Reforma Tributária e PLP 108: Holding Ressuscitou?
A reforma tributária quase matou as holdings. O novo PLP 108 recuou. Uma vitória? Sim, mas a guerra não acabou. Entenda a janela de oportunidade e os novos riscos.
terça-feira, 16 de setembro de 2025
Atualizado às 13:21
Nos últimos meses, nos corredores dos escritórios de advocacia e nas salas de conselho das famílias empresárias, um clima de funeral se instalou. Uma das ferramentas mais eficazes e tradicionais de planejamento sucessório e patrimonial, a holding familiar, havia recebido uma sentença de morte.
A arma do crime? A primeira versão do texto regulatório (PLP 68, depois renumerado para PLP 108) da reforma tributária.
Aquele texto era um míssil teleguiado. Ele estabelecia duas regras que, na prática, tornavam a criação ou a sucessão de uma holding inviável:
- ITCMD a valor de mercado: A transferência de cotas da holding (por doação ou herança) seria tributada pelo ITCMD com base no valor de mercado dos ativos dentro dela. Isso criaria um impeditivo gigantesco. Considerando que a maioria das famílias procuram esse tipo de solução para fins de economia (também).
- Fim do "Turismo Fiscal": O imposto seria devido no local onde o imóvel estava fisicamente localizado, pondo um fim à estratégia de mudar o domicílio fiscal para um estado com ITCMD mais baixo para realizar a doação.
O primeiro ponto, sozinho, era uma catástrofe. Imagine uma holding familiar dona de um único imóvel, comprado há 30 anos por R$ 1 milhão (valor contábil), mas que hoje vale R$ 20 milhões no mercado. Pela regra antiga, a doação das cotas seria tributada sobre R$ 1 milhão (ou algo aproximado disso). Pelo texto original da reforma tributária, o imposto incidiria sobre os R$ 20 milhões. A conta se multiplicaria por 20. Era o fim do jogo.
Mas, em uma reviravolta que poucos esperavam, o executor parece ter repensado a penalidade. O novo texto da PLP 108, publicado recentemente, recuou de forma espetacular.
A holding ressuscitou?
A reviravolta: O que o novo texto diz...
O novo texto representa um recuo inteligente do legislador, que percebeu o potencial destrutivo da proposta original. A mudança mais crucial está na base de cálculo do ITCMD para as cotas de empresas não negociadas em bolsa, como as holdings familiares.
O texto agora diz que a base de cálculo será o "valor patrimonial correspondente ao patrimônio líquido".
Em bom português: o imposto voltará a incidir sobre o valor contábil da empresa, não sobre seu valor de mercado.
Voltando ao nosso exemplo: a transferência das cotas daquela holding com o imóvel de R$ 20 milhões voltará a ser tributada sobre o valor do patrimônio líquido, que reflete aproximadamente R$ 1 milhão original. A diferença não é apenas numérica; é a diferença entre um planejamento viável e a expropriação fiscal. Foi um suspiro de alívio coletivo para planejadores e famílias. Essa alteração na reforma tributária reabriu essa avenida (talvez uma das principais) para a organização sucessória no Brasil.
A guerra não acabou...
Seria um erro fatal, no entanto, interpretar essa vitória como o fim da guerra. Este foi apenas um recuo em uma das frentes de batalha da reforma tributária. O ambiente para o planejamento patrimonial ainda é, e continuará sendo, muito mais hostil do que antes.
A ressurreição da holding não a torna imune às outras ameaças que a reforma tributária e o atual contexto fiscal trazem:
- Tributação de dividendos: Hoje, os lucros distribuídos pela holding aos sócios são isentos de Imposto de Renda. Esta isenção pode estar com os dias contados. A tributação de dividendos é uma pauta constante e, quando vier, mudará drasticamente o cálculo da eficiência de se ter uma holding para gerir o patrimônio e distribuir renda.
- O fim do JCP - Juros sobre Capital Próprio: Outra ferramenta importante usada por holdings operacionais para remunerar seus sócios de forma fiscalmente eficiente já foi marcada para acabar na primeira fase da reforma tributária.
- Aumento da alíquota do ITCMD: A reforma tributária tornou a alíquota progressiva do ITCMD obrigatória para todos os estados. Mesmo que a base de cálculo tenha sido salva, a alíquota máxima, hoje em 8%, pode aumentar no futuro, seguindo tendências internacionais que chegam a 20% ou 30%.
O recuo na base de cálculo do ITCMD é uma maravilha na terra. Mas o objetivo maior do Estado, que é aumentar a arrecadação sobre o patrimônio e a renda, continua intacto.
Conclusão: Janela de fechando...
O que essa reviravolta na PLP 108 nos deu? Ela nos deu tempo. Ela reabriu uma janela de oportunidade para quem ainda não organizou sua sucessão.
A mensagem para as famílias empresárias e/ou patrimoniais não é de comemoração, mas de urgência. A hora de constituir, revisar ou acelerar o planejamento sucessório é agora, sob as regras atuais, que se mostraram mais resilientes do que o esperado.
- Aja agora: Se você estava paralisado por falta de urgência ou receio, o momento nunca esteve mais preemente. Estruture seu planejamento e realize as doações de cotas enquanto a base de cálculo é o valor contábil e as alíquotas do ITCMD ainda são as atuais.
- Planeje para o futuro: A nova holding deve ser estruturada já pensando nas futuras ameaças. Como ela vai operar em um cenário com dividendos tributados? Existem formas de otimizar a estrutura para mitigar este impacto futuro?
- Não subestime a complexidade: A reforma tributária deixou o ambiente mais complexo. A vitória no ITCMD não simplificou as coisas. Pelo contrário, mostrou que o jogo será disputado em cada detalhe técnico da legislação.
A holding não está mais no corredor da morte, mas a mensagem ainda é: cautela e urgência. A janela de oportunidade está aberta, mas o som de outras portas se fechando já pode ser ouvido ao longe.


