. Trata-se de um processo contínuo pelo qual as empresas devem identificar, prevenir, mitigar e reparar impactos adversos aos direitos humanos diretamente relacionados às suas atividades ou às suas relações comerciais. Essa concepção rompe com a lógica da filantropia empresarial e insere a responsabilidade corporativa em um regime de governança global híbrido, onde padrões de soft law orientam a criação de normas obrigatórias nos planos nacional e regional (RUGGIE, 2013; BERNÁZ, 2017; BAUMANN-PAULY; NOLAN, 2016).
Autores como Deva e Bilchitz sustentam que a HRDD não pode ser compreendida apenas como recomendação ética, mas como obrigação positiva de conduta derivada da capacidade estrutural das corporações de causar danos em larga escala. Essa interpretação amplia o alcance da responsabilidade empresarial para além da dimensão do "respeitar direitos", vinculando-a à prevenção e à reparação efetiva de danos. Tal perspectiva é reforçada por Wettstein, que analisa as corporações como instituições quase governamentais, dotadas de poder suficiente para impor padrões normativos e, por isso, sujeitas a deveres correlatos (DEVA; BILCHITZ, 2013; WETTSTEIN, 2012).
No plano prático, a HRDD consolidou-se como critério de avaliação do dever de cuidado empresarial. A ausência de mecanismos internos de monitoramento e gestão de riscos passou a configurar falha organizacional, ensejando responsabilização civil e administrativa. Por outro lado, a existência de programas de devida diligência robustos não exclui automaticamente a responsabilidade, especialmente quando o dano era previsível e evitável. Isso significa que a diligência opera como padrão de conduta exigível, aproximando-se da noção jurídica de culpa por omissão. Tal evolução demonstra a superação do paradigma voluntário da CSR e a ascensão de um modelo normativo pautado por deveres de governança empresarial, cujo núcleo é a HRDD (DE SCHUTTER, 2019; ENNEKING, 2012; MARTIN; BRAVO, 2015).
Essa virada teórica também tem repercussões nos deveres fiduciários de administradores e conselhos, que passam a ser interpretados de forma ampliada, incorporando a gestão de riscos de direitos humanos como parte integrante da governança corporativa. Choudhury e Petrin observam que os deveres corporativos ao público, tradicionalmente entendidos como obrigações difusas de responsabilidade social, adquirem concretude ao se vincularem à diligência empresarial em direitos humanos, transformando-se em componente essencial do compliance global (CHOUDHURY; PETRIN, 2019).
Por fim, a institucionalização da HRDD reforça a convergência entre normas de soft law e iniciativas legislativas de hard law. Diretrizes da OCDE e instrumentos de organizações internacionais funcionam como matriz regulatória, estimulando a adoção de legislações nacionais e regionais que tornam obrigatória a devida diligência em direitos humanos. Esse movimento, observado em países como França, Alemanha e Reino Unido, prepara o terreno para harmonizações regionais, como a recente Diretiva europeia sobre devida diligência em sustentabilidade corporativa, consolidando a HRDD como paradigma central da responsabilidade empresarial transnacional (OCDE, 2023; RAMOS, 2024; PIOVESAN, 2018).
2.3. Soft law e a consolidação de padrões internacionais (UNGPs, OCDE, OIT)
O desenvolvimento da responsabilidade empresarial transnacional foi marcado pela centralidade de instrumentos de soft law, que, embora não dotados de coercitividade direta, desempenham papel decisivo na formação de expectativas normativas e na harmonização de condutas empresariais em múltiplas jurisdições. Os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs), aprovados em 2011, constituem a principal referência, ao estabelecer o tripé "proteger, respeitar e reparar" como base da governança global. A lógica subjacente é a de que os Estados permanecem responsáveis pela proteção de direitos humanos, mas as empresas devem respeitá-los em todas as suas operações e, em caso de violação, assegurar mecanismos de reparação adequados (RUGGIE, 2013; DE SCHUTTER, 2019).
As Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, revisadas em 2023, complementam esse quadro ao enfatizar a devida diligência em temas emergentes como mudanças climáticas, transição energética, biodiversidade, riscos tecnológicos e integridade corporativa. Tais diretrizes reforçam a importância dos Pontos de Contato Nacionais como mecanismos não judiciais para resolução de disputas, ainda que enfrentem críticas quanto à sua efetividade e imparcialidade (OCDE, 2023; MARTIN; BRAVO, 2015). Já no âmbito da OIT - Organização Internacional do Trabalho, a Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social estabelece parâmetros específicos para as relações de trabalho, consolidando obrigações de conduta no campo laboral, especialmente no que tange à liberdade sindical, igualdade de remuneração e erradicação do trabalho infantil e forçado (CLAPHAM, 2006; RAMOS, 2024).
Embora reconhecidos como avanços relevantes, esses instrumentos de soft law são alvo de divergências na doutrina. Autores como Ruggie e Bernáz defendem que os UNGPs representam um marco pragmático, ao estabelecer padrões mínimos que ganharam legitimidade global e abriram caminho para sua positivação em legislações nacionais e regionais (RUGGIE, 2013; BERNÁZ, 2017). Em contrapartida, estudiosos como Deva e Bilchitz apontam que a natureza não vinculante desses instrumentos reforça a fragilidade do regime, perpetuando o "accountability gap" ao conferir às corporações margem excessiva de discricionariedade na implementação da devida diligência. Para esses autores, apenas a transformação de tais parâmetros em obrigações legais de cumprimento obrigatório poderia garantir a efetividade da proteção (DEVA; BILCHITZ, 2013).
Outro ponto de debate diz respeito à eficácia prática dos mecanismos de queixa derivados das Diretrizes da OCDE. Enquanto alguns autores veem nesses canais um avanço institucional que fortalece o diálogo entre empresas e comunidades afetadas, outros observam limitações significativas, sobretudo pela ausência de sanções efetivas e pela dependência da cooperação voluntária das partes. Essa divergência revela uma tensão intrínseca ao soft law: de um lado, sua flexibilidade facilita a aceitação internacional e a adesão empresarial; de outro, sua falta de coercitividade compromete o alcance dos objetivos de reparação e prevenção de danos (MARTIN; BRAVO, 2015; BAUMANN-PAULY; NOLAN, 2016).
Adicionalmente, a literatura identifica que a coexistência de múltiplos padrões - ONU, OCDE, OIT, Banco Mundial e iniciativas setoriais - cria um cenário fragmentado, que tanto permite inovação regulatória quanto gera sobreposição de obrigações e incertezas para as corporações. Nesse contexto, Wettstein argumenta que a proliferação de normas voluntárias pode obscurecer a necessidade de obrigações jurídicas vinculantes, funcionando como uma cortina de fumaça para a ausência de enforcement robusto. Por outro lado, De Schutter sustenta que a interação progressiva entre instrumentos de soft law e legislações nacionais demonstra um efeito de transição, no qual padrões voluntários se convertem gradualmente em normas cogentes (WETTSTEIN, 2012; DE SCHUTTER, 2019).
Em síntese, a consolidação dos UNGPs, das Diretrizes da OCDE e da Declaração da OIT demonstra que o soft law opera como espaço de construção normativa e de socialização de expectativas, ainda que limitado em termos de coercitividade. As divergências doutrinárias mostram que, enquanto alguns veem nesses instrumentos o início de uma governança global capaz de moldar legislações domésticas, outros entendem que sua insuficiência apenas evidencia a urgência de mecanismos obrigatórios e sancionatórios. Essa tensão revela-se central para compreender a evolução da responsabilidade das empresas transnacionais e prepara o terreno para a análise das experiências de hard law que se seguiram, sobretudo no contexto europeu.
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