A formação de títulos invertidos e a alteração dos polos da relação processual
Este ensaio pretende enfrentar as situações jurídicas ligadas a migração interpolar e a formação de títulos judiciais em favor do réu.
sexta-feira, 19 de setembro de 2025
Atualizado às 09:46
Uma afirmação inicial deve ser feita: é possível a formação de título executivo em favor do réu que, na fase de cumprimento de sentença, passa a ser considerado exequente.
Aliás, desde já vale mencionar que a consagração da parte como credora (autora/exequente) ou devedora (ré/executada) deve ser analisada de acordo com o momento e o que no título executivo judicial estiver consignado. As situações processuais podem ser alteradas dependendo do andamento do processo e do resultado de algum pronunciamento judicial proferido.
Diversas situações jurídicas permitem a constituição de título executivo em favor do réu originário, gerando, inclusive, liquidação e cumprimento de sentença invertidos (vg. art. 302, parágrafo único, do CPC).
Neste contexto, devem ser separadas duas hipóteses distintas: aquelas em que o réu deve promover demanda ou provocação judicial própria e as situações em que, pela própria natureza do título e do requerimento provisório pleiteado pelo autor, há certificação de existência de direito em favor do demandado.
No primeiro grupo, poder-se-á indicar as situações de requerimentos positivos formulados pelo então réu, como na reconvenção (art. 343 do CPC) e no pedido contraposto dos juizados especiais (art. 31, da lei 9.099/1995). No segundo, os exemplos são as tutelas provisórias de urgência não confirmadas - ou nas demais situações previstas no art. 302, do CPC, as sentenças de improcedência que podem reconhecer a exigibilidade de obrigação de pagar (art. 515, I, do CPC), a execução provisória considerada injusta - quando o recurso pendente desconstitui o título executivo provisório (art. 520, I, do CPC) e a ação de execução atingida, por exemplo, pela procedência dos embargos do devedor (art. 776, do CPC), etc.
O binômio a ser analisado é o risco X responsabilidade. Em várias situações o direito do réu pode ser certificado judicialmente, com eventual inversão das posições processuais no momento do cumprimento de sentença.
Na reconvenção há a necessidade de comprovação da conexão em relação à demanda proposta pelo reconvindo ou ao fundamento da defesa (art. 343, do CPC/15), ampliando o objeto litigioso do processo e gerando uma sentença em capítulos.
Nos casos em que se admite pedido contraposto (art. 31, da lei 9.099/1995), a preocupação do legislador é com a simplificação procedimental. Não se deve esquecer que o pedido contraposto deve estar circunscrito aos limites da demanda formulada pelo autor, ao contrário da reconvenção.
Realmente, enquanto na reconvenção há demanda do reconvinte em face do reconvindo, cujo requisito principal é a conexão (art. 343, do CPC/15), gerando uma sentença em capítulos, no pedido contraposto há clara limitação cognitiva, quer pelo pedido formulado pelo autor, quer quanto a impossibilidade de ampliação do objeto (como ocorre na reconvenção), ou mesmo pela necessidade de ficar adstrito à matéria de competência do juizado especial.
Assim, em ambas as hipóteses, há possibilidade de formação de título executivo invertido - em favor do que figurou originalmente no polo passivo, pelo que ratifico o mencionado anteriormente: as posições de autor é réu são variáveis e dependerão do momento processual analisado.
A mesma possibilidade de variação das posições processuais ocorre nos casos de ações dúplices (v.g, ações possessórias - arts. 554-568, e consignação em pagamento - arts. 539-548, do CPC), em que, pela própria natureza do direito material, a simples improcedência do pleito do autor já certifica direito em favor do réu. Além disso, é formado o título em favor do demandado também nas hipóteses expressamente previstas no art. 556, do CPC, em que este formula pleito possessório e indenizatório.
Vejamos um exemplo: em caso de improcedência de demanda possessória e acolhimento da tese indenizatória formulada pelo réu (art. 556 do CPC), a sentença certifica direito a seu favor, sendo possível a provocação da fase de cumprimento visando, quem sabe, obrigar o autor a uma conduta (fazer ou não fazer - art. 497-501, do CPC) ou mesmo pagamento de quantia (art. 520-522, do CPC). Percebe-se, com isso, que nas ações dúplices, permite-se a ampliação objetiva, sendo clara hipótese de cumprimento de sentença invertido.
