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A cláusula de não concorrência entre sócios: Limites e eficácia

Cuidados com a pactuação da cláusula de non-compete (não concorrência), desde a elaboração da cláusula até a execução por descumprimento.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Atualizado às 09:45

O tema da cláusula de não concorrência entre sócios, apesar de bastante utilizado na prática empresarial, ainda gera discussões sobre sua validade, limites e eficácia. Para compreendê-lo, é preciso antes distinguir dois conceitos fundamentais: concorrência desleal e concorrência leal.

A concorrência desleal é sempre ilícita. Configura-se, por exemplo, quando um sócio utiliza informações privilegiadas da sociedade para desviar clientela ou explora a marca da empresa sem autorização. Nessas hipóteses, ainda que não exista cláusula contratual, o ordenamento jurídico brasileiro (CC, lei de propriedade industrial, CDC, entre outros diplomas) já prevê mecanismos de repressão e indenização.

A concorrência leal, por sua vez, só se torna um ilícito civil se as partes pactuarem previamente uma cláusula de não concorrência e houver o descumprimento dessa obrigação. É justamente nesse campo que a cláusula ganha relevância: ela funciona como instrumento preventivo, limitando a liberdade de iniciativa do ex-sócio em benefício da preservação da sociedade.

1. Finalidade da cláusula de não concorrência

A cláusula de não concorrência não deve ser confundida com mera proteção contratual. Trata-se de um mecanismo de governança societária que busca equilibrar dois valores constitucionais: de um lado, a livre iniciativa e o exercício profissional (CF/88, art. 5º, XIII e art. 170, caput); de outro, a função social do contrato e da empresa (CC, art. 421; CF/88, art. 170, III).

Em sociedades, o pacto de não concorrência tem como principal objetivo evitar que o sócio desligado, seja por retirada, recesso ou exclusão, utilize o know-how, a rede de contatos e a clientela construída em conjunto para disputar o mesmo mercado de forma predatória.

2. Requisitos de validade

A doutrina e a jurisprudência identificam três limites principais para a validade da cláusula: material, temporal e espacial.

a) Limite material

A cláusula não pode impedir que o ex-sócio exerça sua profissão de forma absoluta. A vedação deve incidir sobre atividades que efetivamente possam captar a clientela da sociedade.

Um precedente emblemático é o do TJ/SP (AI 2095479-98.2014.8.26.0000), no qual se analisou a cláusula firmada entre uma franqueadora e uma pedagoga. O Tribunal entendeu que a profissional não poderia ser impedida de lecionar, mas a restrição era válida para evitar a abertura de escola concorrente que absorvesse alunos da franqueadora.

b) Limite temporal

O prazo da restrição deve ser razoável. Cláusulas por prazo indeterminado ou desproporcional tendem a ser declaradas nulas. Quanto maior o período pretendido, mais necessário é que o contrato explicite os fundamentos econômicos e negociais que justificam a escolha, reduzindo o risco de intervenção judicial ou arbitral.

c) Limite espacial

A restrição deve estar vinculada à área de atuação da sociedade. Em alguns casos, um raio municipal é suficiente; em outros, dada a abrangência do negócio, pode-se justificar cláusula de âmbito nacional ou até global. O que importa é a proporcionalidade entre a limitação geográfica e o mercado efetivo da sociedade.

3. Efeitos do descumprimento

Descumprida a cláusula, abre-se espaço para disputas judiciais ou arbitrais. Por isso, a redação contratual deve ser cuidadosamente planejada, contemplando:

Previsão de tutelas de urgência: autorizar desde logo a possibilidade de medidas liminares, inclusive com multas diárias, facilita a atuação do juiz ou árbitro para coibir o ilícito imediatamente.

Abrangência subjetiva: muitas vezes, o sócio utiliza "laranjas" para contornar a cláusula. É recomendável que o pacto se estenda a sucessores, cônjuges, companheiros e parentes próximos, ou qualquer pessoa interposta.

Cláusula penal: a fixação de multa contratual pelo descumprimento funciona como desestímulo e proporciona liquidez à indenização.

4. Considerações finais

A cláusula de não concorrência é muito mais que um detalhe contratual. Ela representa ferramenta estratégica de proteção do ativo mais valioso da sociedade: sua clientela e seu posicionamento no mercado.

Ao ser redigida, deve observar limites materiais, temporais e geográficos, além de prever consequências práticas para o descumprimento. Sem tais cuidados, o risco de ineficácia ou judicialização é alto.

Mais do que proibir, a cláusula bem elaborada confere segurança jurídica e previsibilidade para todos os envolvidos, alinhando expectativas e reduzindo conflitos futuros.

Diogo Durau Sartori

VIP Diogo Durau Sartori

Advogado; Graduado em Direito PUCMINAS; pós-graduação em Direito de Empresa e em Gestão Fiscal e Tributária pela PUCMINAS; Mestrando com linha de pesquisa em direito empresarial

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