Despesas escolares de dependente com deficiência são dedutíveis no IRPF
Judiciário reconhece direito a dedução integral das despesas escolares de pessoas com deficiência como despesa médica no IRPF.
sexta-feira, 19 de setembro de 2025
Atualizado às 09:42
Frequentemente, famílias de pessoas com deficiência enfrentam uma carga financeira elevada: mensalidades escolares, atendimento pedagógico especializado, adaptações, terapias, tudo isso somado aos custos correntes da vida.
Quando chega a hora de declarar o Imposto de Renda, aparece mais um desafio: a Receita Federal muitas vezes nega que despesas escolares sejam consideradas "despesas médicas", exigindo que a instituição seja "especial".
Ocorre que a instrução inclusiva não pode ser vista apenas como mera atividade educacional, e este é o entendimento do Judiciário.
Para a pessoa com deficiência, frequentar a escola regular adaptada significa acesso a um espaço de convivência, estimulação cognitiva, socialização e desenvolvimento de habilidades que ultrapassam o aprendizado acadêmico.
Trata-se, portanto, de uma medida com caráter terapêutico e reabilitador, essencial para a autonomia e a qualidade de vida, razão pela qual deve ser reconhecida como despesa médica para fins de dedução no Imposto de Renda.
Assim, existe hoje um conflito claro sobre como tratar essas despesas no Imposto de Renda. A Receita Federal entende que só podem ser deduzidos os valores pagos a escolas especiais, exclusivas para pessoas com deficiência. Já o Judiciário firmou posição diferente: reconhece que também nas escolas regulares, quando há ensino inclusivo, esses gastos têm caráter de tratamento e devem ser dedutíveis integralmente como despesas médicas.
É justamente esse conflito que analiso neste artigo.
Despesas escolares X Despesa médica
O art. 73, § 3º do decreto 9.580/18 (RIR/18 - Regulamento do Imposto de Renda) prevê que "consideram-se dedutíveis como despesas médicas os pagamentos relativos à instrução de pessoa com deficiência física ou mental, desde que a deficiência seja atestada em laudo médico e que o pagamento seja efetuado a entidades destinadas a pessoas com deficiência."
Essa regra é clara em admitir a dedução de instrução, atuando como despesa médica - sem exigir, de maneira explícita no texto, que a instituição de ensino seja uma "escola especial".
A diferença prática desse enquadramento é significativa.
Enquanto as despesas de educação estão sujeitas a um teto anual de dedução, as despesas médicas podem ser deduzidas integralmente, sem qualquer limite.
Para famílias que enfrentam mensalidades elevadas em escolas regulares e inclusivas, a aplicação do entendimento judicial pode significar restituições maiores ou redução expressiva do imposto devido.
A interpretação ampliativa está em linha com:
- Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF);
- Direito à educação (art. 205, CF);
- Atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência (art. 208, III, CF);
- Dever de proteção integral às crianças e adolescentes (art. 227, CF);
- Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (decreto 6.949/09), que obriga o Estado brasileiro a promover a inclusão educacional em ambiente regular, sem discriminação.
Logo, restringir a dedução apenas às escolas especiais significa contrariar a própria lógica constitucional da inclusão, criando uma discriminação injustificável entre famílias que optam por escolas exclusivas e aquelas que inserem seus filhos em escolas regulares adaptadas.
Mais do que impacto financeiro, o reconhecimento da dedução integral transmite uma mensagem clara: a inclusão não pode ser penalizada pelo fisco.
O entendimento do Judiciário
O Judiciário corrigiu essa distorção no Tema 324 da TNU - Turma Nacional de Uniformização, fixando a tese de que:
"São integralmente dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda, como despesa médica, os gastos relativos à instrução de pessoa com deficiência física, mental ou cognitiva, mesmo que esteja matriculada em instituição de ensino regular."
Esse precedente, além de uniformizar a jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, tornou-se referência para todo o país, fornecendo segurança jurídica aos contribuintes.
A decisão alinha-se à ordem constitucional e internacional, reconhecendo que, para pessoas com deficiência, a instrução não é apenas educação, mas parte essencial do tratamento e da reabilitação.
O Judiciário, ao corrigir a interpretação restritiva da Receita, reforça a ideia de que a tributação deve estar a serviço da equidade e da justiça social.
Na prática: Como exercer o direito à dedução
O impacto financeiro da dedução integral é expressivo. Imagine uma família que paga R$ 3.000,00 por mês em escola inclusiva para um filho com deficiência. Em um ano, esse gasto chega a R$ 36.000,00.
Se for lançado como despesa de educação, a Receita permite deduzir pouco mais de R$ 3.500,00 por dependente ao ano (valor do limite fixado para 2025). Isso significa que, dos R$ 36.000,00 efetivamente pagos, apenas R$ 3.500,00 seriam aproveitados na base de cálculo.
Por outro lado, se o mesmo valor for declarado como despesa médica, não há teto. Os R$ 36.000,00 podem ser integralmente abatidos da base de cálculo do IR. Dependendo da alíquota efetiva do contribuinte (ex.: 27,5%), isso pode representar uma economia ou restituição de quase R$ 10.000,00 em um único ano.
Esse exemplo mostra por que o reconhecimento da despesa escolar inclusiva como médica não é detalhe burocrático: trata-se de um alívio fiscal real, que reduz desigualdades e garante maior dignidade às famílias que já enfrentam custos elevados com a deficiência.
Para que a dedução das despesas com instrução de pessoa com deficiência seja aceita no Imposto de Renda, é fundamental que o contribuinte se organize documentalmente e faça o lançamento correto na declaração.
O primeiro passo é obter laudo médico oficial que ateste a deficiência, com indicação do CID correspondente. Esse documento é a base para caracterizar a despesa como médica.
Em seguida, é necessário guardar todos os recibos e notas fiscais emitidos pela escola, preferencialmente em nome do responsável legal, discriminando valores de mensalidade, taxas ou serviços vinculados.
É recomendável que o contrato escolar ou declaração da instituição indique de forma clara que o aluno recebe ensino inclusivo ou suporte especializado, reforçando o caráter terapêutico da instrução.
Com os documentos comprobatórios recorre-se ao Judiciário, que já consolidou o entendimento de que o direito é válido mesmo para instituições regulares inclusivas.
Perguntas frequentes (FAQ)
Quem tem direito à dedução integral?
O direito se aplica a contribuintes que tenham dependentes com deficiência física, mental ou cognitiva, devidamente comprovada por laudo médico com CID.
- Deficiência física: paraplegia, tetraplegia, amputações, limitações motoras graves que exigem apoio permanente.
- Deficiência mental: esquizofrenia, deficiência intelectual moderada ou grave, transtornos psicóticos persistentes.
- Deficiência cognitiva: TEA - transtorno do espectro autista, síndrome de Down, paralisia cerebral com comprometimento cognitivo.
A dedução pode ser feita tanto para despesas em escolas especiais quanto em escolas regulares inclusivas, desde que a despesa esteja diretamente ligada à instrução do dependente com deficiência.
Posso deduzir mensalidade de escola regular ou inclusiva como despesa médica no IRPF?
Sim. O Judiciário reconhece que essas despesas, quando vinculadas a pessoa com deficiência, têm natureza médica e podem ser deduzidas integralmente.
A Receita Federal aceita esse entendimento?
Não. A Receita continua negando essas deduções em suas soluções de consulta e glosa em malha fina. Contudo, há respaldo para defesa administrativa e judicial, com base no Tema 324 da TNU.
Quais documentos preciso apresentar?
É necessário laudo médico que ateste a deficiência, recibos ou notas fiscais da instituição de ensino e a indicação do dependente na declaração do IRPF.
Qual a vantagem de lançar como despesa médica?
Enquanto a dedução de educação tem limite anual, a de despesa médica não possui teto, garantindo dedução integral dos valores efetivamente pagos.
O que fazer se a Receita negar a dedução?
O contribuinte pode apresentar impugnação administrativa ou ingressar em juízo, utilizando a fundamentação legal e o precedente consolidado pelo Judiciário.
Conclusão
A dedução integral das despesas escolares de pessoas com deficiência como médicas representa um avanço jurídico e social.
O Judiciário deu interpretação adequada à norma, reconhecendo que a instrução inclusiva tem caráter terapêutico e reabilitador.
Ao fazê-lo, promoveu justiça fiscal e alinhou a tributação brasileira aos compromissos de inclusão assumidos pelo país.


