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Bolsonaro condenado: Fora das quatro linhas da Constituição

Golpe de Estado não é questão de opinião: é uma ruptura constitucional! Não pode haver jamais neutralidade.

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Atualizado às 09:42

Durante seu mandato, Jair Bolsonaro repetiu à exaustão uma frase que parecia compromissada com a legalidade: "jogo dentro das quatro linhas da Constituição".

Mas o tempo revelou que essa expressão não passava de um disfarce retórico. Bolsonaro não jogou, tentou ser o dono do campo e da bola. Queria mudar as regras e expulsar o juiz. 

Golpe não se esconde em texto constitucional!

Uma coisa: quem tenta jogar contra as regras democráticas, tem que ser expulso do campo institucional, não por vingança, mas pela defesa do Estado democrático de Direito.

A democracia não é ingênua. Ela reconhece que há jogadores que usam o vocabulário constitucional, para disfarçar o jogo sujo, enquanto tramam sua destruição e erosão .

É o constitucionalismo abusivo!

Foi tentativa de gol. Golpe, sim, no caso!

Aliás, golpe de Estado não é questão de opinião: é uma ruptura constitucional! Não pode haver jamais neutralidade.

A "muleta hermenêutica" do art. 142 da CF

Um dos pilares dessa estratégia golpista foi o uso distorcido do art. 142 da Constituição, transformado em uma espécie de "muleta hermenêutica", com uma leitura golpista e tortuosa que buscava justificar uma suposta "intervenção militar"

As imagens das faixas com "intervenção militar" presentes nos protestos bolsonaristas ficaram registradas para a história.

A ironia é que, sob o disfarce de patriotismo, o que se propunha era uma ruptura institucional.

Um golpe à brasileira. Uma triste "intervenção com molho de patriotismo": temperada com retórica populista, servida em lives e regada a desinformação jurídica.

O VAR constitucional condenou

Jair Bolsonaro foi condenadoE não, não é perseguição. Não é vingança. É Direito. É Constituição.

É resposta institucional a quem tentou rasgar o pacto democrático com a desculpa de que jogava "dentro das quatro linhas".

Mas vamos ser francos: desde quando golpe de Estado pode ser constitucional?

Desde quando minuta golpista, reunião com militares (dentro do Palácio do Planalto), ataque ao sistema eleitoral, ameaças explícitas ao STF, "Plano Punhal Verde" e "Copa 2022" são compatíveis com o art. 1º da Constituição, que consagra o poder popular por meio do voto?

Era só o "pensamento digitalizado", "anotações pessoais", um "bate-papo no Palácio do Planalto" ou uma "conversa informal de bar "?

E, convenhamos, não há VAR que salve quem tenta rasgar a regra do jogo e ainda quer ser capitão do time, não é?

Porque ninguém está acima da Constituição, nem o capitão, nem seus generais.

Aliás, a participação de militares na política deve ser evitada. No fim, quem joga fora das quatro linhas da Constituição não está em campo.

Está fora do jogo democrático. E a democracia brasileira, ainda que ferida, mostrou que sabe se defender de atos antidemocráticos.

E como reconheceu a maioria dos ministros do STF, esses atos não foram preparatórios - foram executórios.

Golpismo à brasileira

A condenação do capitão Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado não é apenas um episódio jurídico.

É um marco histórico que se inscreve numa longa tradição de rupturas constitucionais.

A propósito, "todas as grandes rupturas da legalidade constitucional tiveram origem no intervencionismo militar", como bem aponta o super historiador Carlos Fico em seu livro: Utopia Autoritária Brasileira.

Golpes e contragolpes. É a tutela, sim, dos militares na formação social brasileira!

Segundo Fico, entre 1889 e 2023, o Brasil enfrentou 15 golpes e tentativas documentadas, sendo que em sete delas os golpistas triunfaram.

Isso revela um padrão estrutural: a instabilidade democrática não é exceção: é quase regra.

Pois é. Infelizmente, o "golpismo, está no DNA das nossas elites", na reflexão de Renato Ferraz.

Fico também destaca que essa "utopia autoritária" é sustentada por três mantras disseminadas entre setores militares:

  • O povo seria despreparado para se autogovernar;
  • Todo político seria corrupto;
  • Os militares estariam acima dos civis.

Essas ideias não apenas justificaram intervenções passadas, como também alimentaram a tentativa recente de ruptura institucional.

O julgamento de Bolsonaro, militares e civis, marca uma possível ruptura da impunidade e pode inaugurar um momento em que a Constituição é protegida pelo Direito, não pela força.

Provas da condenação

As provas da condenação consideradas pelo STF é que não faltamSão fartas. Por exemplo: 

  • Minuta do golpe, reunião com embaixadores, documentos como: "Operação 142", "Punhal Verde Amarelo", "Copa 2022";
  • Mensagens e arquivos digitais. Registros de reuniões e trocas de arquivos: agendas, atas e documentos compartilhados;
  • Ultimato ao STF. Vídeos no 7 de setembro. Delações e depoimentos do comandante do Exército e Aeronáutica.

Conclusão

Além das quatro linhas. A Constituição não ampara golpe. A condenação de Jair Bolsonaro não é um ato de vingança, nem de perseguição política.

É uma resposta institucional legítima a um projeto que tentou corroer, por dentro, os fundamentos da democracia constitucional brasileira.

Ah, tentaram esconder a minuta do golpe debaixo da Constituição! É o golpe travestido de legalidade, uma prática recorrente na história do autoritarismo à brasileira.

Não estamos diante de um embate entre visões ideológicas legítimas. O que se confronta aqui são dois projetos: um democrático, plural, constitucional e institucional, e outro que, sob o disfarce da linguagem democrática, promove sua erosão silenciosa.

A expressão "dentro das quatro linhas da Constituição", repetida exaustivamente por Bolsonaro, funcionou como um escudo retórico, uma espécie de selo de legitimidade para ações que, na prática, buscavam rasgar o próprio tecido constitucional.

A Constituição não pode ser reduzida a metáfora esportiva por quem joga contra ela.

Porém, o STF aplicou o VAR constitucional!

O Estado de Direito não permanece neutro diante de ameaças. Mesmo os poderosos devem responder por seus atos, com devido processo legal, ampla defesa e contraditório, mas também com firmeza institucional.

A democracia não se defende com hesitação.

A retórica, as bravatas e irresignações não podem servir de álibi para a ruptura!

Não há neutralidade possível diante da tentativa de ruptura institucional. Não se pode ficar em cima do muro.

O Direito não deve compactuar com a omissão.  Porque, no fim, quem joga fora das quatro linhas da Constituição não está em campo.

Está fora do jogo democrático!

Renato Otávio da Gama Ferraz

VIP Renato Otávio da Gama Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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