O bloqueio de Carteira Nacional de Habilitação na execução
O bloqueio da CNH - Carteira Nacional de Habilitação na execução mostra-se medida desproporcional para com o executado, violando o princípio do desfecho único.
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Atualizado às 13:50
Em São Paulo, houve uma decisão determinou a adoção de medidas restritivas em relação a um devedor de título executivo extrajudicial do bloqueio da CNH - Carteira Nacional de Habilitação e, incluindo, os cartões de crédito do executado, a fim de garantir o adimplemento por parte da parte ré.
Haja vista o caso em tela, é importante levantar os seguintes questionamentos que serão abordados no presente ensaio e respondidos nele: 1) Qual a finalidade de um processo executivo; 2) Se o bloqueio da CNH, enquanto meio executivo atípico, constitui uma prática útil ao resultado e à finalidade da execução, consoante a menor onerosidade do devedor, à proporcionalidade ou razoabilidade, os princípios do desfecho único e patrimonialidade.
Para isso, este ensaio amparar-se-á na legislação pátria, precisamente no CPC e a CF/88, na doutrina processualista contemporânea e na jurisprudência pátria.
O princípio do desfecho único, seus "sub-princípios" e a finalidade precípua do processo de execução
Em primeiro plano, faz-se mister analisar qual a finalidade primordial do processo de execução. A finalidade precípua do processo executivo (seja qual título judicial for) é a satisfação do direito do exequente. Dentro do fim normal da referida ação, há a satisfação do direito do exequente, conforme NEVES (2023, p. 759). Desconsiderar-se-á o fim anômalo do processo, cuja resolução encontra amparo no art. 485, do CPC.
Urge destacar as lições de NEVES (2023, p. 759), abaixo:
"O processo de execução se desenvolve com um único objetivo: satisfazer o direito do exequente. Sendo esse o único objetivo da execução, a doutrina aponta para o princípio do desfecho único, considerando-se que a única forma de prestação que pode ser obtida em tal processo é a satisfação do direito do exequente, nunca do executado" (Grifos meus).
Portanto, na esteira da melhor doutrina mencionada, não há que se falar em mérito de forma direta no processo executivo (mesmo que haja incidentes em relação aos embargos à execução enquanto ação autônoma a fim de debater, de certa forma, questões de mérito), desconsiderando o direito do executado na ação principal em trâmite
Ademais, o princípio supramencionado possui derivados, sendo eles: A) Patrimonialidade: significando que os bens do devedor são objetos da ação de execução, jamais sua pessoa; B) Utilidade: o resultado do processo deve ser útil, ou seja, deve o direito do exequente ser satisfeito sem, contudo, ter como finalidade prejudicar o devedor; C) Menor onerosidade: a execução não tem como finalidade a "vingança privada" para o prejuízo do devedor, mas unicamente a satisfação do direito da parte autora. Desse modo, todos esses princípios da execução são sub-princípios do desfecho único, irradiando dele
Portanto, é possível concluir que o processo de execução tem por finalidade, exclusivamente, a satisfação útil do direito a parte exequente, levando em consideração a menor onerosidade para com o executado e que a pessoa deste não é objeto da ação, todavia, os seus bens são.
O bloqueio da CNH enquanto meio atípico da execução: a maquiavélica violação à razoabilidade
Em segundo tópico, cabe ressaltar que o juízo do caso concreto em questão decidiu pelo bloqueio da CNH da executada por ela não cumprir com a obrigação, sem, contudo, ser encontrada para a citação regular e, também, serem encontrados bens em seu nome para avaliação e posterior penhora deles
O magistrado do caso compreendeu, portanto, que, pelo princípio da utilidade, caberia o bloqueio da CNH da devedora, com fulcro no art. 139, IV, do CPC, que confere discricionaridade na escolha dos meios para a execução:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniá (Grifo meu);
Porém, é inconteste que o princípio da patrimonialidade é um impedimento para que a dívida não saia do patrimônio do executado e atinja sua pessoa. Tal princípio encontra amparo na dignidade da pessoa humana, insculpida no art. 1º, III, da CF/88:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana (Grifo meu);
Ademais, mencione-se que a satisfação do credor, embasada no princípio da utilidade, e a menor onerosidade em relação ao devedor, devem ser sopesadas consoante a razoabilidade. Portanto, o art. 139, IV, do CPC, dá, de fato, discricionariedade em relação aos métodos de coerção escolhidos pelo juízo. Todavia, deve haver os direitos fundamentais, enquanto cláusulas pétreas e de aplicabilidade direta, imediata e integral, não podem jamais ser violados. Para tanto, faz-se mister a escolha do meio de satisfação da obrigação que seja menos gravoso ao executado.
