Sobre os pets: A proteção jurídica de cães e gatos no ordenamento brasileiro
A discussão inclui casos de maus-tratos e a responsabilidade civil dos tutores, enfatizando o papel da sociedade e do Estado na promoção de uma convivência harmoniosa com os pets.
segunda-feira, 22 de setembro de 2025
Atualizado em 19 de setembro de 2025 15:19
Um grande problema - inclusive do ponto de vista ético - sempre envolveu o uso de animais em testes de produtos de higiene pessoal. Tais testes eram realizados em animais, para verificar como esses produtos poderiam reagir em humanos.
Esses testes usam animais que compartilham alguma similaridade com a genética humana, principalmente roedores como ratos, esquilos, chinchilas, hamsters e porquinhos da índia, e outros animais com coelhos, porcos, ovelhas, macacos e outros, incluindo cães e gatos.
Tais animais, denominados de cobaias, são submetidos ao uso tópico ou interno de substâncias ainda em fase de estudo, ou seja, aquelas cujos efeitos colaterais ainda não são conhecidos. Eles são expostos a doses maciças dessas substâncias com o fito de observar o nível de tolerância a cada composto, bem como a interação entre diferentes químicos.
A consequência desses testes, para os animais utilizados, é que, a maior parte deles, vai ficar com sequelas decorrentes da exposição às substâncias, perdendo a vida precocemente em relação à expectativa de vida da espécie.
Por conta disso, a sociedade civil se mobilizou para acabar com esses testes, evitando a crueldade cometida contra os animais. Esse movimento foi chamado de Cruelty-Free.
No Brasil, seguindo essa mobilização, o Concea editou a resolução 58, de 23/2/23, pela qual, no seu ar 1º, proibia o uso de animais nesse tipo de teste:
Art. 1º Fica proibido no país o uso de animais vertebrados, exceto seres humanos, em pesquisa científica e no desenvolvimento e controle da qualidade de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes que utilizem em suas formulações ingredientes ou compostos com segurança e eficácia já comprovadas cientificamente.
E, agora, a lei 15.183, de 30/7/25, alterando a lei 11.794, de 2008, passou a proibir expressamente aquela prática, com a inclusão, nela, de diversos dispositivos, como veremos.
A começar pela inclusão, no art. 3º, do inciso V, que define produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, como sendo "preparações constituídas por ingredientes naturais ou sintéticos, de uso externo nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral, com o objetivo exclusivo ou principal de limpá-los, de perfumá-los, de alterar sua aparência, de protegê-los, de mantê-los em bom estado ou de corrigir odores corporais, excetuados formulações e ingredientes destinados a repelir insetos".
Depois, a proibição vem contida, principalmente, nos novos §§ 11 e 12, incluídos no ar 14, pelos quais, respectivamente, "é vedada a utilização de animais vertebrados vivos em testes de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, inclusive nos testes que visem a averiguar seu perigo, sua eficácia ou sua segurança", e "é vedada a utilização de animais vertebrados vivos em testes de ingredientes para compor exclusivamente produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, inclusive nos testes que visem a averiguar seu perigo, sua eficácia ou sua segurança".
Além disso, pelo novel § 13, fica proibida, também, a utilização dos dados provenientes de testes em animais feitos após a data de 30/7/25 (data da entrada em vigor do referido parágrafo). Tais dados não poderão ser utilizados para autorizar a comercialização de produtos de higiene pessoal, cosméticos ou perfumes ou de seus ingredientes, exceto nos casos em que forem obtidos para cumprir regulamentação não cosmética nacional ou estrangeira, caso em que, pelo § 14, as empresas interessadas na fabricação ou na comercialização do produto deverão fornecer, quando solicitadas pelas autoridades competentes, evidências documentais do propósito não cosmético do teste.
O fabricante que fizer uso de dados conforme o disposto no § 13, acima mencionado, ou seja, produto cuja segurança foi estabelecida pelo uso de novos dados de testes com animais após 30/7/25, não poderá incluir no rótulo ou no invólucro do produto a menção, logotipo ou selo "não testado em animais", "livre de crueldade" ou outras expressões similares. § 15.
