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Parlamento a serviço de Bolsonaro: Violação da impessoalidade

O artigo denuncia a mobilização do Congresso em favor de Bolsonaro, em afronta ao princípio da impessoalidade, configurando risco de quebra de decoro e improbidade administrativa.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Atualizado às 10:00

Introdução

O Congresso Nacional, que deveria legislar em prol da coletividade, tem se mobilizado em 2025 em torno de uma pauta de interesse direto e exclusivo de um único cidadão: Jair Bolsonaro. Projetos de lei, articulações regimentais e discursos inflamados giram em torno de uma anistia desenhada sob medida para livrar o ex-presidente e seu entorno de responsabilidades jurídicas.

Essa mobilização não é apenas politicamente questionável - é uma afronta direta ao princípio da impessoalidade insculpido no art. 37 da Constituição de 1988, que rege toda a Administração Pública e, por extensão, deve orientar a atuação parlamentar.

A impessoalidade esquecida

O art. 37, caput, da CF/88 estabelece que a administração pública obedecerá, entre outros, ao princípio da impessoalidade. O que isso significa? Que os atos estatais devem visar o interesse público, sem favoritismos pessoais, sem privilegiar nomes ou grupos específicos.

Quando um partido político - no caso, o PL - e uma bancada expressiva como a evangélica se dedicam de corpo e alma a aprovar uma anistia cujo beneficiário imediato e notório tem nome e CPF, estamos diante de uma violação escancarada desse princípio. Não se trata de política pública, mas de política de salvação pessoal.

A pauta com identidade

É impossível disfarçar a identidade da pauta. O discurso parlamentar não é abstrato, não é genérico: gira em torno de "Bolsonaro", "seus filhos", "seus aliados". A agenda legislativa se converte em instrumento de blindagem de um grupo específico, reduzindo o Parlamento a escritório de advocacia de luxo de um ex-presidente.

Essa personalização da pauta é, por si só, um vitupério à Constituição. A democracia representativa exige que o legislador aja em nome do povo brasileiro, não em nome de uma família ou de um líder político.

Decoro e improbidade

Diante disso, cabe uma análise mais dura: essa conduta não se limita a ser imoral ou inconveniente. Pode configurar:

  • Quebra de decoro parlamentar: os regimentos internos da Câmara e do Senado preveem a perda de mandato por condutas incompatíveis com a dignidade do cargo. Trabalhar de forma ostensiva para defender interesse privado, contra o interesse público, enquadra-se nesse campo.
  • Improbidade administrativa: a lei 8.429/92 (lei de improbidade, reformada em 2021) mantém a tipificação de atos que atentem contra os princípios da Administração Pública, incluindo o da impessoalidade. Embora discutível a aplicação direta a parlamentares, a analogia é pertinente: quando agentes públicos atuam descaradamente em favor de interesses pessoais, há violação qualificada à moralidade administrativa.

Conclusão

Ao mobilizar-se para proteger Bolsonaro, o Congresso não apenas despreza a nação que deveria representar, mas também corrompe a lógica constitucional que sustenta a democracia. A impessoalidade não é detalhe técnico - é a garantia de que o Estado existe para todos, não para um só.

Transformar o Parlamento em refúgio pessoal de um ex-presidente é, sim, uma forma de desvio de função pública, com reflexos em decoro e improbidade. O país não pode ser sequestrado por uma pauta de salvação individual.

Meire de Andrade Alves

VIP Meire de Andrade Alves

Advogada formada pela FMU com mais de 20 anos de experiência, sendo 10 anos na iniciativa privada e 10 anos no serviço público. Pós Graduada.

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