MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Reforma tributária e a era da inteligência artificial: Os riscos da fiscalização algorítmica

Reforma tributária e a era da inteligência artificial: Os riscos da fiscalização algorítmica

A adoção de IA na fiscalização tributária amplia eficiência e detecção de fraudes, mas impõe desafios à transparência, ao devido processo e à segurança jurídica.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Atualizado em 15 de setembro de 2025 11:26

A EC 132/23 introduziu uma profunda reestruturação no sistema tributário brasileiro, estabelecendo o IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e a CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços, com o objetivo de simplificar a tributação sobre o consumo. Essa reforma exige uma integração massiva de dados fiscais, criando um ambiente propício para a utilização de IA - inteligência artificial na fiscalização tributária.

A RFB - Receita Federal do Brasil tem implementado ferramentas baseadas em IA para aprimorar a detecção de fraudes tributárias e aduaneiras. Como exemplo, podemos citar o desenvolvimento pela RFB de uma plataforma inovadora capaz de ampliar a detecção de irregularidades tributárias na importação, identificando inconsistências em lançamentos contábeis ou divergências em valores declarados, permitindo correções antes de uma possível auditoria. Além disso, a RFB utiliza IA para gerar relatórios de auditoria mais rápidos, precisos e estratégicos, identificando padrões atípicos que passariam despercebidos na fiscalização tradicional.

O uso de IA na fiscalização tributária levanta questões jurídicas complexas. Autuações baseadas em algoritmos podem colidir com princípios constitucionais, como o devido processo legal, contraditório e ampla defesa. A decisão automatizada é menos transparente, e a explicação das razões que levaram à autuação nem sempre é clara ao contribuinte. O risco é a ocorrência de erros ou vieses nos modelos de IA, que podem gerar litígios de massa, questionando a validade das autuações e a responsabilidade do Fisco.

A jurisprudência recente do STJ tem abordado a questão da transparência na motivação dos atos administrativos. Em decisões como o REsp 1.907.044/GO, o tribunal enfatizou a necessidade de motivação clara e suficiente nos atos administrativos, o que inclui as autuações fiscais. A aplicação de IA na fiscalização deve, portanto, respeitar esse entendimento, garantindo que os contribuintes possam compreender as razões pelas quais foram autuados.

O PL 2.338/23, em tramitação no Congresso Nacional, visa estabelecer normas gerais para o desenvolvimento, implementação e uso responsável de sistemas de IA no Brasil. O PL propõe uma regulação baseada em risco, semelhante ao modelo adotado pela União Europeia, e enfatiza a importância da transparência, responsabilidade e supervisão humana nos sistemas de IA.

No contexto tributário, a regulamentação será essencial para equilibrar eficiência arrecadatória e proteção de direitos fundamentais, prevenindo abusos e insegurança jurídica. A proposta de regulação da IA deve ser acompanhada de perto, pois suas implicações podem afetar diretamente a relação entre Fisco e contribuintes.

A adoção de IA na fiscalização representa um impacto direto no compliance corporativo. Empresas precisarão investir em sistemas internos de monitoramento fiscal, auditoria de dados e governança digital, sob pena de sofrer autuações potencialmente contestáveis. Por outro lado, a inteligência artificial pode reduzir custos do fisco e acelerar a resolução de litígios, beneficiando contribuintes que mantêm a regularidade fiscal.

Especialistas sugerem que os sistemas inteligentes podem identificar padrões de comportamento que podem ser interpretados como infrações fiscais. Por exemplo, a IA pode sinalizar inconsistências em lançamentos contábeis ou divergências em valores declarados, permitindo correções antes de uma possível auditoria.

Para equilibrar eficiência fiscal, segurança jurídica e inovação tecnológica, três caminhos se destacam: transparência algorítmica, tornando públicos critérios gerais usados nos modelos de decisão, garantindo que contribuintes compreendam as regras do jogo; orientação administrativa vinculante, com portarias e instruções normativas claras da Receita Federal e PGFN para uniformizar a interpretação e reduzir margem de litígio; e controle judicial e revisão humana, assegurando que decisões automatizadas possam ser revisadas, garantindo que erros ou vieses sejam corrigidos sem prejuízo ao contribuinte.

A reforma tributária, ao mesmo tempo em que moderniza o sistema fiscal, inaugura uma era em que tecnologia e direito se cruzam de forma inédita. A utilização de inteligência artificial na fiscalização pode ser um divisor de águas na arrecadação, mas exige cautela. Se bem implementada, oferece maior eficiência e segurança jurídica; se mal aplicada, pode se transformar em fonte de litígios e questionamentos constitucionais em larga escala.

O desafio brasileiro é, portanto, equilibrar inovação tecnológica, justiça fiscal e proteção aos direitos fundamentais, criando um ambiente tributário moderno, seguro e confiável para contribuintes e Fisco.

_______

Referências

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm

https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2024/setembro/receita-desenvolve-ferramenta-inovadora-capaz-de-ampliar-deteccao-de-fraudes-tributarias-e-aduaneiras

https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=133040959&num_registro=202003139500&data=20210825&tipo=5&formato=PDF

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2487262#:~:text=PL%202338%2F2023%20Inteiro%20teor,Projeto%20de%20Lei&text=Ementa-,Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20desenvolvimento%2C%20o%20fomento%20e%20o%20uso%20%C3%A9tico,11%20de%20janeiro%20de%202023.

https://www.e-auditoria.com.br/blog/inteligencia-artificial-tributaria-relatorios-com-ia/?utm_source=chatgpt.com

Karina de Oliveira

Karina de Oliveira

Advogada especialista em Direito Tributário, com atuação na área consultiva e no contencioso judicial e administrativo nas esferas federal, estadual e municipal. Formação em Direito pelo Mackenzie, com especializações em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes e em Advocacia Tributária pela Escola Brasileira de Direito. Com atualização em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia/OAB-RJ, extensão em Teses Tributárias e Transação Tributária pela Intelligence Tax School (ITS EDU) e em Reforma Tributária pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca