O iter criminis: Punibilidade e análise político-criminal no Direito brasileiro
O iter criminis: da cogitação à punibilidade. Uma exploração dogmática e político-criminal das fases do crime no Direito Penal brasileiro, essencial para o debate jurídico atual.
segunda-feira, 15 de setembro de 2025
Atualizado às 13:21
1. Introdução: A topografia do delito e o desafio da intervenção penal
O fenômeno criminal, em sua essência, não se manifesta de forma instantânea. Pelo contrário, desenrola-se em um percurso que a dogmática penal convencionou denominar iter criminis - o caminho do crime. Compreender a topografia desse trajeto, desde a mera ideação até a completa realização do ilícito, é fundamental para a delimitação da intervenção estatal e para a aplicação justa e proporcional do ius puniendi. Em um Estado Democrático de Direito, a delimitação precisa entre o que é penalmente relevante e o que não o é constitui uma garantia inafastável da liberdade individual, evitando a arbitrariedade e a punição de meros pensamentos ou atos inofensivos.
A complexidade do tema reside na fluidez das fronteiras entre as fases, especialmente entre os atos preparatórios e os atos executórios, e nas exceções à regra geral da impunibilidade de certas etapas. Este artigo propõe uma análise aprofundada das fases do iter criminis, explorando suas nuances teóricas e práticas, os desafios impostos pela criminalidade moderna e as implicações para a política criminal e a prevenção delitiva. A rigorosa observância dos princípios constitucionais e das normas da ABNT, como a NBR 14724 (que estabelece princípios gerais para a elaboração de trabalhos acadêmicos) e a NBR 10520 (diretrizes para citações), é o alicerce metodológico deste trabalho, garantindo a credibilidade e a robustez da análise.
2. A fase interna: a cogitação e o princípio da intranscendência do pensamento
O iter criminis inicia-se na esfera mais íntima do ser humano: a mente. A cogitação (ou cogitatio) é a fase em que o agente concebe, planeja e delibera sobre a prática de um delito. É um processo puramente intelectual, onde a ideia criminosa se forma e se desenvolve, sem qualquer exteriorização no mundo físico. Trata-se do momento em que o indivíduo "mentaliza, idealiza, prevê, antevê, planeja, deseja, representa mentalmente a prática do crime" (ARAÚJO e COSTA, 2020, p. 78). Essa fase, que pode incluir subfases de deliberação e resolução, permanece inteiramente no plano subjetivo do agente, sem qualquer exteriorização observável.
A impunibilidade da cogitação é um dogma basilar do Direito Penal, universalmente reconhecido e expresso na máxima latina "cogitationis nemo poenam patitur" (ninguém pode ser punido pelo pensamento). Este princípio não é uma mera conveniência prática, mas um corolário da liberdade individual e da própria natureza do Direito Penal, que se ocupa de condutas exteriorizadas e lesivas a bens jurídicos. Punir o pensamento implicaria uma inaceitável invasão da esfera privada do indivíduo, transformando o Direito Penal em um instrumento de controle de consciências, incompatível com os valores de um Estado Democrático de Direito (BITENCOURT, 2017).
Os fundamentos dessa intranscendência do pensamento são múltiplos e robustos:
- Inexistência de lesão a bem jurídico: Enquanto o pensamento não se exterioriza em uma conduta, não há qualquer agressão ou ameaça a um bem jurídico tutelado. O Direito Penal, como ultima ratio, só deve intervir diante de lesões ou perigos concretos a bens jurídicos relevantes;
- Dificuldade probatória: A prova de um mero pensamento é, por sua natureza, impossível, o que tornaria a aplicação da lei arbitrária e subjetiva. A intervenção penal baseada em conjecturas mentais seria uma violação direta ao princípio da presunção de inocência;
- Respeito à liberdade individual: A punição do pensamento violaria a liberdade de consciência e de autodeterminação, pilares de qualquer sociedade livre. Como ensina Toledo (1994), o Direito Penal tutela condutas, e não estados de espírito.
