Reforma tributária em TI: O fim do ISS e o risco SaaS
A guerra do ISS acabou. A reforma tributária traz um novo campo de batalha para o setor de TI, com aumento de impostos e caos para o SaaS. Sua empresa está pronta para a nova realidade?
quinta-feira, 11 de setembro de 2025
Atualizado às 13:35
Por mais de duas décadas, a estratégia de crescimento de qualquer empresa de tecnologia no Brasil era definida por uma pergunta geográfica: "Qual cidade tem a menor alíquota de ISS?".
A "Guerra Fiscal do ISS" era o grande tabuleiro do setor. Empresas mudavam suas sedes para municípios como Barueri ou Poá, que ofereciam um paraíso fiscal com alíquotas de 2%, para ganhar uma vantagem competitiva esmagadora.
Este jogo vai acabar logo ali. A reforma tributária não apenas vira o tabuleiro, queima e joga fora.
O fim da guerra fiscal municipal é, em tese, uma boa notícia. Traz isonomia e simplicidade. Contudo, para o setor de Tecnologia da Informação, a solução proposta pela reforma tributária pode ser muito pior do que a doença. A nova arquitetura fiscal, baseada no IVA Dual e na tributação no destino, representa um desafio existencial para o modelo de negócio que domina o setor: o Software como Serviço (SaaS).
O fim de uma era: Guerra do ISS
A regra central da reforma tributária que muda o jogo é a da "tributação no destino". O imposto não é mais devido no município onde a empresa de TI está sediada (origem), mas sim onde o cliente está localizado (destino).
Isso significa que a vantagem de ter um CNPJ em um municipal com melhor percentual acabou. Uma empresa de software em Barueri (ISS de 2%) que vende para um cliente em São Paulo (ISS de 5%) pagava 2%. Com a reforma tributária, não importa mais onde ela está; o imposto será o mesmo e devido onde o cliente consome o serviço. Aparentemente, é justo. Mas é aqui que o caos começa.
O paradigma SaaS: Complexidade e o aumento da carga tributária
O grande problema da reforma tributária para o setor de TI reside em duas palavras: destino e créditos.
Primeiro, o destino. O que é o "local do cliente" para um serviço de nuvem? Imagine sua empresa, que vende um software de gestão (ERP) para um grande banco. O banco tem sua sede em São Paulo, mas possui 5.000 funcionários usando o software em 300 agências espalhadas por 20 estados. Para onde você deve recolher o imposto? Para a sede do banco? Ou uma fração para cada um dos 300 municípios onde há um usuário ativo? A complexidade de compliance e faturamento se torna exponencial.
Segundo, e mais complicado, os créditos. A grande promessa da não cumulatividade do IVA é poder abater os impostos pagos nos insumos. Mas qual é o principal "insumo" de uma empresa de tecnologia? Cérebros. O custo mais alto de qualquer empresa de SaaS é a folha de pagamento de seus desenvolvedores, designers e engenheiros. E a reforma tributária é categórica: folha de pagamento não gera crédito.
O resultado é uma tempestade perfeita:
- A empresa perde o benefício da alíquota baixa do ISS (que era de 2% a 5%).
- Ela passa a ser tributada pela alíquota cheia do IVA (estimada em 27%).
- Ela não consegue gerar créditos significativos para abater esse novo imposto, pois seu principal custo (salários) não é creditável.
A consequência matemática da reforma tributária para o setor é inevitável: um aumento brutal da carga tributária efetiva. O que antes era uma carga de 5-9% (somando ISS e PIS/COFINS cumulativo) pode saltar para mais de 20%, mesmo considerando os poucos créditos com aluguel e infraestrutura de nuvem.
Repercussões: Fuga de cérebros e a exportação como saída
Um aumento de carga tributária dessa magnitude não será absorvido pacificamente. O setor, conhecido por sua agilidade e criatividade, buscará rotas de fuga.
- Precificação: A primeira consequência será o repasse do custo. O software no Brasil ficará mais caro, o que pode desestimular a digitalização de pequenas e médias empresas e tornar as soluções brasileiras menos competitivas que as estrangeiras.
- Exportação: A reforma tributária mantém a imunidade para exportações. Esta será a válvula de escape mais óbvia. Veremos um movimento massivo de empresas brasileiras reestruturando suas operações. Elas podem criar uma entidade no exterior (EUA, Estônia, etc.), que contratará a equipe brasileira como mera prestadora de serviço de "desenvolvimento". O software será faturado pela empresa estrangeira para os clientes brasileiros, numa operação de importação de serviço. É uma forma de contornar a alta tributação interna.
- "Pejotização" e cripto-contratos: Para fugir do custo da folha de pagamento não creditável, a contratação de desenvolvedores como "PJ" pode aumentar. Em casos extremos, para contratos de alto valor e clientes dispostos, a venda de licenças ou serviços via criptomoedas pode surgir como uma tentativa de operar fora do sistema financeiro formal, escapando tanto do Split Payment quanto do imposto em si.
A encruzilhada da inovação na reforma tributária
O setor de TI, que deveria ser o grande beneficiado por um sistema tributário moderno, está, paradoxalmente, em uma das posições mais vulneráveis. A reforma tributária, em sua forma atual, pune empresas cujo maior ativo é o capital humano.
Para os líderes do setor de tecnologia, a adaptação precisa ser rápida e radical:
- Revisão e precificação: O modelo de preços atual está morto. É preciso recalcular tudo, considerando a nova carga tributária e inserindo cláusulas de repasse nos contratos.
- Tecnologia: O próprio setor terá que criar as ferramentas de compliance para lidar com a complexidade de faturamento para múltiplos destinos, um desafio que pode gerar novas startups (tax-techs).
- Balança corporativa: Manter o "cérebro" da operação no Brasil é a melhor opção? A reforma tributária força uma discussão desconfortável sobre a viabilidade de se ter uma empresa de tecnologia de ponta sediada no país.
A reforma tributária pode, sem querer, estar incentivando uma fuga de cérebros e de CNPJs, exportando a nossa capacidade de inovação. A adaptação a este novo e hostil ambiente definirá os vencedores e perdedores da tecnologia brasileira na próxima década.