Maquiavel nunca afirmou que "os fins justificam os meios" de forma direta. Entretanto, no caso in concreto, careceu o juízo de proporcionalidade, violando princípios basilares do processo executivo, não sendo condizente sob nenhuma hipótese com o Estado Democrático de Direito
Sob outro viés, que é o do presente artigo, o TJ/MG decidiu contrariamente, conforme o acórdão proferido transcrito abaixo:
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. SUSPENSÃO DE CNH E BLOQUEIO DE CARTÕES DE CRÉDITO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em cumprimento de sentença que indeferiu o pedido de adoção de medidas executivas atípicas, consistentes na suspensão da Carteira Nacional de Habilitação e bloqueio de cartões de crédito do executado. A agravante sustenta que, esgotados os meios típicos de execução, seria cabível a aplicação das medidas coercitivas previstas no art. 139, IV, do CPC, como forma de compelir o executado ao adimplemento, especialmente diante de indícios de manutenção de padrão de vida incompatível com a alegada inexistência de bens.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
A questão em discussão consiste em definir se, esgotados os meios típicos de expropriação, é cabível a adoção de medidas executivas atípicas, como a suspensão da CNH e o bloqueio de cartões de crédito, para assegurar a efetividade da execução por quantia certa.
III. RAZÕES DE DECIDIR
O art. 139, IV, do CPC autoriza o juiz a adotar medidas coercitivas e indutivas para assegurar o cumprimento de ordens judiciais, inclusive em execuções pecuniárias, desde que observados os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e efetividade.
A execução se destina à satisfação do crédito do exequente por meio da expropriação de bens do executado, conforme previsto no art. 797 do CPC, devendo ser priorizados os meios típicos, como a penhora e a alienação.
A adoção de medidas atípicas que restrinjam direitos fundamentais deve observar o princípio da menor onerosidade da execução (art. 805 do CPC) e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/1988), sendo vedadas medidas desproporcionais ou que não guardem relação direta com a satisfação do crédito.
A suspensão da CNH e o bloqueio de cartõ es de crédito não se mostram aptos a garantir a efetiva satisfação do crédito, configurando-se como medidas meramente coercitivas e excessivamente gravosas, sem demonstrar utilidade concreta no caso analisado.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. A adoção de medidas executivas atípicas, como a suspensão de CNH e o bloqueio de cartões de crédito, exige demonstração de necessidade, adequação e proporcionalidade, não bastando a mera alegação de inadimplemento. 2. A restrição de direitos fundamentais do executado deve ser evitada quando existirem outros meios menos gravosos ou quando não se demonstrar sua utilidade prática na satisfação do crédito. 3. A execução deve observar os princípios da efetividade e da menor onerosidade, preservando a dignidade da pessoa humana.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; CPC, arts. 139, IV, 797 e 805.
Jurisprudência relevante citada: Não houve indicação de precedentes específicos no acórdão. (TJMG -Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.25.152497-1/001, relator(a): des.(a) Antônio Bispo , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/8/2025, publicação da súmula em 5/9/2025) - (Grifos meus).
Ante o exposto, retoma-se que não é cabível o bloqueio da CNH da executada no caso em tela, haja vista que viola a razoabilidade, a finalidade do processo de execução, personificada no cumprimento da obrigação pelo devedor de forma que não seja excessivamente onerosa, mas ao mesmo tempo satisfaça o direito do credor. Os fins da lídima justiça visam a equidade e, diferente do exposto, não são justificadas por meios atentatórios à dignidade humana do devedor.
Conclusão
Por todo o exposto, conclui-se que:
1. A ação de execução possui como finalidade a satisfação da parte exequente, contudo, deve-se levar em consideração os princípios do referido processo, visto que o devedor não pode ser executado na figura de sua pessoa e deve ser o menos oneroso possível, nos termos da razoabilidade, e ao mesmo tempo ser útil ao credor
2. O bloqueio ou suspensão da CNH, enquanto meio atípico executivo, do caso concreto, demonstra flagrante violação aos princípios constitucionais e aos princípios da execução, visto que carecem de proporcionalidade, utilizando de meios dezarrazoados para atingir os fins, violando a dignidade humana ao cair no maquiavelismo.
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Referências bibliográficas
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 06 de setembro de 2025.
BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015 (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 06 de setembro de 2025.
NEVES. Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil: Volume único. 15 ed. São Paulo: Juspodivm, 2023.