Embora impunível, a cogitação não é irrelevante para a criminologia e para a política criminal. A compreensão dos fatores que levam à formação de uma intenção criminosa, como as crenças comportamentais, as normas subjetivas e o controle comportamental percebido (conforme a Teoria do Comportamento Planejado de Ajzen, 1991), pode subsidiar estratégias de prevenção primária e secundária. Ao atuar na raiz do problema, antes que a ideia se materialize em condutas lesivas (ARAÚJO e COSTA, 2020), é possível desestimular a formação de intenções criminosas. É neste ponto que a criminologia oferece ferramentas valiosas, permitindo a compreensão dos processos deliberativos que antecedem a exteriorização da vontade.
3. A fase externa: Atos preparatórios e a antecipação da punibilidade
A transição da cogitação para a fase externa do iter criminis ocorre com os atos preparatórios. Nesta etapa, a intenção criminosa se exterioriza, mas a conduta ainda não iniciou a agressão direta ao bem jurídico tutelado. O agente realiza atos que visam criar as condições necessárias para a execução do crime, como a aquisição de instrumentos, o estudo do local, a obtenção de informações ou o planejamento logístico. São condutas que, embora exteriorizem a vontade criminosa, ainda estão aquém do ataque ao bem jurídico (MARONES, 2009, p. 45).
A regra geral no Direito Penal brasileiro é a imunidade penal dos atos preparatórios. O art. 31 do Código Penal estabelece que "o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado". A justificativa para essa impunidade reside na ideia de que, embora a intenção criminosa já seja manifesta, a conduta ainda não representa um perigo concreto e imediato ao bem jurídico, e o agente ainda pode desistir de seu intento criminoso. O Direito Penal, ao não punir a preparação, concede ao agente uma "ponte de ouro" para o retorno à legalidade, incentivando a desistência.
3.1. As exceções à impunibilidade: os crimes-obstáculo (delitos de perigo abstrato)
A impunidade dos atos preparatórios, contudo, não é absoluta. Em situações específicas, o legislador, movido por razões de política criminal e pela necessidade de antecipar a tutela de bens jurídicos de alta relevância, opta por criminalizar condutas que, em um contexto geral, seriam meros atos preparatórios. São os chamados crimes-obstáculo ou delitos de perigo abstrato, onde o ato preparatório, por si só, já constitui um delito autônomo (MASSON, 2015). Nesses casos, a punição não se dá pela tentativa do crime principal, mas pela consumação do crime-obstáculo.
Exemplos clássicos e paradigmáticos na legislação brasileira incluem:
- Associação criminosa (art. 288 do Código Penal): A mera associação de três ou mais pessoas, com o fim específico de cometer crimes, já configura um delito, mesmo que nenhum crime subsequente seja praticado. A ratio dessa incriminação reside no perigo que a organização criminosa representa para a ordem pública e a segurança social;
- Petrechos para falsificação de moeda (art. 291 do Código Penal): A posse de instrumentos destinados à falsificação de moeda é um crime autônomo, visando proteger a fé pública e a economia, antecipando a intervenção estatal para evitar a lesão ao bem jurídico;
- Porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da lei 10.826/2003): O simples fato de portar uma arma de fogo sem autorização já é um crime, não dependendo de sua utilização em outro delito. A jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a constitucionalidade de tais crimes de perigo abstrato, baseando-se na política criminal de controle de armas e na proteção da segurança coletiva (STF, HC 104.410-RS).
3.2. O caso emblemático dos atos preparatórios de terrorismo
A lei 13.260/16 (lei antiterrorismo) trouxe uma das mais significativas e debatidas exceções à impunibilidade dos atos preparatórios. Seu art. 5º criminaliza os "atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito". Esta previsão é um reflexo da crescente preocupação global com a segurança e a antecipação da tutela penal diante de crimes de extrema gravidade.