São, portanto, três situações distintas. A primeira é genérica, em que o réu apresenta seu pleito via reconvenção. A segunda, no pedido contraposto, e a última, nas ações dúplices.
Existem, além desses casos, situações em que esta inversão dos polos originários da demanda decorre de tutelas provisórias de urgência, não confirmadas posteriormente (art. 302 do CPC), além dos casos específicos da execução provisória de sentença (art. 520, I e §4º, do CPC) Mais uma vez deve ser enfrentado o binômio risco X responsabilidade.
Com efeito, caso o autor obtenha a seu favor uma tutela provisória (art. 302 do CPC/15), há, em verdade, uma antecipação provisória de uma situação ligada ao futuro bem jurídico, que poderá ou não ser confirmado. Nesta hipótese, é possível a formação de título executivo invertido quando a confirmação não ocorrer, com possibilidade de liquidação e indenização dos danos causados ao réu no mesmo processo.
A 2ª Seção do STJ, após a afetação, enfrentou o tema no julgamento do REsp 1.548.749/RS, consagrando expressamente que:
"A obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e, por isso, independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada. A sentença de improcedência, quando revoga tutela antecipadamente concedida, constitui, como efeito secundário, título de certeza da obrigação de o autor indenizar o réu pelos danos eventualmente experimentados, cujo valor exato será posteriormente apurado em liquidação nos próprios autos".
Também a 3ª turma do STJ, no REsp 1.770.124/SP (Rel. Min. Marco Aurélio Bellize - J. em 21.05.2019 - DJe de 24/05/2019 - RSTJ vol. 255 p. 739), consagrou que:
"Com efeito, a obrigação de indenizar a parte adversa dos prejuízos advindos com o deferimento da tutela provisória posteriormente revogada é decorrência ex lege da sentença de improcedência ou de extinção do feito sem resolução de mérito, como no caso, sendo dispensável, portanto, pronunciamento judicial a esse respeito, devendo o respectivo valor ser liquidado nos próprios autos em que a medida tiver sido concedida, em obediência, inclusive, aos princípios da celeridade e economia processual".
Este é exatamente o que se pretende analisar neste momento. A constituição de título executivo em favor do réu originário é consequência natural do insucesso da demanda judicial em que foi concedida a tutela provisória de urgência.
Como se pode perceber, em caso de medida judicial provisória (cumprimento provisório - arts. 520-522, do CPC/15 e tutela provisória de urgência) o resultado final da demanda poderá configurar uma inversão de polos, com a liquidação e execução nos próprios autos originários.
É interessante notar que, em algumas situações, o demandado nem mesmo terá direito à caução como condicionante às situações previstas no art. 521, do CPC/15.
Destarte, na busca de maior celeridade ao procedimento da execução provisória (cumprimento provisório), procurou o legislador dispensar a caução nas hipóteses deste artigo, contudo, poderá a situação gerar séria e profunda injustiça, tendo em vista que o executado irá trocar o certo (bem que era de sua propriedade e que foi penhorado para garantir o cumprimento provisório) pelo duvidoso (futuro cumprimento de sentença invertido visando o ressarcimento dos danos provenientes da execução considerada injusta), ficando, inclusive, sujeito a toda sorte do sistema de cumprimento (como a localização de bens, nova penhora, nova execução até o efetivo reembolso - se houver - do valor correspondente ao bem expropriado judicialmente).
Este é um risco que o procedimento voltado para a maior celeridade executiva poderá gerar, baseado na pouca probabilidade de sucesso da tese jurídica discutida no recurso pendente de julgamento sem efeito suspensivo.
Nestas situações, portanto, ocorre a formação de título executivo em favor do demandado originário que, na fase de cumprimento de sentença (com prévia liquidação para apurar o quantum debeatur), será tratado como exequente.
Deve-se, com isso, ter bastante cautela na utilização das tutelas provisórias ou mesmo no cumprimento provisório da sentença, tendo em vista a possibilidade natural de inversão dos polos e constituição de título executivo em favor do demandado originário.