Pelo art. 2º da lei 15.183, de 2025, as autoridades sanitárias competentes terão o prazo máximo de dois anos a partir da sua publicação (30/7/25) para adotar medidas que implementem o disposto nos novos §§ 13 a 17 do art. 14 da lei 11.794, de 2008, a fim de:
i. Assegurar o rápido reconhecimento dos métodos alternativos e adotar um plano estratégico para garantir a disseminação desses métodos em todo o território nacional;
ii. Estabelecer medidas de fiscalização da utilização de dados obtidos de testes em animais realizados após a entrada em vigor desta Lei para fins de avaliação de segurança e de registro de cosméticos, bem como publicar relatórios bienais com detalhamento do número de vezes que evidências documentais foram solicitadas às empresas e o número de vezes que as empresas usaram esses dados;
iii. Garantir que produtos cosméticos com rótulos ou invólucros com a menção, logotipo ou selo "não testado em animais", "livre de crueldade" ou outras expressões similares sejam regulamentados e respeitem o disposto na nova Lei.
No entanto, por força do novel § 18, havendo circunstâncias excepcionais em que surjam graves preocupações no que diz respeito à segurança de um ingrediente cosmético, as proibições constantes dos §§ 11, 12, e 13, acima dispostos, poderão ser derrogadas pelo Concea, desde que satisfeitas simultaneamente as seguintes condições:
i. Tratar-se de ingrediente amplamente utilizado no mercado e que não possa ser substituído por outro capaz de desempenhar função semelhante;
ii. Detectar-se problema específico de saúde humana relacionado ao ingrediente;
iii. Inexistir método alternativo hábil a satisfazer as exigências de testagem.
Convém destacar que, pelo § 16, está permitida a comercialização de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, bem como de seus ingredientes, que tenham sido testados em animais antes da data de entrada em vigor da lei 15.183, de 2025.
E, conforme dispõe a lei 6.360, de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, no seu art. 27, com a redação dada pela lei 15.183, de 2025, o registro dos cosméticos, dos produtos destinados à higiene pessoal, dos perfumes e demais, de finalidade congênere, dependerá da satisfação das seguintes exigências:
i. Enquadrar-se na relação de substâncias declaradas inócuas, elaborada pelo órgão competente do Ministério da Saúde e publicada no "Diário Oficial" da União, a qual conterá as especificações pertinentes a cada categoria bem como às drogas, aos insumos, às matérias-primas, aos corantes, aos solventes e aos demais permitidos em sua fabricação;
ii. Não se enquadrando na relação referida no inciso anterior, terem reconhecida a inocuidade das respectivas fórmulas, em pareceres conclusivos, emitidos pelos órgãos competentes, de análise e técnico, do Ministério da Saúde; e
iii. Cumprir as regras relativas à testagem em animais estabelecidas na lei 11.794, de 8/10/2008.
II.3.7. Penalidades.
As penalidades por infração à normas da lei 11.794, de 2008, estão previstas nos arts. 17 e 18.
Conforme disposição do art. 17, as instituições que executem atividades ora referidas estão sujeitas, em caso de transgressão às suas disposições e ao seu regulamento, às penalidades administrativas de:
i. Advertência;
ii. Multa de R$ 5 mil a R$ 20 mil;
iii. Interdição temporária - a interdição por prazo superior a 30 dias somente poderá ser determinada em ato do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, ouvido o Concea (parágrafo único).
iv. Suspensão de financiamentos provenientes de fontes oficiais de crédito e fomento científico;
v. Interdição definitiva.
Pelo art. 18, qualquer pessoa que execute de forma indevida atividades ora reguladas ou que participe de procedimentos não autorizados pelo Concea será passível das seguintes penalidades administrativas:
i. Advertência;
ii. Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 5.000,00 (cinco mil reais);
iii. Suspensão temporária;
iv. Interdição definitiva para o exercício da atividade ora regulada.
As penalidades ora previstas, tanto nas hipóteses do art. 17 quanto do art. 18, serão aplicadas de acordo com a gravidade da infração, os danos que dela provierem, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do infrator (art. 19), e serão aplicadas pelo Concea, sem prejuízo de correspondente responsabilidade penal (art. 20).
A fiscalização das atividades reguladas por esta lei fica a cargo dos órgãos dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, da Educação, da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, nas respectivas áreas de competência (art. 21).
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SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. Direito ambiental empresarial. Leme: JH Mizuno. 2ª ed. 2023.
Fernando Augusto de Vita Borges de Sales
Advogado inscrito na OAB/SP; Mestre em direitos difusos e coletivos (2008); Pós-graduado em Direito Civil (1998), Direito do Trabalho (2003), e Direito do Consumidor (2005); Professor universitário e em vários cursos de pós-graduação e preparatórios para concursos e exame de ordem; Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB/SP; Autor de várias obras na área jurídica.