A criminalização dos atos preparatórios de terrorismo, no entanto, não está isenta de críticas e debates, especialmente quanto à sua conformidade com o princípio da taxatividade e da legalidade estrita, que exige que a lei penal seja clara, precisa e determinada:
- Vagueza e taxatividade: A redação do art. 5º, ao utilizar expressões como "atos preparatórios de terrorismo" e "propósito inequívoco", é criticada por sua vagueza, o que pode colidir com o princípio da taxatividade, essencial para a segurança jurídica (COSTA, 2020, p. 53). A ausência de uma descrição precisa da conduta pode levar à arbitrariedade na aplicação da lei e ao que alguns chamam de um "Direito Penal do risco", onde a punição se antecipa excessivamente;
- Princípio da ofensividade e proporcionalidade: O debate sobre a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, onde o perigo é presumido pelo legislador, é intenso. Críticos argumentam que o Direito Penal só deve intervir diante de uma lesão ou perigo concreto a um bem jurídico (BITENCOURT, 2017). Contudo, a jurisprudência tem admitido a constitucionalidade de crimes de perigo abstrato em situações de bens jurídicos de alta relevância e difícil proteção por outros meios (STF, HC 104.410-RS). A proporcionalidade da pena cominada para os atos preparatórios de terrorismo também levanta questões, especialmente se comparada à pena da tentativa de outros crimes;
- Mitigação jurisprudencial: O STJ tem buscado mitigar a vagueza do art. 5º, exigindo que os elementos subjetivos caracterizadores do terrorismo (motivação por xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião, conforme art. 2º da lei) estejam presentes para a configuração do delito (STJ, HC 537118 RJ). Essa interpretação sistemática visa a compatibilizar a norma com as garantias constitucionais, exigindo a demonstração do dolo específico de terrorismo (COSTA, 2020).
3.3. O desafio da distinção: Atos preparatórios vs. atos executórios
A distinção entre atos preparatórios impuníveis e atos executórios puníveis é um dos debates mais intensos e complexos da dogmática penal. A ausência de uma definição legal clara para "início da execução" levou ao desenvolvimento de diversas teorias, que buscam traçar essa linha divisória com o máximo de precisão:
3.3.1. Teoria subjetiva pura
Defende que o que importa é a intenção do agente. Se a vontade criminosa é inequívoca, o ato é executório.
- Crítica: Essa teoria é amplamente rechaçada por violar o princípio da legalidade e por permitir a punição de atos muito remotos do resultado, aproximando-se perigosamente do "Direito Penal do Pensamento", o que é absolutamente incompatível com um Estado Democrático de Direito.
3.3.2. Teoria formal-objetiva
Predominante na jurisprudência brasileira, define o início da execução quando o agente pratica o primeiro ato que se amolda ao núcleo do tipo penal (o verbo do crime). Por exemplo, no crime de furto ("subtrair"), a execução começa quando o agente efetivamente inicia a retirada do bem.
- Vantagens: Oferece clareza e segurança jurídica, ao vincular a punibilidade a um critério objetivo e facilmente identificável;
- Críticas: Sua rigidez é o principal defeito. Atos que, embora não se enquadrem no verbo do tipo, já representam um perigo iminente ao bem jurídico podem ficar impunes (MARONES, 2009, p. 49).
3.3.3. Teoria material-objetiva (ou da concepção natural)
Amplia a teoria formal-objetiva, considerando executórios os atos imediatamente anteriores ao núcleo do tipo que, em uma "concepção natural" ou para um observador externo, já demonstrem perigo concreto ao bem jurídico. Para essa teoria, o que importa é se a conduta já faz parte da "cena do crime" e se, para um observador, ela já representa uma agressão ao bem tutelado.
3.3.4. Teoria da impressão
Sugere que a execução delitiva se caracteriza quando a conduta do agente causa na comunidade uma "impressão de agressão ao direito", abalando o sentimento de segurança jurídica.
