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Clemência aos golpistas: A porta aberta para o caos

A anistia aos envolvidos nos atos de 8/1 não repete 1979: sob a Constituição de 1988, ela é inconstitucional, desmoraliza o Judiciário e ameaça a própria estabilidade democrática.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Atualizado às 14:53

Introdução

Em 2025, volta à cena o debate sobre a concessão de anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Propostas legislativas tramitam na Câmara dos Deputados, acompanhadas de intensa pressão política. Mas, sob a ótica constitucional e institucional, a anistia é uma saída não apenas inadequada: é inconstitucional e perigosa para a democracia brasileira.

Competência não é licença para violar a Constituição

A Constituição de 1988 atribui ao Congresso Nacional competência para conceder anistia (art. 48, VIII). Contudo, o exercício desse poder não é absoluto. Ele deve respeitar os limites constitucionais, notadamente:

  • o art. 5º, XLIII, que veda anistia para crimes de terrorismo;
  • o art. 5º, XLIV, que tipifica como crimes inafiançáveis e imprescritíveis as ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
  • a lei 14.197/21, que criminaliza condutas voltadas à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e ao golpe de Estado.

Assim, perdoar crimes praticados contra a democracia é frontalmente incompatível com a ordem de 1988.

A falsa analogia com a anistia de 1979

Os defensores da clemência evocam a anistia de 1979 como precedente. Trata-se de comparação equivocada.

  • A lei 6.683/1979 foi editada sob regime autoritário e antes da Constituição de 1988.
  • Em 2010, o STF, no julgamento da ADPF 153, validou a lei, mas o fez em um contexto de transição política e sob forte crítica no plano internacional.

Não há paralelo possível: a Constituição de 1988 fortaleceu a democracia, criou cláusulas pétreas de proteção institucional e fechou a porta para perdões que estimulem ataques à ordem constitucional.

Consequências institucionais: Judicialização e desmoralização

Concedida uma anistia ampla, ainda que inconstitucional, o efeito imediato será a judicialização em massa.

  • O CP prevê que a anistia extingue a punibilidade (art. 107, II), mas a declaração deve ser feita caso a caso pelo juiz ou tribunal competente.
  • Isso abrirá espaço para milhares de pedidos de extensão por parte de advogados, inclusive para réus de crimes comuns, sob a tese da "isonomia de tratamento".

O Judiciário, já sobrecarregado, se verá desmoralizado: tendo aceitado uma anistia inconstitucional, faltará argumento sólido para negar pedidos análogos em outros contextos.

Impactos no sistema prisional: Combustível para rebeliões

O sistema carcerário brasileiro é marcado por superlotação, facções organizadas e tensões permanentes. Uma anistia seletiva, direcionada a crimes políticos de alto impacto, será interpretada como injustiça estrutural pelos demais presos. O risco de desencadear rebeliões em presídios é real: líderes criminosos certamente explorarão a narrativa de que o Estado premia uns e pune outros, corroendo ainda mais a frágil disciplina prisional.

O preço da exceção

Ao institucionalizar uma violação à Constituição, o Congresso abrirá um precedente devastador: o de que a própria ordem democrática pode ser suspensa ao sabor da política. A mensagem é clara - crimes contra a democracia compensam, porque cedo ou tarde serão perdoados. Esse é o oposto da pacificação social. É a legitimação da violência política.

Conclusão

A anistia de 2025 não é um gesto de reconciliação. É um ato de ruptura constitucional, que despreza as salvaguardas da Carta de 1988, compromete a credibilidade do Judiciário e ameaça a segurança institucional e prisional do país. O Congresso não deve cair na tentação de reeditar, em pleno regime democrático, uma clemência que afronta a própria essência da Constituição.

A democracia não se defende com perdão, mas com responsabilidade.

Meire de Andrade Alves

VIP Meire de Andrade Alves

Advogada formada pela FMU com mais de 20 anos de experiência, sendo 10 anos na iniciativa privada e 10 anos no serviço público. Pós Graduada.

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