3.3.5. Teoria objetivo-individual
Considerada a mais coerente e adotada pela doutrina e jurisprudência mais modernas, esta teoria foca no plano concreto do autor. O ato executório é aquele que, de acordo com o plano individual do criminoso, coloca em perigo imediato o bem jurídico tutelado. Essa abordagem permite uma análise mais flexível e justa, individualizando a conduta e reconhecendo que a intenção e o plano do agente são cruciais para determinar a natureza do ato. A jurisprudência brasileira tem demonstrado uma tendência a incorporar nuances dessa teoria, especialmente em casos complexos (STJ, AgRg no AREsp 1.278.535/MS).
4. A tentativa (conatus): O crime imperfeito
A fase da execução é o momento em que o agente inicia o ataque direto ao bem jurídico tutelado. É a partir daqui que a conduta se torna penalmente relevante, mesmo que o resultado almejado não seja alcançado. A tentativa ocorre quando, iniciada a execução, o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente (art. 14, II, CP). A punibilidade da tentativa é um dos grandes avanços do Direito Penal, permitindo a intervenção estatal antes da lesão completa ao bem jurídico. A pena da tentativa é a do crime consumado, diminuída de um a dois terços (art. 14, parágrafo único, CP). A fração de diminuição é inversamente proporcional ao iter criminis percorrido: quanto mais próximo da consumação, menor a redução (STF, HC 118.203/MT).
4.1. Elementos da tentativa:
- Início da execução: Conforme as teorias discutidas, o agente deve ter transposto a fase preparatória;
- Não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente: Se a não consumação decorre da própria vontade do agente, configuram-se a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz, que excluem a punibilidade da tentativa;
- Dolo de consumação: O agente deve ter a intenção de consumar o crime. Não há tentativa culposa.
4.2. Espécies de tentativa:
- Tentativa perfeita (crime falho): O agente esgota todos os meios de que dispunha para consumar o crime, mas o resultado não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade (ex: atira para matar, mas a vítima é socorrida e sobrevive);
- Tentativa imperfeita: O agente não consegue praticar todos os atos executórios necessários à consumação, sendo interrompido por circunstâncias alheias à sua vontade (ex: é impedido de atirar por terceiros).
5. A consumação e o exaurimento: A plenitude do delito
A consumação do crime ocorre quando o tipo penal se realiza por completo, produzindo o resultado jurídico almejado. É o momento em que todos os elementos do tipo objetivo são preenchidos. No homicídio, a consumação se dá com a morte da vítima; no furto, com a inversão da posse do bem. A consumação varia conforme a natureza do crime:
- Crimes materiais: Exigem a produção de um resultado naturalístico (ex: morte no homicídio);
- Crimes formais: Consumam-se com a mera prática da conduta, independentemente da produção de um resultado naturalístico (ex: extorsão mediante sequestro, que se consuma com a privação da liberdade, independentemente do recebimento do resgate);
- Crimes de mera conduta: Consumam-se com a simples prática da conduta, sem previsão de resultado naturalístico (ex: desobediência).
O exaurimento, por sua vez, é uma fase posterior à consumação, na qual o crime produz todos os seus seus efeitos ou o agente obtém a vantagem almejada (CAPEZ, 2007, p. 240). O exaurimento não é um elemento do tipo penal e, em regra, não interfere na consumação do crime, mas pode influenciar a dosimetria da pena, servindo como circunstância judicial ou agravante.
6. Moduladores da punibilidade: Desistência voluntária e arrependimento eficaz
O legislador penal, em uma demonstração de política criminal incentivadora do retorno à legalidade, prevê institutos que podem afastar a punibilidade da tentativa, mesmo após o início da execução. São eles:
- Desistência voluntária (art. 15, CP): Ocorre quando o agente, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução do crime, embora pudesse fazê-lo. A desistência deve ser voluntária (não motivada por fatores externos que impeçam a continuidade) e eficaz (impedir a consumação). A punibilidade da tentativa é afastada, respondendo o agente apenas pelos atos já praticados (ex: lesões corporais);
- Arrependimento eficaz (art. 15, CP): Ocorre quando o agente, após ter praticado todos os atos executórios, impede voluntariamente que o resultado se produza. Assim como na desistência, a voluntariedade e a eficácia são essenciais. A punibilidade da tentativa é afastada, respondendo o agente apenas pelos atos já praticados;
- Arrependimento posterior (art. 16, CP): Aplicável a crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, onde o agente, por ato voluntário, repara o dano ou restitui a coisa antes do recebimento da denúncia ou queixa. Não exclui a punibilidade, mas reduz a pena de um a dois terços.
Esses institutos refletem a preocupação do legislador em premiar o agente que, por sua própria iniciativa, evita ou mitiga o dano ao bem jurídico, reforçando a função preventiva da pena.
7. Princípios constitucionais e a delimitação da punibilidade
A aplicação das normas que regem o iter criminis deve estar em consonância com os princípios constitucionais que balizam o Direito Penal em um Estado Democrático de Direito, servindo como balizas inegociáveis para a atuação do ius puniendi:
- Princípio da legalidade e taxatividade: Exige que a lei penal seja clara, precisa e determinada (nullum crimen, nulla poena sine lege stricta), evitando vagueza e garantindo que o cidadão saiba exatamente qual conduta é proibida. A crítica à vagueza do art. 5º da lei antiterrorismo é um exemplo patente da importância desse princípio para a segurança jurídica;
- Princípio da ofensividade (Nullum Crimen Sine Iniuria): Postula que não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão a um bem jurídico. Esse princípio fundamenta a impunidade da cogitação e dos atos preparatórios, e é central no debate sobre a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. O Direito Penal protege bens jurídicos, e não meros pensamentos;
- Princípio da proporcionalidade: Impõe um equilíbrio entre a gravidade da conduta e a severidade da pena. Abrange a proibição do excesso (evitar penas desproporcionais) e a proibição da proteção deficiente (garantir que o Estado proteja bens jurídicos de forma eficaz). A discussão sobre a pena dos atos preparatórios de terrorismo é um exemplo claro da aplicação desse princípio;
- Princípio da intervenção mínima (Ultima Ratio): O Direito Penal deve ser o último recurso do Estado, acionado apenas quando outros ramos do Direito e mecanismos de controle social se mostram insuficientes. Isso reforça o caráter fragmentário do Direito Penal, que só deve tutelar os bens jurídicos mais relevantes contra as agressões mais graves.
8. Conclusão: A desafio contínuo da Justiça penal
O iter criminis, em sua complexa arquitetura, revela a constante tensão entre a necessidade de proteção social e a salvaguarda das liberdades individuais. A punibilidade, em cada fase do caminho do crime, é um reflexo dessa tensão, buscando um equilíbrio que evite tanto a impunidade quanto o excesso punitivo. A dogmática penal brasileira, ao longo de sua história, tem se esforçado para refinar os critérios de punibilidade, buscando um equilíbrio entre as diversas teorias e as exigências da realidade social.
Em um cenário de rápidas transformações sociais e tecnológicas, o Direito Penal e o Processual Penal são chamados a se adaptar, sem, contudo, abrir mão de seus princípios fundamentais. A criminalidade organizada, o terrorismo e os crimes cibernéticos impõem novos desafios, exigindo do legislador a criação de tipos penais mais específicos e do intérprete uma análise mais aprofundada, sempre com o objetivo de proteger a sociedade sem violar as garantias individuais.
A atuação do advogado, do promotor e do juiz, nesse contexto, é crucial. O rigor técnico na aplicação das teorias do crime, a sensibilidade para as nuances do caso concreto e o compromisso inabalável com as garantias constitucionais são imperativos. A busca por uma justiça penal que seja, ao mesmo tempo, eficaz na repressão e fiel aos valores democráticos é um projeto contínuo, que exige o engajamento de todos os operadores do Direito. Somente assim poderemos construir uma sociedade mais segura, justa e livre, onde o Direito Penal, em sua essência, seja um instrumento de proteção da liberdade, e não de sua supressão. A dogmática penal, a jurisprudência e a doutrina, em um diálogo incessante, devem continuar a construir um arcabouço jurídico que não apenas puna, mas que também previna, ressocialize e, acima de tudo, promova a dignidade da pessoa humana.
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